Migrantes. Saem de Portugal à procura de uma vida melhor. Escolhem Portugal para uma vida melhor

18 dez 2022, 08:00
Migrantes (Fotos: DR)

“Em Portugal não vemos ninguém a atirar contra a cabeça de alguém”. “Ofereceram-me quatro euros à hora antes de deixar Portugal.” No Dia Internacional dos Migrantes apresentamos os retratos de quem escolheu Portugal à procura de segurança e abandonou o país em busca de melhores condições económicas.

Um dos maiores desafios que Portugal vai ter nas próximas décadas é o combate à população cada vez mais envelhecida. De acordo com o Censos 2021, há 182 idosos por cada 100 jovens e, segundo os especialistas, a tendência não se vai inverter tão cedo. Para além disso, o país está a encolher. Nos últimos dez anos, Portugal perdeu população: atualmente somos 10.343.066 pessoas, menos 219 mil do que em 2011. A curto prazo, uma das soluções apontadas prende-se com a atração de imigrantes, tanto para mitigar a perda de população, como a nível de mão de obra. Mas aquilo que é atrativo para quem vem, nem sempre é suficiente para manter quem por cá nasceu. 

Bárbara Paes, de 40 anos, e Ricardo Amaral Pessôa, de 66, saíram do Brasil pelo mesmo motivo: procurar melhor qualidade de vida, para eles e para os filhos, num país menos violento. A escolha de ambos foi Portugal.

"Há 30 anos tínhamos uma inflação de 3.000% ao ano. Acontece que tinha dois filhos, ela com nove anos e ele 11 (...) entretanto, fizeram-me o convite e em 30 dias tratei de tudo no Brasil e vim. Portugal não é um país violento como o Brasil. Aqui não vemos ninguém a atirar contra a cabeça de alguém para roubar um telemóvel", explicou Ricardo à CNN Portugal.

Coincidência ou não, Ricardo Amaral Pessôa trabalhava na área da segurança no Brasil e quando veio para Portugal, cerca de dez anos depois, fundou uma empresa com a mesma atividade. Para além disso, é presidente da Associação Brasileira de Portugal. Está no país há 31 anos. 

Em 2016, foi a vez de Bárbara Paes, o marido e a filha mais velha, agora com dez anos, saírem do país onde nasceram. Portugal foi das primeiras opções. Procuravam um país "mais sossegado, com menos violência e que pudesse oferecer uma educação de qualidade". A escolha foi muito influenciada por uma tia que já vivia em Portugal há 15 anos, mas também pela língua.

"Achávamos que a língua ajudaria, mas depois quando chegámos percebemos que não é bem assim. Existem muitas diferenças. A minha tia estava sempre a dar-nos boas referências para falarmos bem português e ajudou-nos a definir a nossa escolha", contou Bárbara.  

Tanto Bárbara como o marido vieram sem uma garantia de emprego. Ainda assim, "não foi muito difícil". "O meu marido arranjou logo trabalho numa oficina e eu demorei, mas por causa da nossa filha. Primeiro quis que ela fosse para a escola, que se ambientasse e depois arranjei emprego" - é auxiliar de educação numa escola. Vivem em Portugal há seis anos e decidiram aumentar a família. Há seis meses nasceu a segunda filha. E, de facto, a comunidade estrangeira tem contribuído para a melhoria dos níveis de natalidade do país. 

Bárbara Paes, o marido e as filhas (Foto: DR)

A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), no âmbito do Dia Internacional dos Migrantes, que se assinala este domingo, revelou um estudo, com base em dados da Pordata, no qual demonstra que o saldo natural (a diferença entre o número de nados-vivos e o número de óbitos num dado período) é negativo desde 2009, tento atingido o valor mais baixo de sempre em 2021: registaram-se mais 45,2 mil mortes do que nascimentos.

A entrada de imigrantes para Portugal tem contribuído para uma melhoria ao nível da natalidade. Dos 79.582 bebés nascidos em 2021, mais de 10 mil têm mãe estrangeira (13,6%). A proporção tem vindo a aumentar sucessivamente desde 2016, invertendo a tendência de decréscimo registada entre 2011 e 2015.

O saldo migratório (a diferença entre o número de pessoas que imigram e o número de pessoas que emigram) foi sempre negativo entre 2011 e 2016, inclusive, sendo positivo desde então. Contudo, só em 2019 e 2020 é que foi suficientemente elevado para compensar os saldos naturais negativos.

Entraram 51 mil imigrantes e saíram cerca de 25 mil emigrantes

Enquanto há quem se mude para Portugal à procura de uma vida melhor, também há quem saía pela mesma razão. No ano passado, segundo os dados recolhidos pela FFMS, entraram no país cerca de 51 mil imigrantes e saíram 25 mil emigrantes. Fazendo contas, dá um saldo positivo de 26 mil pessoas. Se olharmos para quem sai de Portugal, a maioria (60%) são homens. Entre os imigrantes, a percentagem é mais equilibrada: 51% são homens e 49% mulheres.

"A maior parte, quer dos emigrantes, quer dos imigrantes, estão em idade ativa (20 a 59 anos), mas o peso é mais acentuado entre os emigrantes (93%) que entre os imigrantes (70%). Em ambos os casos, a faixa etária com maior peso é a dos 25-29 anos. 42% dos emigrantes tinha entre 20 e 29 anos de idade, enquanto no caso dos imigrantes, esta faixa etária corresponde a 25% do total", revela o documento. 

Beatriz Vuillaume, de 26 anos, e Tânia Palheiras, de 39, emigraram ambas para à Suíça praticamente com a mesma idade. Beatriz eram recém-licenciada em Fisioterapia, tinha 22 anos, e não queria para o futuro aquilo que os colegas, já empregados, viviam em Portugal.

"Quando estava a fazer a licenciatura a minha mãe já estava na Suíça e, no início, não queria ir para lá. Mas no final do curso comecei a ver colegas meus que já estavam a trabalhar e ganhavam uma miséria. Trabalhavam imensas horas... Alguns entravam às 07:00 e chegavam a casa às 20:00 ou 21:00 e ganhavam 1.000 euros. Como estava sozinha em Portugal, comecei a pensar como é que me iria sustentar. Ainda em Portugal, chegaram a oferecer-me quatro euros à hora. Vim para a Suíça porque era uma diferença muito grande", lamenta Beatriz.

Apesar de o nível de vida ser mais elevado na Suíça, esta profissional de saúde ganha cerca de 5.000 euros mês, casou-se, tem uma filha de dois meses e mesmo depois de pagar todas as despesas, "sobra sempre dinheiro ao final do mês". 

"Estou numa zona calma, não estou numa grande cidade e por isso as coisas são um pouquinho mais baratas. Pago mais ou menos uma renda de alguém que viva em Lisboa, 900 euros, com dois quartos. A nível de horas de trabalho, são 45 horas semanais, mas depois no final do mês temos um retorno que não existe em Portugal", concluiu. 

Beatriz Vuillaume, o marido e a filha (Foto: DR)

Tânia Palheiras está há 18 anos em Genebra, é casada, tem três filhos - de 12, 11 e 8 anos - e trabalha como empregada de limpeza numa casa privada. Saiu de Portugal aos 22 anos "porque tinha dois trabalhos, em duas pastelarias, ganhava 1.000 euros e só 300 eram para pagar a prestação do carro". A escolha da Suíça envolveu dois fatores: já tinha família na Suíça e as perspetivas salariais eram melhores.

"Já tinha cá família, uma prima que já estava aqui desde pequenina. Sempre ouvi dizer que era um país onde se ganhava bem e havia qualidade de vida e decidi experimentar. Quando vim disse que iam ser só dois ou três 'anitos', mas já lá vão 18 anos. Casei aqui e tenho filhos", explica Tânia.

 

Tânia trabalha entre 10 a 12 horas por dia, mas, tal como a Beatriz, vê esse esforço ser recompensado ao final do mês. 

Apesar de nem Tânia nem Beatriz terem qualquer perspetiva de regressar ao país de origem, existem muitas pessoas que o fazem. Contrariamente ao que se vinha registando desde 2014, em 2021, entre os que entraram, mais de metade foram regressos de pessoas nascidas em Portugal (52%). A maioria, tanto de quem sai como de quem entra em Portugal, tinha nacionalidade portuguesa (95% entre os emigrantes e 75% entre os imigrantes).

Só desde 2007 é que o saldo entre o número de imigrantes e o número de emigrantes tem sido positivo. No entanto, essa não foi a realidade de toda a última década. Entre 2011 e 2014, saíram do país mais do dobro das pessoas que entraram. Neste período, o balanço negativo foi transversal a todas as faixas etárias entre os 20 e os 54 anos. Esta tendência só se começou a inverter a partir de 2015 e desde 2019 que os imigrantes representam mais do dobro dos emigrantes.

Tânia Palheiras, o marido e os filhos (Foto: DR)

Rendimentos e risco de pobreza ou exclusão social

Se se analisar os rendimentos e risco de pobreza ou exclusão social da população estrangeira em Portugal, percebe-se de forma clara que estes variam consoante a nacionalidade. Em Portugal, os rendimentos dos portugueses são mais elevados do que os dos cidadãos estrangeiros de países fora da União Europeia (UE), mas mais baixos quando comparados com cidadãos estrangeiros de países da UE.

"O risco de pobreza ou exclusão social na população adulta em Portugal é menor entre cidadãos portugueses (22%) do que entre estrangeiros (35%), sendo mais alto entre cidadãos de países fora da UE27 (37%) do que entre cidadãos de países que integram a UE27 (27%)", revela o estudo. 

Quando se emigra para outro país, os primeiros tempos nem sempre são fáceis, mesmo quando já se vem com emprego garantido. É preciso uma adaptação ao país, às regras, aos hábitos, à língua, aos costumes. E depois é igualmente necessário arranjar habitação. Tânia Palheiras chegou a ter de dormir no próprio carro na Suíça.

"No início foi muito difícil arranjar casa. Fui para casa da minha prima, depois fui para um quarto e durante uns tempos dormi no meu carro. Foi difícil porque as casas são muito caras e por vezes é por sorteio. Às vezes há 100 pessoas para visitar uma casa e só se consegue com cunhas. Quando quisemos uma casa maior também foi difícil, porque tenho três filhos e preciso de quatro quartos", explicou Tânia à CNN Portugal. 

Bárbara Paes teve o mesmo problema em Portugal. "A maior dificuldade foi conseguir um arrendamento e depois quando tentámos conseguir algo melhor também não foi fácil". Para além disso, organizar toda a documentação necessária foi igualmente um desafio: "Parece que os órgãos públicos não conversam entre eles. Você vai a um lado e dão uma informação. Vai a outro e dão outra informação diferente. É muita burocracia." 

Para Beatriz Vuillaume, uma das maiores dificuldades foi o idioma, mas não só: "Não falava francês, fui aprendendo, assim como algumas das regras de cidadania. Por exemplo, não há caixotes do lixo na rua como em Portugal, eles vêm um dia por semana buscar o lixo que deixas num saco à porta de casa. Não há lixo espalhado nas ruas.  A parte da reciclagem também é diferente..."

Tânia também não falava francês quando emigrou aos 22 anos. Foi aprendendo com colegas, amigos e a televisão ajudou. Apesar de não ter tido dificuldades em conseguir o visto para trabalhar, contou à CNN Portugal que por vezes isso se torna um grande desafio para os emigrantes: "O mais difícil às vezes é arranjar o visto. Aqui agora estão a evitar dá-lo porque há muita gente no desemprego e não querem que continue a vir gente para cá". 

Os filhos de Tânia Palheiras (Foto: DR)

Apesar de terem crescido e casado em Portugal, os filhos de Ricardo Amaral Pessôa decidiram construir vida fora do país: nos Estados Unidos e no Luxemburgo. Por sua vez, o empresário vai continuar por cá.

"Gosto de Portugal e gosto porque criei a minha forma de ser e de estar. Foi fácil criar um relacionamento social e político. Relacionei-me bem dentro da minha profissão, a minha empresa correu muito bem. Hoje tenho um trabalho de solidariedade social para ajudar a comunidade brasileira. (...) Tem racista? Tem. Mas no Brasil também tem. Na Alemanha também tem. Portanto, não podemos ir por aí", explica Ricardo. 

A principal dificuldade que teve foi entender o povo português. "Muitas vezes perguntava: senhor, por favor, onde é a rua tal? E a pessoa mandava-me dar uma volta enorme. A maior dificuldade foi entender o comportamento das pessoas. Eram muito fechadas. Hoje, o mundo é outro. Portugal é hoje um país de primeiro mundo. Antigamente, nem televisão tinha. Tinha RTP1 e RTP2 e mais nada. Não tinha ponte Vasco da Gama. Não tinha telemóvel. Hoje sei cada rua, cada ponte. É um país ultradesenvolvido, de crescimento, bonito. Você vai ao Norte e vê uma beleza impressionante. As praias. Até o povo português."

Concedida nacionalidade portuguesa a 32 mil pessoas ao ano

De acordo com os dados recolhidos pela fundação, nos últimos 11 anos, a nacionalidade portuguesa foi concedida a mais de 347 mil cidadãos estrangeiros. O que dá uma média de 32 mil por ano. "Em 2021, as aquisições de nacionalidade portuguesa mais do que duplicaram face a 2011. Em 2020, Portugal era o 4º país da UE27 que mais atribuía nacionalidade, quase o dobro da média da UE27 (163 atribuições por 100 mil habitantes). No topo do ranking estão países como a Suécia, o Luxemburgo e os Países Baixos". 

Para além disso, foi a primeira vez em dez anos que se concedeu mais a nacionalidade portuguesa a pessoas a viver no estrangeiro do que a viver em Portugal. "A nacionalidade brasileira (32%) e a cabo-verdiana (12%) são as mais expressivas entre os residentes que adquiriram a nacionalidade portuguesa em 2021. Entre os não residentes, destaca-se a nacionalidade israelita (65%)."

Em 2021, 5% da população residente era de nacionalidade estrangeira

No ano passado, viviam em Portugal 542.165 cidadãos de nacionalidade estrangeira, cerca de 5% da população residente. Face aos números de 2011, é um aumento de 148 mil pessoas. No entanto, se olharmos as pessoas de naturalidade estrangeira residentes em Portugal, esse número duplica: um milhão, cerca de 10% da população residente. 

Com base em dados de 2021, ou seja, antes da guerra na Ucrânia, a população estrangeira residente em Portugal provinha maioritariamente:

  • Brasil (37%)
  • Angola (6%)
  • Cabo Verde (5%)
  • Reino Unido (5%)
  • Ucrânia (4%)

As comunidades imigrantes que mais aumentaram em Portugal, em termos do peso relativo, face a 2011, são oriundas dos seguintes países: Brasil (+ 9 pontos percentuais), Nepal (+2 p.p.), Índia (+2 p.p.), Itália (+2 p.p.) e Bangladesh (+1 p.p.). E as que mais perderam peso relativo provinham de Cabo Verde (-5 p.p.), Ucrânia (-5 p.p.), Roménia (-4 p.p.), Moldávia (-1 p.p.), e Guiné-Bissau (-1 p.p.).

Nove dos dez municípios com mais estrangeiros são algarvios

O perfil da população de nacionalidade estrangeira também é diferente da de nacionalidade portuguesa. São mais jovens e maioritariamente masculinos. Segundo a FFMS, "44% dos residentes estrangeiros têm entre 25 e 44 anos, faixa etária que corresponde a 28% dos residentes nacionais. Em contrapartida, 25% dos residentes de nacionalidade portuguesa têm 65 ou mais anos, em contraste com 8% de residentes estrangeiros. As mulheres são a maioria dos estrangeiros (51%), mas ficam abaixo do peso que as mulheres têm na população portuguesa (52,5%)."

Existe uma forte concentração (92%) de população estrangeira a residir no litoral do país. Praticamente metade (47%) vive na Área Metropolitana de Lisboa. Cerca de 13% dos estrangeiros vive no Algarve, quase três vezes mais que a percentagem de nacionais que vivem nessa região (4,1%). 

"Entre os 10 municípios com maior proporção de estrangeiros no total da sua população residente, 9 são algarvios. O único não algarvio é Odemira, da região do Alentejo, que é também o município que apresenta a maior percentagem de estrangeiros (28%). Nos concelhos de Odemira, Vila do Bispo, Aljezur, Lagos e Albufeira, pelo menos 1 em cada 5 residentes são estrangeiros."

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