Esvaziar os pneus dos SUV ajuda a combater as alterações climáticas?

2 jun 2023, 16:46

Os "extintores de pneus" fizeram a sua primeira ação em Portugal. Vale tudo para chamar a atenção dos utilizadores destes veículos altamente poluentes ou, pelo contrário, as reações negativas nas redes sociais podem desviar o foco daquilo que é realmente importante?

“Atenção – o teu sugador de gasolina mata", lê-se em letras grandes. À primeira vista, até podemos pensar que se trata de mais um folheto publicitário preso no limpa pára-brisas. Mas, depois, há os pneus vazios. A explicação está nesse folheto: “Esvaziámos um ou mais dos teus pneus. Vais sentir raiva, mas não leves isto pessoalmente. Não és tu. É o teu carro”, diz a nota. “Fizemos isto porque conduzir este veículo gigante em áreas urbanas tem consequências imensas para as outras pessoas”. Trata-se, afinal, de um protesto do grupo de ativismo climático "The Tyre Extinguishers" ("os extintores de pneus").

A primeira ação do grupo internacional em Portugal aconteceu esta semana, no centro de Lisboa, e causou uma onda de indignação nas redes sociais. Foram divulgadas algumas informações falsas, que convém corrigir: os ativistas não furam os pneus, limitam-se a esvaziá-los. A intenção é irritar os automobilistas e chamar a atenção para os efeitos da utilização de veículos SUV (Sport Utility Vehicle) e híbridos, não é fazer com que se comprem mais pneus. Também por isso, não se trata de um crime, avisou a PSP em comunicado: “Os casos conhecidos deste tipo de ativismo em Portugal têm revestido o ato de esvaziar os pneumáticos de viaturas, sem os inutilizar ou danificar, pelo que não constitui necessariamente um crime, nomeadamente de dano”.

De qualquer forma, a PSP avisa que o esvaziamento de pneus “poderá dar origem ou contribuir para a ocorrência de sinistros rodoviários, caso o utilizador do veículo não note o estado e inicie a marcha”. “Qualquer cidadão que detete outros a realizar estes atos deve alertar de imediato a esquadra da PSP mais próxima." Por isso, a polícia deixa o apelo “para que qualquer forma de protesto siga as normas legais em vigor e seja concretizada sem originar (ainda que potencialmente) situações de risco, para os próprios ou para outros cidadãos”.

Quem são e o que querem os "extintores de pneus"?

O lançamento da primeira campanha em Portugal foi assinalado pela organização no Twitter: "Chegam relatos de #CarShaggers muito zangados, que estão chateados por não poderem conduzir os seus enormes tanques poe Lisboa. Oh não! Bem-vindo à diversão, Portugal!"

Criado no Reino Unido, em março de 2022, na sequência de uma série de outros grupos ativistas que usam método de desobediência civil para chamar a atenção para a emergência climática, este movimento apresenta-se como um grupo de "pessoas de todas as esferas da vida com um objetivo: tornar impossível possuir um enorme 4x4 poluente nas áreas urbanas de todo o mundo".

"Estamos a defender-nos contra as mudanças climáticas, a poluição do ar e motoristas inseguros", dizem. "Fazemos isso com uma tática simples: esvaziar os pneus desses veículos enormes e desnecessários, causando transtornos aos seus proprietários. Esvaziar os pneus repetidamente e encorajar os outros a fazer o mesmo transformará o pequeno inconveniente de um pneu furado num obstáculo gigantesco para a condução dos enormes veículos assassinos nas nossas ruas."

O grupo explica que decidiu tomar esta medida - considerada por muitos como radical - "porque governos e políticos falharam em proteger-nos desses enormes veículos. Toda a gente os odeia, exceto as pessoas que os dirigem. Queremos viver em vilas e cidades com ar puro e ruas seguras. Pedir e protestar educadamente por esses objetivos falhou. É hora de agir".

O grupo afirma que está agora ativo em 18 países: Reino Unido, EUA, Canadá, Chéquia, França, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Noruega, Suécia, Suíça, Países Baixos, Áustria, Nova Zelândia, Itália Irlanda, Bélgica e Portugal. O movimento não tem um líder e está aberto a qualquer pessoa que queira participar, agindo de acordo com as instruções disponibilizadas no site.

Esta não é a primeira vez que são realizadas em Portugal este tipo de ações de protesto. Depois das manifestações promovidas pela Greve Climática Estudantil, nos últimos meses, o Movimento Fim ao Fóssil tem protagonizado várias ações, sobretudo de ocupação de espaços públicos, com o objetivo de chamar a atenção para a situação de emergência climática em que vivemos. Os ativistas estão desiludidos com a falta de vontade política e, percebendo que nem os responsáveis nem os responsáveis económicos estão a tomar as medidas consideradas necessárias para inverter a crise climática, decidiram tomar medidas mais drásticas. "As pessoas têm de perceber que este é um problema que vai afetar toda a gente de forma inimaginável”, dizia uma das porta-vozes do movimento.

Não admira por isso que o grupo Climáximo, que tem organizado várias ações, como por exemplo a recente ocupação do terminal de Sines, se tenha aliado ao movimento contra os SUV:

E isto resulta?

"Em primeiro lugar, convém reconhecer que do ponto de vsita ambiental estes veículos são um desastre. Pelos materiais que utiliza, pelo consumo, pela emissão de gases de efeito estufa - são efetivamente uma má escolha ambiental", afirma à CNN Portugal Francisco Ferreira, presidente da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável. "Muitas das pessoas poderiam optar perfeitamente por veículos mais leves e pequenos. E os SUV deveriam ser muito mais taxados do que são, precisamente por causa desta pegada ambiental", defende. 

Isso não quer dizer que a Zero apoio este tipo de ações de "guerrilha".  "Sem dúvida que estamos numa urgência climática, mas não pode valer tudo. Do nosso ponto de vista, esta ação vai além daquilo que é razoável. Se fosse deixado o papel, se calhar muitos leitores iriam ler e, em conjunto com uma campanha, conseguiam-se resultados", diz Francisco Ferreira.

Além disso, na sua opinião, este tipo de ações pode até ser contraproducente, porque, em vez de criar empatia com a causa, cria uma reação adversa, de irritação pelos métodos usados. "Muitas organizações à escala internacional têm vindo a rever as suas intervenções, porque reconhecem que se acaba por perder. Apesar de estarmos a lutar por objetivos comuns, temos uma reação contrária, de crítica e de incompreensão pelo que se está a fazer."

Além disso, este ativista chama também a atenção para o backlash (reação negativa) exagerado que esta ação em específico teve. "Não sei até que ponto é que as redes sociais não estão a ampliar este problema. Na verdade, vendo as fotos, podem ter sido apenas meia dúzia de veículos, uma coisa quase insignificante. Mas acho que há uma ampliação propositada, estão a usar esta onda nas redes sociais para pôr em causa os alertas dos ativistas e dos cientistas."

Portanto, se é verdade que, de um dia para o outro, os SUV entraram para a agenda mediática, também é verdade que não sabemos se a mensagem está a chegar a quem mais dela precisa, conclui.

Relacionados

Clima

Mais Clima

Patrocinados