Poliomielite já fez soar alarmes no Reino Unido, Brasil e EUA. Por cá, “é muito pouco provável ou impossível que tenhamos surtos”

12 ago 2022, 20:30
Um voluntário médico administra uma dose de vacina contra a poliomielite a uma criança em Hyderabad, na Índia, em fevereiro de 2022. (AP Photo/Mahesh Kumar A.)

A elevada taxa de vacinação tem sido uma arma contra a poliomielite em Portugal, mas os especialistas defendem mais atenção ao tema e fazem um apelo aos pais

Os alarmes já tinham soado no Reino Unido, mais concretamente em Londres, também no Brasil e é agora é a vez dos Estados Unidos, depois Nova Iorque ter confirmado a presença do vírus da poliomielite nas águas dos esgotos. Por cá, dizem os especialistas contactados pela CNN Portugal, não há motivos para alarme, mas isso não significa que se assobie para o lado.

“É muito pouco provável ou impossível que tenhamos surtos” de poliomielite em Portugal, começa por dizer Mário A. Macedo, enfermeiro especialista em Saúde Infantil e Pediátrica. No entanto, frisa, o aparecimento noutros países - desta e de outras doenças há muito ‘adormecidas’, como o sarampo - “é uma prova de que não podemos relaxar na cobertura vacinal, mesmo que a doença não apareça na nosso território há muito tempo”.

“O vírus não estava bem controlado ou desaparecido, a poliomielite tem a versão selvagem e versão inativada, e esta não estava propriamente controlada ou desaparecida. Houve um surto recente na Ásia Central e no ano passado havia na Ucrânia, que passou para Israel, depois para o Reino Unido, agora para Nova Iorque. Há muitos anos que circula”, explica. Aliás, a circulação do vírus levou mesmo a Direção-Geral da Saúde a afirmar, pouco depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, que iria ser dada prioridade à vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo nos refugiados que chegassem a Portugal.

Elevada cobertura vacinal é escudo protetor

Para o enfermeiro, a elevada cobertura vacinal de Portugal contra este vírus, que está na ordem dos 95% e “que é o que a Organização Mundial da Saúde preconiza como ideal e seguro para a poliomielite porque é uma doença muito transmissível”, traz alguma segurança a Portugal, mas isso não quer dizer que se deva ignorar o que está a acontecer lá fora. “Podemos ter alguns casos isolados no Algarve, que está nos 91%, mas um, dois, três casos isolados e nunca um surto”, assegura, destacando que a vacinação de quem não está protegido é determinante e que os pais devem prestar atenção às datas para as cinco doses, que constam no Plano Nacional de Vacinação.

A primeira dose é dada aos dois meses, aquando da vacina hexavalente DTPaHibVIPVHB, a segunda aos quatro meses, a terceira aos seis meses, a quarta aos 18 meses e a quinta, e última, aos cinco anos.

“Além das ligações ao Reino Unido, há anos que Angola tem surtos da versão inativada e nunca tivemos um caso cá, é muito provável que o vírus já cá tenha entrado, mas devido à nossa elevada cobertura vacinal, nunca tivemos um caso”, frisa o enfermeiro especialista em Saúde Infantil e Pediátrica.

Da mesma opinião é Gustavo Tato Borges, médico e presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, que aponta a elevada cobertura vacinal como fator determinante para conseguir controlar a disseminação do vírus. No entanto, destaca que a deteção do vírus em países onde “não era detetado é uma preocupação grande” e que, por isso, “será importante perceber se alguma comunidade tem uma cobertura vacinal inferior e promover a vacinação dos que não foram” vacinados.

Ao contrário de Londres, que anunciou um reforço vacinal gratuito para crianças com idades entre o um e os nove anos, Gustavo Tato Borges crê que, “em princípio, não será necessário realizar uma campanha de reforço vacinal” em Portugal, “mas isso pode ser uma realidade caso o vírus identificado tenha sofrido mutações importantes”.

Também Mário A. Macedo considera que, para já, o foco não deve estar no reforço vacinal, mas na toma correta das vacinas e na inoculação de quem ainda não foi vacinado. “Não faz sentido reforço vacinal. No Reino Unido pode fazer porque a taxa de vacinação não é tão boa, é de cerca de 85%, em Londres até é abaixo dos 85% e aí faz todo o sentido. Por cá, assumindo que mantemos a cobertura acima dos 95%, é fazer o reforço para os pais não se esquecerem de vacinar nas idades adequadas”. No caso dos Estados Unidos, a cobertura vacinal ronda os 93%, mas há estados em que é igual ou inferior a 60%, o que torna o combate ao vírus bastante desigual e isso já levou o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças a considerar um reforço vacinal.

A CNN Portugal contactou a Direção-Geral da Saúde para saber se está previsto algum plano de prevenção que inclua um reforço vacinal contra a poliomielite, mas não obteve resposta em tempo útil.

“Nunca podemos descurar a vigilância. Moçambique, além de ter o vírus inativo, o selvagem regressou. E o [vírus] que estava no Paquistão chegou a Moçambique”, alerta Mário A. Macedo. No Paquistão, um surto de poliomielite deixou este ano mais de oito crianças paralisadas e as autoridades de saúde locais apontam a falsificação dos boletins de vacina como uma das causas.

O vírus da poliomielite “é extremamente contagioso e atinge principalmente as crianças pequenas”, invadindo o sistema nervoso, o que pode causar paralisia total numa questão de horas, descreve o Serviço Nacional de Saúde no seu site. Entre os sintomas mais comuns estão a febre, a fadiga, a dor de cabeça, os vómitos, a rigidez no corpo e a dor nos membros. A transmissão é feita de pessoa para pessoas, por gotículas ou contacto direto com secreções faríngeas e através da água ou alimentos contaminados, sendo que o período de incubação vai de três a seis dias. “O início da paralisia ocorre geralmente sete a 21 dias após o contágio, variando entre três e 35 dias”.

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