Reduzir os dias de isolamento da covid-19 faz sentido ou é um risco? Cinco especialistas dão a resposta

29 dez 2021, 07:30

Nos Estados Unidos quem testar positivo à covid-19 e não tiver sintomas deixa de estar dez dias em isolamento e passa a estar apenas cinco. No Reino Unido são sete dias de isolamento, com a apresentação de dois testes negativos. E em Portugal, que medida fará sentido? Sofia Baptista, Pedro Simas, Ricardo Mexia, Filipe Froes e Pedro Gomes de Sena explicam quais são os riscos e os benefícios

Numa altura em que o mundo está a ser novamente atingido por uma nova variante da covid-19, há países que estão a reduzir o tempo de isolamento dos casos positivos. Parece um pouco paradoxal, mas existem dois fatores a ter em conta. O primeiro tem a ver com o facto da Ómicron ser mais transmissível, mas menos agressiva - e parece ser essa a tendência de eventuais futuras variantes - e o segundo fator tem a ver com a paralisação da sociedade em setores essenciais. 

Esta terça-feira, em declarações exclusivas à CNN Portugal, a ministra da Saúde diz que será avaliada a redução de dez para cinco dias. "É uma decisão estritamente técnica. As autoridades de saúde estão a recolher a melhor informação, a trabalhar com outros países e a verificar qual a melhor solução para o nosso contexto epidemiológico", afirmou Marta Temido. "Se isso for possível, é naturalmente uma boa notícia".

A redução para metade dos dias de isolamento surgiu esta semana nos EUA. O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês)  recomendou a redução do período de isolamento, de dez para cinco dias, para aqueles que testarem positivo à covid-19, mas estejam assintomáticos. Após os cinco dias de isolamento, deverão cumprir outros cinco de uso de máscara sempre que estejam em contacto com outras pessoas. 

O Reino Unido foi mais cauteloso. Reduziu o isolamento de 10 para sete dias, mas exige a apresentação de um teste antigénio negativo ao sexto e ao sétimo dia. Após esse isolamento, estas pessoas devem reduzir ao máximo o contacto com outras e manter, se possível, o teletrabalho. 

Estas medidas fazem sentido? A redução do período de isolamento seria uma medida viável para ser implementada por cá? A CNN Portugal foi procurar respostas junto de alguns especialistas e as opiniões são concordantes na teoria, mas divergem nos termos práticos.

"Portugal poderia olhar para estes exemplos e reduzir o tempo de isolamento"

Recorde-se que desde o início da pandemia de covid-19 que o tempo de isolamento tem vindo a ser reduzido. Inicialmente eram 14 dias, passou para dez e agora pode encurtar novamente. Sofia Baptista, médica e professora da Universidade do Porto, considera que é um processo natural e que tem a ver com o tempo de incubação do vírus nas variantes que vão surgindo. 

"Eu acho que Portugal poderia olhar para estes exemplos e reduzir o tempo de isolamento, mas com a precaução do Reino Unido", porque "ganhar três dias sem acarretar risco acrescido seria já muito bom"

A  correspondente médica da CNN Portugal considera que é preciso gerir duas faces da pandemia: "A disseminação rápida e o elevado do número de novos casos previstos para os próximos dias/semanas e o outro lado que é a paralisação social que tal acarreta". 

Se Portugal na próxima semana chegar aos 30 mil novos casos diários de contágio, exemplificou, seriam cerca 30 mil pessoas isoladas durante 10 dias, muitas delas em serviços essenciais para a sociedade, nos quais não existe a possibilidade de teletrabalho. 

"Deveríamos seguir o CDC porque estamos numa posição diferente do Reino Unido"

O virologista Pedro Simas revela que concorda com a redução do período de isolamento e não considera que haja riscos acrescidos se Portugal implementar o sistema dos Estados Unidos - cinco dias de isolamento para assintomáticos, sem apresentação de testes negativos. Porquê? "Porque temos 90% da população vacinada e uma cobertura muito grande de 80% acima dos 70 anos nas doses de reforço". 

"Deveríamos seguir o CDC porque estamos numa posição diferente do Reino Unido. O Reino Unido tem 70% da população vacinada, nós temos 90% (...) Os Estados Unidos têm 61% da população vacinada. Têm de ter um cuidado maior em relação à Ómicron em comparação com Portugal", explica. 

Para o especialista, a Ómicron veio provar que o país está a caminhar para uma situação endémica - ou seja, há um número de infeções constante ao longo do ano e sazonalmente esse número é mais elevado, no caso dos vírus respiratórios, esse aumento verifica-se nos meses de inverno - e, por isso mesmo, "ter medidas de restrição para além do uso de máscara" é estar a "confinar o país quando não é necessário". 

"A Ómicron não vai ser controlada por vacinação na população em geral com doses de reforço. Não é sustentável estar a aplicar terceiras, quartas e quintas doses, porque o número de novas infeções não acarreta o mesmo impacto de saúde pública de há um ano". 

Pedro Simas defende ainda que Portugal é dos países "mais bem posicionados" a nível mundial para aliviar as medidas restritivas e reduzir o período de isolamento poderia ser um bom início para essa trajetória. 

"Eu percebo que há a memória do passado, percebo que as pessoas estão preocupadas e que há o princípio da prudência, mas agora estamos muito protegidos e estamos capacitados para tolerar níveis endémicos de infeção", assegurou. 

"É uma medida que pode fazer sentido, particularmente nos vacinados"

Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANSMP), admite que esta redução nos dias de isolamento profilático pode ser uma possibilidade em Portugal, principalmente nas pessoas vacinadas, até porque já existem dados "mais robustos" que sustentam esta medida. 

"Eu julgo que é uma medida que pode fazer sentido, particularmente naqueles que já estão vacinados e têm um menor risco de ter doença grave". 

O especialista em saúde pública admite que um período de isolamento mais curto pode significar menos disrupção quer na vida das pessoas, quer na economia e espera que as autoridades nacionais possam avaliar essa possibilidade a curto prazo. 

"Sabemos que o isolamento de dez dias causa muito mais disrupção na vida das pessoas, no funcionamento da própria economia, do que um isolamento de apenas cinco dias. Portanto, é algo que tem de ser tido em conta em função da evolução da situação".

É necessário rever "novos período de isolamento e quarentena"

O pneumologista Filipe Froes considera que é necessário rever "novos período de isolamento e quarentena", tendo em conta a "realidade existente, o fator de risco das pessoas e a percentagem muito significativa de portugueses com o esquema vacinal completo e com as doses de reforço". 

"É preciso garantir duas coisas: a segurança do próprio e dos outros ao evitar que haja indivíduos a perpetuar surtos na comunidade e ainda assegurar a menor disrupção possível em resultado do período de absentismo laboral". 

Sendo apologista desta revisão, e apesar de não fazer referência ao número de dias que deveria ser estabelecido, o especialista concluiu que deveria ser apresentado um teste negativo no final do isolamento ou quarentena. 

"Estas reduções tentam acompanhar a biologia desta nova variante"

Na mesma linha que Filipe Froes, o correspondente médico da CNN Portugal, Pedro Gomes de Sena acredita que uma redução no tempo de isolamento faz sentido, uma vez que tem de ser "acompanhar a biologia desta nova variante".

Significa isto que, dado que o vírus da Ómicron é muito mais rápido a incubar e, consequentemente os sintomas surgem e desaparecem mais cedo, o isolamento deve ser ajustado nesse sentido. 

"A Ómicron aparenta ter um 'ciclo de vida' mais rápido. Assume-se que o maior risco de transmissibilidade acontece nos dois dias antes de se manifestar sintomas e os nos dois dias a seguir. Tendo em conta o impacto que os isolamentos estão a ter em termos laborais, e dado o período de incubação, talvez pudesse fazer algum sentido em Portugal", explica. 

Questionado sobre quantos dias se poderiam retirar do modelo de isolamento atual, o também médico de medicina geral e familiar aponta para "um meio termo entre os cinco e os dez dias", apostando assim nos sete dias de isolamento profilático com a apresentação de um teste rápido negativo no final. 

Até ao momento, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) ainda não emitiu nenhuma norma que recomende os países da União Europeia a aplicar medidas neste sentido. No entanto, há especialistas que defendem que essa diretriz deveria ser criada o mais rápido possível, para haver uma uniformização entre os vários países. 

A CNN Portugal questinou a Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre se está a ser equacionar a hipótese de redução do período de isolamento em Portugal, seja para assintomáticos, pessoas com o esquema vacinal completo ou pessoas já com a dose de reforço, mas não obteve qualquer resposta até à publicação deste artigo. 

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