Bronca na NATO: EUA travam entrega de aviões MiG polacos à Ucrânia

9 mar 2022, 02:58
Dois MiG 29 e dois F-16 da Força Aérea Polaca num espetáculo aéreo

Polónia anunciou entrega de caças russos à Ucrânia através da NATO, mas o Pentágono considera que esse plano não é "viável". Casa Branca diz ter sido apanhada de surpresa, mas Antony Blinken já tinha admitido esse cenário

Os Estados Unidos travaram a entrega de caças MiG-29 polacos à Força Aérea ucraniana, uma entrega anunciada pela Polónia, e que aconteceria no âmbito da NATO. Washington mostrou surpresa com a iniciativa polaca, apesar de esta já ter sido admitida pelo secretário de Estado norte-americano Antony Blinken. O porta-voz do Pentágono considerou que essa entrega não é “viável” e argumentou que “suscita sérias preocupações para toda a aliança da NATO”. 

O governo da Polónia anunciou, nesta terça-feira, que está disponível para entregar os seus caças MiG-29 aos EUA, para depois serem disponibilizados à Força Aérea ucraniana. Os pilotos de guerra ucranianos só têm experiência com os aviões de combate MiG, de fabrico russo, tal como acontece noutros países do antigo Pacto de Varsóvia que entretanto aderiram à NATO, como é o caso da Polónia.

Em contrapartida por esta oferta, os Estados Unidos compensariam a Polónia com caças F-16 de fabrico americano. Seriam aviões em segunda mão, “com capacidades operacionais correspondentes” aos MiG que seguiriam para a Ucrânia.

O plano anunciado pela Polónia seria “deslocar, de modo imediato e sem custos, todos os seus aviões MiG para a base aérea de Ramstein [base americana na Alemanha] e pô-los à disposição do Governo dos Estados Unidos da América”, para serem entregues às autoridades ucranianas. Em simultâneo, Varsóvia pediu aos outros membros da NATO que dispõem de MiG que tomassem a mesma atitude - um apelo que se dirige à Bulgária e à Eslováquia que, tal como a Polónia, integram a Aliança Atlântica, mas continuam a operar os caças de fabrico russo.

Oficialmente, a iniciativa polaca "apanhou de surpresa" o governo norte-americano, apesar desta troca ter sido referida, no domingo passado, por Antony Blinken. Numa entrevista à CNN, o chefe da diplomacia dos EUA confirmou que o seu país estava a “trabalhar ativamente” com a Polónia para essa entrega dos MiG-29 à Ucrânia, com a consequente compensação com F-16 para os polacos. "Não posso falar em prazos, mas posso dizer que estamos a analisar isso de forma muito muito ativa”, disse Blinken enquanto estava na Moldova. Quando Blinken admitiu essas negociações, Varsóvia estava a resistir a essa troca. Quando Varsóvia aceitou, Washington recusou.

A ideia dos EUA era que a entrega fosse feita diretamente pela Polónia à Ucrânia, sem envolver outras partes. Mas Varsóvia não quis arriscar fazer essa entrega diretamente.

Os argumentos do Pentágono

Sem estar à espera do anúncio polaco, a Administração Biden travou de imediato a iniciativa, considerando que não é “viável”. "A perspetiva de aviões de caça 'à disposição do Governo dos Estados Unidos da América' a partir de uma base EUA/NATO na Alemanha para voar para o espaço aéreo que é contestado com a Rússia sobre a Ucrânia suscita sérias preocupações para toda a aliança da NATO", disse o porta-voz do Pentágono, John Kirby. 

A ideia, tal como foi exposta pela Polónia, seria demasiado arriscada, explicou Kirby, lembrando as declarações ameaçadoras da Rússia em relação a interferência estrangeira no espaço aéreo ucrâniano, e a preocupação dos EUA e da NATO em evitar um conflito directo com a Rússia.

"Continuaremos a consultar a Polónia e os nossos outros aliados da NATO sobre esta questão e os difíceis desafios logísticos que ela apresenta, mas não acreditamos que a proposta da Polónia seja uma proposta viável", afirmou Kirby.

O mesmo responsável não pôs de parte a possibilidade de a Polónia entregar diretamente os caças à Ucrânia, enquanto apoio bilateral, sem envolvimento dos EUA ou da NATO. Porém, sendo a Polónia membro na NATO, observadores como Alexander Vindman consideram que é difícil entender em que medida essa ação seria mais aceitável.

A primeira preocupação dos EUA tem a ver com a reação russa se de repente a Ucrânia tivesse aviões de combate fornecidos pela NATO. Os responsáveis da Defesa dos EUA também questionam a eficácia desta operação de alto risco - "Simplesmente não está claro para nós que existe uma razão substantiva para tal", disse Kirby.

Mas também há questões logísticas que preocupam Washington: como se faria a entrega? Os pilotos ucranianos iriam à Alemanha buscá-los? Voariam da Alemanha para a Ucrânia com caças totalmente abastecidos e armados? A entrega far-se-ia noutro país? Onde? Como? Com que garantias? São estas as perguntas que fontes do Pentágono têm partilhado com os jornalistas norte-americanos que estão a acompanhar o caso.  

Falando ontem perante o Congresso norte-americano, a sub-secretária de Estado para Assuntos Políticos, Victoria Nuland, mostrou surpresa total com o anúncio polaco. "Tanto quanto sei, não foi pré-consultado connosco que planeiam dar-nos estes aviões. Aguardo com expectativa quando esta audiência terminar para voltar à minha secretária e ver como vamos responder a esta proposta deles de nos darem os aviões". A resposta foi dada logo depois, não pelo Departamento de Estado, mas pelo Pentágono.

Oferta de caças em vez de exclusão aérea?

O controlo dos céus é uma das maiores fragilidades da resistência militar ucraniana, cuja Força Aérea foi destruída. O presidente da Ucrânia, Vlodomir Zelensky, tem apelado à NATO para que estabeleça uma zona de exclusão aérea sobre o país, para travar os ataques da Força Aérea russa - uma exigência que a NATO recusa, porque isso significaria entrar em confronto militar direto com a Rússia em defesa de um país que não é membro da Aliança. 

No entanto, no âmbito do apoio militar do Ocidente à Ucrânia, com entregas diretas de armamento, o chefe da política externa e de segurança da UE, Josep Borrell, chegou a anunciar no final de fevereiro que a Europa iria “fornecer até jatos de combate". Um anúncio que, na altura, apanhou a Polónia desprevenida. Agora, são os Estados Unidos que se queixam do mesmo. 

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