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Diretor executivo CNN Portugal

O governo anda a fazer figura de parvo

3 mai 2022, 15:36

O governo está a profissionalizar-se como máquina de propaganda - a oposição esfrangalhada cede e a maioria absoluta concede. Mas nos preços dos combustíveis é outra coisa: o primeiro-ministro foi ridicularizado pelas gasolineiras, que no primeiro dia se apropriaram de 40% da descida do imposto. Não nos surpreende. Mas o governo faz figura de parvo, as gasolineiras fizeram figura de espertas – e na verdade foram estúpidas.

É que nem disfarçaram.

Há quase um mês, aqui escrevi sobre o risco de a descida do imposto não repassar para o preço final: “Quem nos garante que as gasolineiras não vão apropriar-se de parte dessa descida? Ninguém. Pelos vistos, nem o Estado.” É que “o governo late mas o Estado não morde” e “não se compreende que não pressione as gasolineiras a fazer parte da distribuição dos sacrifícios”. Pedi-lhes o mínimo de decência: “não abocanhar parte da descida dos impostos contando que ninguém veja.”

Toda a gente viu.

De domingo para segunda, os preços só caíram 8,7 cêntimos. O Ministério das Finanças exultara na sexta e o primeiro-ministro gabara-se na própria segunda: “A redução do ISP num valor equivalente à descida do IVA para 13% traduz-se, já hoje, num desconto de 15,5 cêntimos na gasolina e de 14,2 cêntimos no gasóleo.” Como diria o outro: lol.

Rir às gargalhadas o tanas, nem da propaganda do governo dá para rir. Medina e Costa não mentiram, fizeram a conta básica: a zomba vem das gasolineiras. Ou não têm nada na cabeça ou julgam que nada na cabeça temos nós.

No dia em que sabiam que toda a gente ia olhar, ver, verificar, confrontar. Ao nem disfarçarem, atiçaram a turba. A estupidez é essa: deram legitimidade a todas as intervenções do Estado. Até a erradas.

Isto não fica por aqui – António Costa não se presta a ser feito de palhaço. Mas vai fazer o quê?

A ASAE, com que o primeiro-ministro bramiu agora a espada na fiscalização às gasolineiras, nisto não serve neste momento para nada.

A ERSE, com que o governo bradou há quase um ano, não serviu uma só vez até hoje para verificar margens abusivas.

A ENSE, que mede as margens das gasolineiras, acaba de ser decapitada pelo próprio governo, que demitiu o seu presidente na semana passada sem dar explicações, não se sabe se por pressões das gasolineiras que a criticaram quando denunciou aumentos das margens na pandemia, ou se por um ataque de mau feitio do secretário de Estado João Galamba.

A AdC desaconselha tetos administrativos aos preços, porque todos seriam levados a alinhar no preço máximo.

O Governo anunciou um imposto sobre ganhos extraordinários das petrolíferas, mas esse windfall tax foi só vento caído, nasceu num discurso do ministro da Economia e morreu no discurso seguinte.

Se não quer fazer figuras tristes, António Costa tem de fazer à espanhola e pressionar as gasolineiras, não basta aconselhar-nos a “olhar com atenção para a fatura”.

Olhamos com toda a atenção e o que vemos é que o petróleo subiu 13% em dólares e 20% em euros desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, ao passo que o preço do gasóleo subiu 11% e teria subido 21% se o Estado não tivesse baixado os impostos.

E porquê? Surpresa! Porque as empresas cobram o preço mais alto possível que um grupo de consumidores esteja disposto a pagar. Não é crime, é o mercado a funcionar e isso está certo. Mas o mercado só funciona se funcionar a favor do consumidor, se houver concorrência e regulação atenta a desvios. Houve? Perguntemos às entidades daquelas siglas todas já citadas: “Não sabe/não responde”.

É possível que as gasolineiras tenham vendido pouco combustível na semana passada, porque os automobilistas guardaram-se para esta segunda-feira. É possível que tenham pois querido compensar na segunda-feira, quando podiam contar com uma corrida às bombas. É possível que agora até desçam os preços nos próximos dias.

O que não é possível é tomarem-nos por parvos, como estão a tomar o governo, enquanto os consumidores pagam mais e mais. Porque isto não é bem a lei do mercado, é a lei da bomba. Da bomba da gasolina.

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