Socialistas sob pressão: o que une e separa as crises políticas em Portugal e Espanha

ECO - Parceiro CNN Portugal , Mariana Espírito Santo
30 mai 2023, 09:53
António Costa e Pedro Sánchez (AP Photo/Geert Vanden Wijngaert)

Costa e Sanchéz são dois líderes socialistas a enfrentar o crescimento da extrema-direita, mas há outros fatores que juntam e separam os cenários dos vizinhos ibéricos

Depois de uma derrota do PSOE nas eleições municipais e regionais, o chefe de Governo espanhol decidiu convocar eleições legislativas antecipadas e dissolver o parlamento. Em terras vizinhas, o primeiro-ministro socialista também tem enfrentado a ameaça da dissolução da Assembleia da República, ainda que vinda do próprio Presidente. Há semelhanças e diferenças entre as crises políticas na Península Ibérica, mas é ainda incerto se o cenário partidário vai mudar ou se manterá na mesma.

As eleições em Espanha estão marcadas para 23 de julho, cerca de cinco meses antes que o previsto. A decisão surgiu pela mão do próprio chefe de Governo, Pedro Sanchéz, que diz que os espanhóis devem decidir o “rumo político” do país, depois de eleições que deram a vitória ao PP, invertendo o mapa anterior.

Por cá, as eleições legislativas estão marcadas apenas para 2026, mas muito se tem falado, nomeadamente na oposição, sobre a possibilidade de as antecipar, depois de vários casos e polémicas que têm abanado o Governo. Afinal, o que une e o que separa as situações entre os países vizinhos?

Socialistas sob pressão dos dois lados da fronteira

“Objetivamente, a principal semelhança é o partido no poder, no Governo, que é socialista”, aponta ao ECO a politóloga Paula Espírito Santo. Pedro Sanchéz é o líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e o chefe de Governo, ainda que coligado com o Unidas Podemos. Já António Costa é secretário-geral do PS e obteve maioria absoluta nas últimas eleições, em janeiro de 2022.

Pela Europa, alguns políticos socialistas têm sofrido derrotas, nomeadamente na Suécia e na Finlândia, numa altura em que partidos de extrema-direita têm vindo a ganhar força. Já há três governos dependentes da extrema-direita na União Europeia, que vai a eleições em junho do próximo ano.

Esta é uma altura em que os partidos no Governo têm também estado sob pressão pela resposta à guerra na Ucrânia, que surgiu no rescaldo de um período crítico com a pandemia de Covid-19, em que a recuperação se estava ainda a consolidar, e trouxe consigo um aumento do custo de vida, nomeadamente com a subida dos preços da energia, inicialmente, e agora dos alimentos.

Extrema-direita continua a ganhar força

Neste cenário, o Vox, partido espanhol de extrema-direita, saiu reforçado tanto nas regionais, onde aumentou a representação nos parlamentos autonómicos, como nas municipais, onde alcançou 7,19% dos votos globais (tinha tido 3,56% nas autárquicas anteriores, de 2019). Além disso, o PP só conseguirá governar em algumas das regiões e municípios, onde ganhou as eleições no domingo, com o apoio do Vox.

Para o líder do partido da extrema-direita, Santiago Abascal, no domingo, o Vox “consolidou-se como projeto nacional” e como partido “absolutamente necessário” para construir uma alternativa à esquerda em Espanha.

“No caso espanhol, o peso do Vox é importante, mas talvez não seja elemento decisivo para o primeiro-ministro convocar eleições”, aponta a politóloga Paula Espírito Santo. “Em Espanha, olhamos para o poder político em duas dimensões: municipal/regional e nacional”, destaca, pelo que os resultados poderão ser diferentes nas legislativas.

Em Portugal, a extrema-direita também tem vindo a ganhar força, com o Chega a afigurar-se já a terceira maior força política nas últimas eleições. As sondagens têm mostrado que será difícil o PSD governar sem apoio. Esta possibilidade não passa despercebida ao Presidente da República, que já mencionou a alternativa política (ou a falta dela) como uma das justificações para não avançar já com a dissolução da Assembleia.

É de recordar também que por cá, o PSD tem sido instado a traçar linhas vermelhas mas já chegou a fazer um acordo partidário com o Chega (e com a Iniciativa Liberal) nos Açores.

Regimes políticos diferentes

Os dois países ibéricos têm regimes políticos diferentes, o que acaba por influenciar o desenrolar da política e permite assim resultados desiguais. “São regimes diferentes: o nosso é semipresidencialista, no espanhol [uma monarquia parlamentarista] o primeiro-ministro é o presidente do Governo” e acaba por ter mais poder, aponta a investigadora do ISCSP.

Neste cenário, o papel das figuras de Estado na decisão de dissolver é diferente. Em Espanha, foi Sanchéz que decidiu avançar com a decisão, mas em Portugal esta possibilidade tem recaído sobre Marcelo Rebelo de Sousa.

Mesmo assim, a decisão pode também partir do primeiro-ministro. Existiu até uma história semelhante em Portugal com António Guterres, “quando perdeu as eleições autárquicas no final de 2001 e apresentou a demissão e dissolveu-se o Parlamento”, recorda a politóloga.

Tal não parece provável neste caso, diz: “Conhecendo o contexto nacional e a forma como António Costa tem vindo a ser primeiro-ministro, não parece que esteja no horizonte apresentar demissão”.

Economia espanhola cresce mas inflação pressiona

A economia espanhola cresceu 0,5% no primeiro trimestre do ano, comparando com o anterior, segundo uma estimativa do Instituto Nacional de Estatística (INE) de Espanha. Este crescimento do Produto Interno Bruto de Espanha entre janeiro e março é quase igual ao do trimestre anterior (0,4%). Já comparando com os mesmos meses de 2022, o PIB de Espanha cresceu 3,8% entre janeiro e março. A economia espanhola cresceu 5,5% no ano passado, um aumento igual ao de 2021 e, nos dois casos, o maior desde 1973.

Os preços em Espanha subiram 4,1% em abril, que, a confirmar-se, revela um aumento em oito décimas da inflação, que tinha sido 3,3% em março. A inflação subiu em abril, apesar de ter havido uma moderação no aumento dos preços dos alimentos, comparando com o mesmo mês do ano passado, diz o INE.

O economista José Reis salienta ao ECO que existem “semelhanças visto que são dois países próximos, integrados e com estruturas económicas em certos pontos comparáveis”. Ainda assim, o “cenário económico distingue-se um bocadinho, provavelmente em aspetos nalguns positivos para Espanha. Por exemplo tem tido do ponto de vista laboral e das remunerações uma dinâmica muito mais positiva e inclusiva”, nomeadamente com um “acordo bastante significativo em matéria laboral e salarial”.

“Por trás disso estão evoluções de salário muito mais positivas do que as que se verificaram em Portugal”, acrescenta. Além disso, a evolução salarial surgiu como forma de contrabalançar a inflação, nota. No campo da inflação, aplicaram também medidas como a isenção de IVA em alguns produtos, medida que foi “copiada” por Portugal com o cabaz IVA Zero.

José Reis destaca também que os consensos no Governo levam a um “quadro político e económico relativamente favorável”, apesar da derrota nas eleições. “O quadro económico espanhol é positivo – questões da inflação, salários e sobretudo dos acordos que incluem sindicatos”, salienta, isto apesar da subida de preços ter voltado a acelerar.

Por outro lado, Pedro Braz Teixeira também aponta semelhanças no desempenho com a economia portuguesa, tendo como principal diferença uma correção do défice orçamental mais atrasada em Espanha. “Há bastantes parecenças, em termos conjunturais, economia a abrandar, inflação também, desemprego a cair” em termos anuais, aponta o economista.

“A diferença principal que se nota é o défice: terá uma correção mais atrasada”, nota, com base nas previsões da Comissão Europeia, “o que pode ter algumas implicações politicas, no sentido em que vai ser difícil politicamente corrigir o défice”, admite.

Noutro nível, é de destacar que Portugal está com um indicador mais favorável: o prémio de risco da dívida. Como salienta o El Mundo (acesso livre, conteúdo em espanhol), o governo português financia-se em trinta pontos base mais barato que o espanhol, com os investidores a mostrarem-se mais confiantes em Portugal.

Timings eleitorais

Outro elemento que separa as crises são os timings das eleições. Por um lado, as últimas eleições legislativas em Portugal foram em 2022, há pouco mais de um ano, e as próximas estão marcadas apenas para 2026. Já em Espanha, realizaram-se em 2019 e as próximas estavam marcadas para dezembro deste ano. A antecipação anunciada por Sanchéz é, assim, apenas de cinco meses, enquanto em Portugal seria de cerca de três anos.

As eleições municipais serviram de sondagem em Espanha e motivaram esta decisão de Sanchéz. Já em Portugal, as próximas eleições que vão servir de barómetro serão as europeias, em junho de 2024. Mesmo assim, não têm a mesma importância que umas eleições autárquicas, salienta Paula Espírito Santo.

Além disso, é de notar que há também diferenças no que diz respeito à gestão das regiões. “Em Espanha, o regionalismo tem um peso que não tem em Portugal”, diz a politóloga. “O comportamento eleitoral em Espanha é muito influenciado pelo municipalismo, pela força das regiões”, acrescenta.

É ainda de destacar que a rapidez com que se marcaram eleições em Espanha, que se vão realizar daqui a menos de dois meses, seria mais difícil em Portugal. Há elementos como o voto emigrante e toda uma preparação logística que ditariam eleições em mais tempo, sendo de recordar que quando Marcelo dissolveu o Parlamento em 2021, na sequência do chumbo do Orçamento do Estado, foi necessário esperar algumas semanas para oficializar por forma à data das eleições recaírem no período legal.

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