"Países do sul da Europa podem estar a caminho de uma nova crise de dívida"

10 dez 2021, 11:41

Poul Thomsen, um dos líderes da missão do FMI em 2011 e a primeira face da troika em território luso, está em Portugal para assinalar os dez anos da entrada em vigor do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro. Em entrevista à CNN Portugal, traça um futuro económico pouco animador e que faz lembrar 2011

Há uma década, Portugal vivia um dos momentos mais negros da sua história económica, que pode repetir-se em breve. O alerta é de Poul Thomsen, ex-chefe da missão do FMI em 2011 e a primeira face da troika em Portugal.

Em entrevista à CNN Portugal, o economista diz que é urgente que Portugal e os países do sul da Europa se esforcem por abater dívida pública para evitarem uma grande crise na região.

Nos primeiro três meses deste ano, a dívida pública portuguesa chegou a atingir o máximo histórico de 139% do PIB. Apesar do abrandamento registado até ao terceiro trimestre, os valores estão muito longe daqueles que são recomendados pela Comissão Europeia.

Para além da dívida, o economista mostra-se muito preocupado com a escalada da inflação na zona euro e vê com estranheza que o Banco Central Europeu continue a tratar a subida de preços como temporária.

"Estou preocupado com os bancos centrais europeus e a habilidade de controlar a inflação. Penso que o Banco Central Europeu permite perder demasiado dinheiro e continua a injetar demasiado. O BCE está agora a ser usado para salvar crises. Isso foi justificado no meio da covid, mas agora está a tornar-se um problema. O risco real é que o BCE aperte demasiado tarde." 

10 anos depois da troika

Em entrevista à CNN Portugal, o economista, que está em Portugal para assinalar os dez anos da entrada em vigor do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, diz que vê com extrema preocupação a escalada da inflação. 

"Encontrei um país que está seriamente preocupado com a pior crise económica da história moderna, com o seu papel e lugar na Europa, no meio de uma crise branca. Há muitas preocupações. Mas também encontrei um país em que oficiais sénior no Governo, professores, observadores, têm realmente uma boa compreensão do que foram os problemas. Penso que, no fim, isso foi a principal razão por que o programa correu tão bem."

Poul Thomson diz mesmo que Portugal superou o desafio da troika com mais distinção do que a Grécia - de 2010 a 2018 -, até porque há problemas ainda por resolver em território grego.

"Durante o programa, Portugal fez muitos mais progressos em lidar com os problemas fundamentais do que a Grécia. Muitos dos desafios da Grécia permaneceram por resolver". 

Montanha de dívida

Em entrevista à CNN Portugal, o economista do FMI alerta que a pandemia veio criar uma montanha de dívida e que é preciso agir cautelosamente de forma a evitar uma desfecho negativo. 

"A situação com a covid-19 mostra claramente que a dívida está a atingir níveis astronómicos em alguns países", assegura.

A situação, avisa o especialista, pode determinar uma nova crise em que os países do norte se veem obrigados a emprestar dinheiro aos países do sul e que se não fosse a bazuca, várias economias europeias estariam em sérias dificuldades.

"O programa de recuperação é único. É uma transferência enorme do Norte para o Sul para ajudar com a pandemia, teve uma razão humanitária para ser feito, mas é muito importante que os recursos sejam bem usados. Porque de outra forma, na próxima vez, será muito difícil conseguir que o Norte ajude o Sul se o dinheiro não for bem usado."

"Austeridade é um mito"

Poul Thomson diz que outra das questões que é única na Europa é a discussão da austeridade, que para o economista não existe porque "a dívida em todos os países do sul tem subido sem parar".

"Onde está a austeridade? Austeridade é um mito", garante.

O ex-chefe da missão do FMI diz que "é verdade que há grupos na população" que sentem "o aperto" por causa dos rendimentos relativamente pequenos e dos erros dos outros grupos.

"Estamos constantemente na situação em que precisamos de limitar gastos e há grupos que o fazem bem, mas há outros grupos que pagam o preço. O preço do ajuste é mal distribuído principalmente pela falta de regras. Mas do ponto de vista macroeconómico, a ideia de que há austeridade não é verdade."

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