Ministério Público quer confiscar 3,3 mil milhões a empresas e administradores de PPP

10 mai 2022, 19:55
Autoestradas

Acusação do caso das PPP defende que as concessionárias e os seus administradores devem ser “condenados a pagar” todo o lucro em excesso que obtiveram, por terem provocado prejuízo ao Estado em renegociações que violaram os códigos de contratos públicos “conscientes de que tal beneficiaria em exclusivo” as suas empresas. Não são arguidos, mas, segundo o Ministério Público, beneficiaram de atos ilícitos.

Está escrito preto no branco: o Ministério Público defende um confisco de 3,3 mil milhões de euros às empresas concessionárias e subconcessionárias de 10 PPP rodoviárias e também aos seus administradores que assinaram contratos com o Estado. Entre eles está Gonçalo Moura Martins, atual presidente executivo da Mota-Engil, a maior construtora em Portugal. Em causa estão renegociações feitas em prejuízo do Estado e em violação dos códigos de contratação pública.

Como termo de comparação, 3,3 mil milhões de euros é aproximadamente o dinheiro que o Estado pretende injetar no resgate da TAP. E é quase tanto quanto o Estado injetou no Novo Banco entre 2018 e 2021. Mais: se o confisco vier a ser efetivado pelos tribunais, é suficiente para poder fazer “falir” as concessões das estradas.

A pretensão do Ministério Público consta na acusação do caso que investiga as Parcerias Público-Privadas (PPP), de dezembro, a que a CNN Portugal teve acesso. No processo, foram constituídos arguidos dois antigos secretários de Estado do governo de José Sócrates, Carlos Costa Pina e Paulo Campos, bem como um ex-diretor da área de concessões da empresa Estradas de Portugal, Rui Manteigas. Todos por suspeitas de crimes relacionados com a negociação de contratos das autoestradas SCUT (sem portagem). Já Almerindo Marques, que foi presidente da Estradas de Portugal no governo de José Sócrates, morreu dias antes da acusação, pelo que as responsabilidades criminais extinguiram-se. Mas a herança que deixou aos seus herdeiros também é visada no processo. O que não se sabia até agora era não só este envolvimento do património de Almerindo Marques, mas também que os arguidos não são os únicos visados pela acusação.

Paulo Campos, arguido do processo, já rejeitou os pressupostos da acusação

O confisco

Concluindo que as renegociações feitas em 2010 para dez concessionárias e subconcessionárias de estradas lesaram o erário público violando a lei, o Ministério Público “requer [que] se declare a perda a favor do Estado português das vantagens obtidas com a prática dos factos ilícitos” e “se condene” as empresas privadas, os respetivos administradores que assinaram os contratos, os arguidos e o património de Almerindo Marques a pagarem valores que totalizam mais de 3,3 mil milhões de euros.

O confisco deve ser feito solidariamente entre aquelas pessoas, individuais e coletivas. Isto significa que basta que um deles pague, ou todos repartam o pagamento.

Dispõe algum deles – ou todos em conjunto –de 3,3 mil milhões de euros? Dificilmente. Daí estar em causa a possibilidade de falências. Mas já lá vamos. Antes, os processos.

Saliente-se que, ao contrário Paulo Campos, Carlos Costa Pina e Rui Manteigas, estas empresas privadas e administradores não são arguidos: “Não obstante não serem criminalmente responsáveis, [os administradores] são patrimonialmente responsáveis pelo confisco do valor das vantagens” que resultaram naqueles ganhos privados. Para o Ministério Público, estes administradores assinaram contratos com Paulo Campos, Rui Manteigas e Almerindo Marques “conscientes de que tal beneficiaria em exclusivo” as suas empresas, em prejuízo do Estado, assim beneficiando de atos ilícitos.

Lucrar com “atos ilícitos”

O nome mais presente no processo é o de Gonçalo Moura Martins, hoje presidente executivo da Mota-Engil, a maior e mais poderosa construtora em Portugal. Moura Martins assinou cinco contratos por outras tantas concessões negociadas com a Ascendi (então liderada pela Mota e pelo Grupo Espírito Santo), de que resultou um benefício para a empresa (e um prejuízo para o Estado) acima de mil milhões de euros, descreve a acusação.

Já quanto subconcessões, também elas cinco, há outras tantas empresa e administradores identificados no processo: Rui Pereira de Sousa, Manuel Rodrigues de Castro, José Sousa Revés, Rui Mesquita da Cunha e José Custódio dos Santos. Foram eles que assinaram contratos que, segundo a acusação, lesaram o Estado em mais 2,3 mil milhões de euros.

A tabela seguinte sintetiza as concessões, as empresas, os administradores e o benefício económico em causa, tal como identificados no processo judicial:

Violação de regras e alinhamento de vontades

Mesmo não sendo agentes do crime, argumenta o Ministério Público, os administradores das empresas privadas que assinaram os contratos beneficiaram das negociações ilícitas feitas com os arguidos do processo, com ganhos que são assim confiscáveis.

Mais: o Ministério Público defende que estes representantes quiseram que fossem violados os princípios da contratação pública, nomeadamente os que definem que uma renegociação não deve prejudicar o Estado em relação aos contratos iniciais.

Segundo a acusação, os administradores “tinham conhecimento e quiseram” que na renegociação dos contratos “fossem violadas” as normas de contratação pública, sem cumprir o chamado comparador público, em prejuízo da EPSA e do Estado”, e em direto, consequente e ilegítimo benefício” das entidades privadas que representavam.

Além disso, prossegue a acusação, tomaram diligências para que as propostas fossem “ao encontro da vontade dos arguidos Paulo Campo, Rui Manteigas e Almerindo Marques de, assim, obter o visto” do Tribunal de Contas. Ou seja, o Ministério Público acredita que houve um alinhamento de vontades para fazer uma renegociação de contrato à medida de uma aprovação do Tribunal de Contas.

Contratos transferiram risco para o Estado

O processo das PPP rodoviárias investigou vários contratos entre o Estado e empresas privadas. Segundo a acusação, destas renegociações resultaram para o Estado contratos menos vantajosos do que os iniciais. E assim se passou de uma estimativa de perdas prováveis de 1,876 mil milhões de euros para um ganho de 1,36 mil milhões para aquelas empresas, o que totaliza os 3,3 mil milhões de euros em causa.

Segundo o processo, estas renegociações transferiram o risco de tráfego nas estradas para o Estado, enquanto as empresas mantiveram a rentabilidade dos contratos.

Num primeiro grupo, foram investigadas as renegociações realizadas em 2010 para os contratos de concessão com o Grupo Ascendi que permitiram a introdução de portagens nas ex-SCUT Costa de Prata, Grande Porto e Beira Litoral e Alta, bem como a renegociação de das concessões com portagens do Norte e da Grande Lisboa.

Em relação a estas cinco concessões, os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal consideram que três dos contratos foram mal renegociados, existindo um valor que prejudicou o erário público para beneficio da concessionária. Além disso, no caso das autoestradas do Norte e da Grande Lisboa, a acusação alega que não deviam sequer ser incluídas no processo de renegociação. Por isso, em relação a esta o confisco pedido é apenas uma estimativa da perda do Estado, uma vez que segundo o MP, apenas no final do contrato se saberá o real prejuízo para o do Estado.

A Ascendi Norte, Auto-Estradas do Norte, S.A é pedida a devolução de 595.783.800 euros e à Ascendi Grande Lisboa, Auto Estradas da Grande Lisboa, S.A é solicitado o confisco de o 185 milhões de euros.

Já em relação às outras três concessões, em causa estão valores que o MP considera que foram atribuídos indevidamente às concessionárias aquando da renegociação do contrato. E assim cada uma delas corre o risco de ter de devolver esse valor apurado: a Ascendi Costa de Prata, Auto Estradas da Costa de Prata, S.A. 40,7 milhões de euros; a Ascendi Grande Porto, Auto Estradas do Grande Porto, S.A. 78 milhões de euros e a Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta, S.A. 115,7 milhões de euros.

Tudo somado são mais de mil milhões de euros. Num segundo grupo, foram investigados os contratos de subconcessão de 2009 e 2010 pela Estradas de Portugal com a Algarve Litoral, a Transmontana, a Douro Interior, a do Baixo Alentejo e a do Litoral Oeste. Nestas subconcessões, o MP considera que foram pagos valores que não tiveram o visto do Tribunal de Contas. E por isso pede a devolução do valor correspondente a essa rubrica – compensação contingente- que não recebeu luz verde do TdC. Assim, as subconcessionárias e os administradores que assinaram os contratos correm o risco de ter de devolver o valor correspondente à diferença entre o que foi o pago e o que devia ter sido, segundo o MP. Em todos os casos, são indemnizações a ser pagas solidariamente com os arguidos Paulo Campos, Rui Manteigas e o património e herdeiros de Almerindo Marques.

À empresa Rotas do Algarve, S.A. e ao administrador Rui Pereira de Sousa são pedidos 628 milhões por causa da concessão da Algarve. Já a Auto-Estradas XXI - Subconcessionária Transmontana, S.A e o administrador Manuel Rodrigues de Castro podem ter de devolver 370,35 milhões por alegados benefícios na subconcessão transmontana. Em relação à SDI- Subconcessionária do Douro Interior, S.A e aos dois administradores cuja assinatura está no contrato em causa - José Revés e Rui Mesquita da Cunha- são solicitados 232, 6 milhõesde euros. A SPER - Sociedade Portuguesa para a Construção e Exploração Rodoviária, S.A., da subconcessão do baixo Alentejo e ao administrador Rui Pereira de Sousa estão a ser pedido 297,3 milhões. E por último, a subconcessionária Aelo - Auto-Estradas do Litoral Oeste, S.A. e o administrador José Custódio dos Santos, estão em risco de ter de pagar, 817 milhões.

Tribunal de Contas

Em todos estes casos, o MP considera que o Estado tem de reaver as verbas que o Tribunal de Contas diz que nunca aprovou.

Recorde-se que este tribunal começou por chumbar estes cinco contratos de subconcessão, tendo todos eles sido depois reformados e visados pelo TdC. Mas numa auditoria, o TdC alegou que tinha descoberto uma linha de contratação de contingente que não conhecia e que nunca visou. São esses os valores que agora o MP está a pedir de volta às empresas, administradores e arguidos do processo principal Depois de conheceram a acusação, os visados tinham 20 dias para contestar. Mas o prazo só começava a contar depois de terem acesso a todo o processo.

Empresas alegam falta de fundamento 

A CNN/TVI confrontou as várias empresas com o pedido de confisco de 3,2 mil milhões de euros feito pelo Ministério Público. A Ascendi, que na época era liderada pela por Gonçalo Moura Martins, hoje presidente executivo da Mota-Engil, recorda que” nenhuma das suas concessionárias ou aos seus representantes legais à época foi imputado qualquer crime neste processo”. Por outro lado, a concessionária argumenta que “a Ascendi não encontra fundamento legal na perda a favor do Estado que o Ministério Público peticiona ao Tribunal relativamente a algumas das suas concessionárias por um crime pelo qual não são acusadas”.

A mesma posição é apresentada pela subconcessionária do Douro Interior. Na resposta enviada à CNN/TVI é sublinhado que “a perda a favor do Estado não tem fundamento” e que “nenhuma das concessionárias, subconcessionárias e/ou aos seus representantes legais foi imputada qualquer responsabilidade ou levantada suspeição de natureza penal”.

Além disso, a mesma empresa acrescenta que “o envolvimento indiscriminado dos legais representantes, ainda que a mero título de responsabilidade secundária, apenas assenta no exclusivo e objetivo facto de terem sido intervenientes na assinatura dos respetivos contratos e carece também ele de qualquer fundamento ou base legal”.

Já as subconcessionárias Transmontana, Baixo Alentejo e Rota Algarve Litoral optaram por “não comentar”o processo. No entanto, esta última adiantou ainda que “nem a Rotas do Algarve Litoral, nem qualquer dos seus administradores, alguma vez receberam qualquer pagamento indevido, nem lesaram, de forma alguma, o erário público”.  E a subconcessionária do Baixo Alentejo frisou que “nunca faturou, nem recebeu, qualquer valor, a titulo das verbas referenciadas pelo Ministério Publico, no processo em causa”.

 

 

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