Por todos os Estados Unidos há pessoas que decidiram mudar de vida a 6 de novembro
Logo a seguir às eleições, Dana McMahan alugou um pequeno apartamento em Paris, antecipou as datas de um voo inicialmente reservado para férias e começou a tratar da papelada para requerer um visto de quatro anos que espera lhe permita trabalhar na capital francesa.
McMahan, 50 anos, sonhava viver em França há algum tempo. A primeira vez que pensou em despedir-se dos Estados Unidos foi quando Donald Trump ganhou as eleições presidenciais em 2016. Mas, embora a ideia já estivesse a germinar há algum tempo, ainda não tinha dado o salto.
“Mas eu sabia que, se as eleições fossem assim, isto tinha de acontecer”, diz McMahan, que vive em Louisville, Kentucky.
McMahan não concorda com o carácter e o comportamento passado de Donald Trump e escreveu num blogue sobre a sua angústia pelo facto de a nação o ter escolhido “em vez de uma mulher negra confiante, competente e facilmente qualificada”.
Ela não está sozinha. O interesse em sair dos EUA disparou, com as empresas de imigração a registarem um aumento de pedidos de informação desde as eleições. E alguns americanos dizem que os resultados selaram os seus planos de deixar os EUA.
Grande interesse dos americanos em mudar-se para o estrangeiro
É impossível saber quantos americanos estão a pensar seriamente em abandonar o país. Mas há certamente indícios de um aumento pós-eleitoral de pessoas a explorar a ideia.
O Google Trends mostra que as pesquisas nos EUA por “mudar para o Canadá” atingiram um pico de 12 meses entre 3 e 9 de novembro, antes de voltarem a descer para um nível ligeiramente superior ao que o termo atingiu durante a maior parte do ano passado.
Mas é pouco provável que o aumento do interesse se traduza num êxodo em massa. A mudança para o Canadá foi um tema quente após as eleições de 2016, mas as estatísticas de imigração recolhidas posteriormente não revelaram um aumento significativo.
Mudar-se para o estrangeiro é um processo complicado e há uma série de fatores - emprego, filhos na escola, pais idosos - que podem atrasar aqueles que o consideram.
Ainda assim, há um aumento no número de pessoas que estão a estudar as possibilidades.
Os sites de serviços de imigração Welcome to Portugal e Bureaucracy.es, que ajudam os americanos a mudarem-se para Portugal e Espanha, disseram à CNN que registaram um enorme aumento do tráfego nos seus serviços após as eleições, bem como um aumento dos pedidos de informação sobre os processos de visto.
A Bureaucracy.es disse que a empresa registou um aumento de mais de 300% no número de clientes que marcaram consultas para obter mais informações sobre o processo de visto em Espanha desde que os resultados das eleições foram anunciados.
Marco Permunian, da Italian Citizenship Assistance, uma empresa que ajuda a preparar o caminho para a cidadania italiana, revela que pediu à sua equipa em Los Angeles para começar a trabalhar cedo no dia a seguir às eleições.
“Às 06:00, hora da Califórnia, o telefone já estava a tocar com pessoas a dizer que queriam mudar-se”, diz, referindo que o pico foi aproximadamente o dobro do que a empresa calculou em 2016, após a vitória de Donald Trump.
Permunian diz que também ouviu recentemente pessoas que estavam a considerar deixar os EUA se Trump perdesse as eleições, mas com “menos desespero” do que aqueles que não apoiam Trump.
É assustador fazer isto
Dana McMahan fez uma tatuagem no antebraço durante uma recente visita a França que diz Allons y - francês para “Vamos”.
E é isso que a escritora, que é democrata, planeia fazer em janeiro, quando aterrar em Paris para começar uma nova vida num lugar que visita desde 2001 e que, segundo ela, sempre a fez sentir-se em casa.
Assim que soube dos resultados das eleições, McMahan garante que antecipou as datas de um voo que tinha reservado para Paris para umas férias no final de 2025 - e para uma estadia muito mais longa.
Depois, contactou amigos na cidade e lançou uma vasta rede nas redes sociais, perguntando se alguém conhecia um sítio que pudesse alugar. No dia seguinte, encontrou um pequeno apartamento no 20.º arrondissement de Paris por 1.100 euros por mês, incluindo os serviços públicos. Para o pagar, levantou um IRA.
McMahan planeia entrar em França com um visto de turista e, desde as eleições, iniciou o processo de candidatura ao visto de talento de quatro anos - uma autorização de residência concedida a trabalhadores independentes, incluindo artistas e escritores.
O plano é que, assim que McMahan obtiver o visto, o marido e o cão possam juntar-se a ela. Mas a mulher não tem a ilusão de que as coisas vão ser fáceis.
“É assustador fazer isto, tenho 50 anos. A minha vida é aqui no Kentucky. A minha família e os meus amigos. Mas é muito importante que eu vá e descubra se Paris é realmente a minha casa. E acredito que é”.
Pelo menos tentámos
Outros ainda não fizeram tantos planos concretos, mas sentem uma urgência em deixar os Estados Unidos.
Uma mulher negra de um estado republicano diz que viver nos Estados Unidos neste momento é “como ser um caranguejo numa panela de água onde o calor está a aumentar para ferver”.
A antiga agente da autoridade federal, que pediu o anonimato por razões de segurança, disse que acordou a 6 de novembro, virou-se para o marido e disse: “Está na hora de partir”.
A mulher, uma democrata e mãe de dois filhos, começou a pensar em sair dos Estados Unidos em 2023, depois de o Supremo Tribunal ter eliminado a ação afirmativa nas admissões universitárias. Mas as eleições foram um ponto de viragem.
“Eu sabia que, se Trump fosse eleito, a coisa ia ficar a todo o vapor”, explica.
A mulher afro-americana na casa dos 40 anos diz que a decisão sobre a ação afirmativa “faz parecer que os afro-americanos estão em pé de igualdade e que o racismo está acabado e que não há preconceitos. E não é esse o caso”.
Sente-se frustrada. “Quando parece que as coisas estão a começar a melhorar, é como se déssemos um passo em frente e dois passos atrás.”
Para esta família, a eleição parece ser um retrocesso demasiado grande para ser ignorado.
Mas os seus filhos não aderiram logo após as eleições. Depois, um deles soube por um amigo que tinha recebido uma das mensagens de texto racistas com referências à escravatura que foram enviadas a pessoas negras de todo o país após as eleições. O seu filho ficou assustado e compreendeu então porque é que os pais queriam ir embora.
“Se eu acho que eles iriam tentar colocar os negros de volta à escravatura? Realisticamente, não. Acho que os negros não iriam. Mas, mesmo assim, é apenas o facto de as pessoas terem essa mentalidade para enviar algo tão horrível”, acrescenta a mãe, que vive num estado que votou em Trump.
Disse que começou a investigar os requisitos para a obtenção de vistos em França, a principal escolha da família para se mudar, seguida dos Países Baixos, Portugal e Espanha. A mãe poderá estudar a possibilidade de ser contratada por uma empresa no estrangeiro ou prosseguir os estudos nesses países.
E embora “de certeza” que teria ficado nos EUA se a candidatura Harris/Walz tivesse ganho, diz que no verão a família planeia partir, desde que os vistos sejam emitidos.
“Vamos resolver o problema e, se não der certo, voltaremos. Não estamos a renunciar à nossa cidadania. Pelo menos saberemos que tentámos”, sublinha.
Neste momento, é a permanência nos EUA que parece insustentável.
“Eu só queria obter o meu diploma e fazer mudanças aqui”, continua a mulher, que está a fazer uma pós-graduação. “Mas sinto que ficar aqui agora é como as pessoas que ficaram na Alemanha, as mulheres que ficaram no Irão nos anos 70, as pessoas que ficaram no Afeganistão depois de saberem que as tropas americanas estavam a retirar-se.”
Um grande empreendimento
Mudar-se para outro país é uma grande decisão que exige não só navegar numa nova burocracia, mas também adaptar-se à cultura, aprender a língua e encontrar amigos e uma rotina, entre outras coisas, explica Jen Barnett, da Expatsi, uma empresa que ajuda os americanos a organizar o processo de mudança para o estrangeiro.
Nos 10 meses que antecederam as eleições, Jen Barnett conta que um total de 60 mil pessoas completaram um teste no site da sua empresa que ajuda a encontrar os países mais adequados às suas necessidades e situação. Nas semanas que se seguiram às eleições, segundo Barnett, mais de 48 mil pessoas já tinham efetuado o teste.
É certo que apenas uma fração das pessoas que consideram esta opção se decidem por uma mudança drástica.
Mesmo em casa, nos Estados Unidos, nem sempre é fácil levantarmo-nos e mudarmos de estado para um mais alinhado com as nossas convicções políticas.
Mai Nguyen, que vive na Florida, quer deixar o estado e ir para outro lugar nos EUA, mas não pode fazê-lo porque partilha a guarda de um filho com o ex-marido.
“Não quero ser dramática, mas parece que já não é um ambiente seguro para criar uma rapariga”, desabafa Nguyen, que é democrata. “Não acredito que o nosso sistema de ensino público consiga acompanhar os estados mais progressistas e não acredito que as nossas leis protejam as nossas raparigas.”
Nguyen diz que talvez considere a possibilidade de se mudar para a sua cidade natal, Danang, no Vietname, num futuro próximo, mas é mais provável que a sua família se mude para mais perto de casa.
“Primeiro, vamos procurar um estado azul”, conclui.