Quem fez explodir a ponte de Putin? O mistério continua, mas estas são as teorias

CNN , Análise de Tim Lister e Gianluca Mezzofiore
11 out 2022, 09:15
Ataque em Kiev (AP)

A enorme explosão na ponte da Crimeia pouco antes do nascer do sol de sábado reduziu severamente o tráfego rodoviário e ferroviário numa importante artéria, tanto civil como militar, durante um momento crítico da campanha da Rússia na Ucrânia.

À primeira vista, foi outra vergonha, chega até a ser uma humilhação, para o estado russo, ainda a recuperar dos contratempos no campo de batalha em Kharkiv, Donetsk e, mais recentemente, Kherson, no Sul.

Mas, na segunda-feira, o ataque à ponte tornou-se também a justificação do Kremlin para uma súbita explosão de ataques de mísseis por toda a Ucrânia. Ao meio-dia, segundo as autoridades ucranianas, cerca de 80 mísseis e foguetes tinham sido disparados contra infraestruturas numa dúzia de cidades e as autoridades russas prometeram que não sei iam ficar por ali.

Nas horas que se seguiram à explosão da ponte, os investigadores russos agarraram-se a uma explicação para a explosão: foi um ataque terrorista utilizando uma carga explosiva maciça escondida num camião, que foi depois detonada enquanto o veículo atravessava a ponte em direção à Crimeia.

O presidente russo Vladimir Putin abordou o tema na segunda-feira, afirmando que Kiev se tinha "posto a si próprio em pé de igualdade com os grupos terroristas mais odiosos", o que despoletou o subsequente "ataque maciço com armas guiadas de precisão às infraestruturas ucranianas, infraestruturas energéticas, de comando militar e comunicações".

Carros ardidos após um ataque militar russo no centro de Kiev, a 10 de outubro. (Associated Press)

"É simplesmente impossível deixar os crimes do regime de Kiev sem resposta", disse ele.

Putin prosseguiu: "em relação ao novo ato de terrorismo no território da Rússia, a resposta russa será dura e corresponderá ao nível de ameaça à Federação Russa, não tenham dúvidas quanto a isso".

Uma série de teorias

A explosão, a versão de Moscovo do que aconteceu e a ausência de qualquer reivindicação do sucedido por parte da Ucrânia, suscitou uma série de teorizações sobre o que a causou e quem foi o responsável.

A ponte de Kerch fica a cerca de 240 quilómetros das posições ucranianas mais próximas e bastante longe da gama de armas fornecidas pelo Ocidente. Mas foi relatado que drones ucranianos se aproximaram da área durante o verão, o que levou a medidas de defesa aérea.

Alguns analistas não convencidos pela narrativa do camião-bomba sugeriram que um míssil ou mísseis disparados por drones possam ter sido os responsáveis, ou que uma equipa de sabotagem subaquática tenha fixado cargas na estrutura de apoio da ponte.

As imagens e vídeos da cena foram inconclusivos. Quando o camião identificado pelos russos atravessa a ponte e começa a subir até ao seu ponto mais alto, é engolido por uma explosão maciça.

O Comité de Investigação russo, encarregado de descobrir o que causou a explosão, identificou rapidamente o veículo. Surgiu um vídeo de vigilância do camião, com a sua cabine escarlate distinta, num ponto de controlo antes de entrar na ponte. É submetido a uma inspeção rápida: o condutor, com uma camisa de manga curta, é visto brevemente a fechar as portas traseiras do camião.

Mas não é claro como é que um camião-bomba teria causado o colapso de dois vãos separados das faixas de rodagem a Oeste, no Estreito de Kerch. Além disso, a força de tal explosão teria ido, na sua maioria, para cima e para fora. Alguns analistas observaram que a forma como os vãos colapsaram implica que a força da explosão veio de baixo.

Chris Cobb-Smith, um analista do grupo de pesquisa Forensic Architecture, está cético quanto à narrativa do camião. "É possível rebentar uma ponte utilizando explosivos no vão, mas seria preciso uma quantidade enorme e fazer “tamping”, um enorme peso de lastro na carga para garantir que a explosão desce", disse à CNN.

Um incêndio deflagrou após a enorme explosão de sábado na ponte de Kerch. A travessia liga a península da Crimeia ao continente russo. (Vera Katkova/Anadolu Agency via Getty Images)

"Não acredito que um camião-bomba possa ter causado este nível de danos. Isto teria implicado um condutor de camiões-bomba suicida, algo inédito no contexto deste conflito".

Cobb-Smith, um veterano do exército britânico, também está cético a uma operação das forças especiais. "Existem sistemas de armas precisos que poderiam alcançar o objetivo de destruir a ponte sem arriscar indivíduos".

Mas adverte: "Para resolver isto, creio que precisamos de uma análise dos pedaços da ponte que se encontram atualmente debaixo de água. Continuo a achar que isto teria sido facilmente alcançado através de uma munição de precisão".

No domingo, o chefe do Comité de Investigação da Rússia, Alexander Bastrykin, reforçou a explicação sobre o camião.

Cara a cara com Putin, numa troca bem coreografada, Bastrykin disse que o camião tinha estado na Bulgária antes de atravessar a Geórgia, Arménia, Ossétia do Norte e ter entrado na Rússia (também teria tido de atravessar a Turquia).

"Foi possível identificar suspeitos entre aqueles que podiam preparar um ataque terrorista e pessoas que operam no território da Federação Russa", disse Bastrykin, referindo-se a "cidadãos de países estrangeiros que ajudaram a preparar este ataque terrorista".

Os investigadores chegaram a uma "conclusão inequívoca: este é um ataque terrorista que estava a ser preparado pelos serviços especiais ucranianos", disse Bastrykin.

Um Putin de ar austero respondeu: "Estou a perceber". Notavelmente, o presidente prosseguiu, dizendo: "não há dúvida de que se trata de um ataque terrorista destinado a destruir as infraestruturas civis cruciais da Federação Russa", levado a cabo pelos serviços especiais da Ucrânia.

Por um lado, a narrativa do "ato de terror" dispensaria, pelo menos, os militares russos de terem de explicar como é que as suas complexas defesas à volta da ponte falharam, apesar das afirmações públicas da Ucrânia de que este era um alvo legítimo. Por outro lado, fornece, através do prisma de Moscovo, a justificação para a escalada maciça dos ataques às infraestruturas ucranianas.

Os serviços secretos ucranianos afirmam que os ataques foram planeados dias antes da explosão de Kerch. Os seus serviços secretos de defesa afirmaram, na segunda-feira, que as unidades militares russas tinham "recebido instruções do Kremlin para preparar ataques massivos de mísseis contra as infraestruturas civis da Ucrânia nos dias 2 e 3 de outubro".

Residentes locais examinam uma cratera após um ataque de mísseis em Dnipro, na segunda-feira. (DIMITAR DILKOFF/AFP via Getty Images)

Um alvo óbvio

Se não foi o camião, o que poderia ter causado tal explosão? Cobb-Smith diz que um veículo de superfície de qualquer tipo deveria e teria sido detetado.

Alguns analistas sugeriram que a explosão poderia ter vindo de debaixo da ponte, outros pensam que as imagens de satélite indicam que o impacto foi de cima e veio do Norte.

Em última análise, segundo Cobb-Smith e outros peritos, não há provas em vídeo suficientes para confirmar o que aconteceu em Kerch.

Não há dúvida de que os ucranianos têm visto Kerch como um alvo legítimo, até mesmo necessário.

Em junho, Dmytro Marchenko, um major-general ucraniano no Sul do país, disse que a ponte de Kerch era o "alvo número um".

Marchenko disse à Radio Liberty: "Isto não é segredo para os militares deles ou para os nossos. Nem para os civis deles nem para os nossos. Este será o alvo número um a abater. É como se as reservas da artéria principal tivessem de ser cortadas. Assim que esta artéria é cortada, eles vão começar a entrar em pânico".

Mas os oficiais ucranianos têm estado silenciosos sobre a explosão de sábado, apreciando a paralisação da ponte (um bocado prematura, uma vez que o tráfego rodoviário e ferroviário limitado recomeçou dentro de 24 horas) sem reconhecerem o seu envolvimento.

A mesma abordagem foi adotada com o afundamento do navio de guerra russo Moskva. Passaram-se semanas antes de qualquer reconhecimento oficial ter surgido.

Alguns oficiais ucranianos reduziram a explosão de Kerch a uma luta interna pelo poder entre o Serviço de Segurança e o Ministério da Defesa da Rússia, sem oferecerem quaisquer provas.

Mykhailo Podolyak, um conselheiro do chefe de estado do presidente Zelensky, disse no sábado que "a logística da detonação, a sincronização com o escalão de combustível [os vagões ferroviários que transportam combustível], o volume da superfície de estrada destruída… Tudo isto aponta claramente para o rasto russo".

A causa da explosão de Kerch e o seu responsável permanecem questões em aberto. Podem continuar a sê-lo durante algum tempo. Mas não há dúvida de que o conflito na Ucrânia subiu mais um nível, com a Rússia a embarcar agora num ataque implacável contra as redes de poder e de comunicações da Ucrânia, e com oficiais ucranianos a jurar vingança por cada míssil.

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