Porta 65 quer chegar a mais jovens com novas regras no arrendamento, mas medidas só vão beneficiar os senhorios

2 set, 18:00

Especialistas ouvidos pela CNN Portugal dizem que "os jovens vão acabar por não sair apoiados", ao contrário dos senhorios, e que deveria ser feito um diagnóstico dos problemas da habitação com dados mais concretos

É suposto apoiar o arrendamento até aos 35 anos e chegar a muitos mais jovens, mas as novas regras da medida conhecida como Porta 65 - que entraram em vigor este domingo - estão longe de ajudar de facto quem está em início de vida e quer fazer frente ao duro mercado da habitação, segundo os especialistas ouvidos pela CNN Portugal.

Vera Gouveia Barros, especialista em economia de habitação, não acredita nestas medidas e não tem dúvidas de que "os jovens vão acabar por não sair apoiados".

"Vamos imaginar que um determinado jovem tem capacidade, ele e o seu agregado, de pagar 700 euros por uma casa. Isto sem receber o subsídio. A ideia do subsídio é que ele negoceie um arrendamento e atualmente, como sabemos, aliás é a própria premissa do Governo que temos um problema de oferta, o que quer dizer que o poder negocial está do lado dos senhorios, se este jovem tem capacidade para pagar 700, provavelmente é 700 que ele vai pagar de renda. E depois o subsídio serviria para ele pagar menos. Se eu agora vou negociar o arrendamento previamente, eu vou arrendar já com os 700 que eu tenho de capacidade própria, mais o valor do subsídio que posso vir a receber. E, portanto, na verdade, vou acabar a pagar exatamente os 700 que pagava antes e quem vai efetivamente receber o subsídio é o senhorio", argumenta a especialista.

Também o economista Filipe Grilo vê benefícios apenas para os senhorios, dada "a escassez de oferta", e que, por isso, é de "prever que os senhorios se especializarem em ajudar os seus inquilinos a candidatarem-se a este tipo de apoio, precisamente porque sabem que depois vão ser eles a receber esse apoio".

"Sabendo que não há limite ao Porta 65, se calhar o senhorio sabe que pode usar este subsídio para a probabilidade de ter mais renda. E, portanto, pode desvirtuar completamente as regras do jogo e tornar este subsídio a seu favor. E o limite, em teoria, faria sentido se o nosso mercado estivesse equilibrado. Como não está, vai desvirtuar completamente", defende.

Filipe Grilo lembra que a questão mais importante nesta medida é a quantidade de casas disponíveis, até porque os privados não estão "interessados em produzir, em construir casas mais baratas" e é preciso encontrar uma solução.

"Mais importante do que, quem deve ter, é a quantidade disponível no mercado. Se, de facto, o Estado não estiver satisfeito, então, em substituição, pode propor ele a construção. Agora, também pode, porque o Estado não é construtor, nem deveria ser construtor, tentar negociar com os privados alguns acordos. Por exemplo, pegando em casos estrangeiros, de parcerias pública ou privadas, em que o Estado assegura um rendimento permanente aos construtores, para que reduza a incerteza na construção, porque esse é o grande problema das construtoras, dos promotores, a incerteza. Reduzindo esta incerteza, acaba por incentivar mais a construção. Não tem que ser tudo público, nem tem de ser tudo privado", explica.

"Medidas não vão ter efeito"

Vera Gouveia Barros diz que "gostava de perceber qual é o efeito" das medidas de apoio à habitação para os jovens, até porque "o discurso público está demasiado centrado na questão do preço". "Entendo a referência ao preço do ponto de vista da garantia da acessibilidade económica, ou seja, que as famílias não gastem demasiado do seu rendimento em habitação, não tendo depois o rendimento necessário para suprir as suas outras necessidades. Mas, na verdade, é que pelas características da habitação, olhar para o preço é um mau indicador."

Segundo a especialista em habitação, "se o objetivo é o preço, se é o aliviar dessa carga", estas medidas "não vão ter efeito".

"Se o meu objetivo for dar uma vantagem para que eu possa ajudar os jovens a concorrer com outros mercados, eventualmente por aí poderá existir algum efeito, mas também tenho algumas dúvidas, porque quando olhamos para as estatísticas percebemos que este segmento populacional entre os 25 e os 34 anos tem taxas de desemprego elevadas, tem taxas de precariedade elevadas, são quem em média recebe menos dinheiro e o problema deles está essencialmente do lado dos rendimentos e do mercado de trabalho. E eu até costumo usar a metáfora de dizer que isto é como termos uma pessoa que se está a afogar porque não tem pé por dois metros e nós damos-lhe um banquinho de 40 centímetros. Fica, de facto, mais perto da tona, mas vai afogar-se na mesma. Parece-me que relativamente aos jovens é isto que se passa também com estas medidas", compara.

Para Filipe Grilo, o facto de as novas regras do Porta 65 pretenderem chegar "a um universo maior de jovens", como sublinha o Governo, acabam "por dissipar ainda mais a medida".

"A medida já tem uma probabilidade baixa de ser eficaz. Aumentámos mais casos, mais condicionantes, o que estamos a fazer é dividir as migalhas por ainda mais pessoas, o que significa que depois o efeito acaba por ser muito limitado. Percebo a intenção, mas acaba por desvirtuar completamente a intenção da medida. A Porta 65 deveria ser uma medida específica para os jovens. E nós estamos a alargar a quantidade de pessoas que podem estar disponíveis a este programa. Vai diminuir isto", aponta.

Vera Gouveia Barros admite que "esperava mais" no diagnóstico dos problemas da habitação e que só dados mais concretos fariam com que fosse mais eficaz delinear novas medidas. "Isto, no fundo, é precisamente como um médico. Se calhar prescrever logo uma medicação e um tratamento sem eu saber exatamente qual é que é a patologia que tenho de atacar não é muito sensato. Claro que posso sempre dentro da medicação recomendar umas coisas um bocadinho mais inócuas, se calhar dentro da homeopatia. Mas também depois os efeitos não se produzem. E aqui, pelas especiais características da habitação que determinam um funcionamento do mercado muito específico - que é muito mais próximo de um leilão - preciso de conhecer uma série de coisas. Preciso de conhecer, por exemplo, relativamente aos jovens, que tipologias é que estão à procura. Preferem o arrendamento ou preferem a aquisição? Querem nesta fase da vida até partilhar casa ou preferem ter uma casa só para si? Uma série de coisas. Porque as casas não são todas iguais."

Filipe Grilo lembra ainda que todas as medidas "têm sido feitas para o lado da procura, para o lado de ajudar as pessoas a comprar ou a arrendar, não para o lado da oferta".

"O verdadeiro medicamento, que é do lado da oferta, vai demorar pelo menos três ou quatro anos a ter efeito. E em três ou quatro anos, provavelmente, Luís Montenegro pode ou não estar no Governo. E tomar estas medidas para resolver este problema pode não ter efeitos imediatos e o Governo não está muito interessado nisso", considera.

Desde domingo que as candidaturas ao programa Porta 65 Jovem passam a deixar a exigência da apresentação prévia de contrato de arrendamento e podem ser feitas com três recibos de vencimento, em vez dos anteriores seis.

O decreto-lei 42/2024, de 2 de julho, que entra agora em vigor, pretende alargar o acesso ao programa Porta 65 Jovem a “um universo maior de jovens”, permitindo-se candidaturas “com idade igual ou inferior a 35 anos” e eliminando “fatores de exclusão e de ponderação que, atualmente, se revelam inadequados, nomeadamente a imposição de renda máxima admitida como requisito de candidatura”.

O diploma adapta também as candidaturas “por forma a potenciar a racionalidade económica e a decisão sustentada do candidato por um arrendamento à sua medida, passando o apoio a ser concedido em momento prévio à celebração do contrato de arrendamento”, lê-se no preâmbulo.

“Procede-se, ainda, à criação de um sistema de candidatura de ciclo mensal, com seriação de candidatos com base no rendimento e agregado familiar”, acrescenta-se.

A medida é justificada tendo em conta a “conjuntura do mercado do arrendamento habitacional e a crescente dificuldade de acesso a esse mercado pela população jovem”, e com a necessidade do “reforço do apoio público” como “uma peça fundamental da estratégia nacional de apoio aos jovens e de mitigação do flagelo da emigração”.

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