Novas buscas por Maddie: o que se procura, como se procura, o que se espera encontrar

23 mai 2023, 15:29

“A polícia dispõe de meios que não tinha até há quatro ou cinco anos” e por isso está a fazer novas buscas na barragem do Arade. As primeiras buscas neste local foram realizadas há muitos anos por um advogado influenciado pelas teorias de uma vidente

As novas buscas relacionadas com o caso do desaparecimento de Maddie McCann, na Barragem do Arade, em Silves, a cerca de 50 quilómetros do local de onde desapareceu a criança em maio de 2007, começaram esta terça-feira cerca das 08:00. Dezenas de agentes estão a bater a margem da barragem e há também meios na água. Procuram vestígios biológicos ou objetos relacionados com a criança.

As diligências estão a ser acompanhadas pelas polícias britânica e alemã e despertaram uma enorme curiosidade mediática, com jornalistas de vários países no local.

Diligências na Barragem do Arade levadas a cabo por dezenas de agentes e acompanhados por autoridades alemãs e inglesas. (LUÍS FORRA/LUSA)

Não se sabe muito bem o que é procurado, até porque as autoridades alemãs não revelam os motivos que as levaram a pedir as diligências às autoridades portuguesas. E isso adensa ainda mais as dúvidas: afinal, o que procuram os investigadores? E o que podem eles encontrar, 16 anos depois, que ajude a desvendar o caso e a perceber o que realmente aconteceu a Maddie McCann?

Não se sabe ao certo se a Polícia Judiciária procura algum objeto ou algum vestígio biológico concreto na Barragem do Arade. Mas é certo que, mesmo 16 anos depois, é possível encontrar objetos ou vestígios biológicos que possam ajudar a explicar o que aconteceu a Maddie naquela noite de maio de 2007.

Quem o garante é Francisco Chagas, antigo inspetor da Polícia Judiciária e criminalista. “É possível encontrar tecido, sapatos… Não estarão inteiros, mas não desaparecem por completo. Imaginemos que ali foi enterrado o cobertor que embrulhava a menina. Dezasseis anos não é tempo suficiente para que se transforme em pó. E, mesmo que se transforme em pó, é sempre um pó diferente da própria terra e uma análise forense pode ligar esses vestígios ao caso”, exemplifica o especialista. “Estar preservado como se fosse ontem ou como se fosse há um ano é impossível. Mas podem encontrar-se alguns objetos que se possam relacionar diretamente com a criança desaparecida.”

Em última instância, e como ainda permanecem todos os cenários em aberto, o próprio corpo de Maddie pode ser encontrado ali. “Vamos imaginar que a criança estava morta e que o corpo foi ali enterrado ou atirado para dentro de água. Ainda há ossadas cujo ADN ainda está preservado e ainda pode ser comparável, com 99,9% de certezas, com ADN dos pais ou dos irmãos”, acrescenta Francisco Chagas.

Portanto, o esforço realizado agora pelas autoridades portuguesas, a pedido das autoridades alemãs, pode “sem dúvida” desvendar o caso e ajudar a perceber o que aconteceu à menina britânica.

Que meios há agora que não havia há 16 anos?

A evolução tecnológica tem sido significativa também no que diz respeito à tecnologia forense. E a polícia tem agora meios “que não tinha há 16 anos ou até há quatro ou cinco anos”. O antigo agente da PJ dá alguns exemplos de meios que a polícia tem agora ao dispor e que facilitam o trabalho e podem permitir chegar a conclusões que não eram possíveis em outras ocasiões em que Maddie foi procurada no Algarve.

“As próprias investigações de ADN sofreram uma enorme evolução e permitem agora um maior grau de eficácia e minúcia nos resultados que não existia antes. O grau de certeza de um resultado é muito maior do que era há 20 anos ou até há cinco anos”, diz Francisco Chagas.

Além disso, o especialista dá como exemplo a existência de “sensores que permitem perscrutar a terra e determinar, até um determinado nível de profundidade, a existência de matéria orgânica ali enterrada”. Há também tecnologia com recurso a satélite que permite verificar se os terrenos foram ou não mexidos. São tecnologias que, no mínimo, facilitam o trabalho dos inspetores e técnicos no terreno, já que ajudam a delimitar as áreas de pesquisa.

Porquê estas diligências?

As buscas da PJ na Barragem do Arade foram pedidas pelas autoridades alemãs. As razões que motivaram o pedido continuam por revelar.

Num comunicado divulgado esta terça-feira de manhã, mais ou menos à mesma hora em que se iniciavam os trabalhos na Barragem do Arade, o Ministério Público de Braunshweig emitia um comunicado em que confirmava que estavam “a decorrer em Portugal medidas processuais”. As autoridades alemãs acrescentam que as medidas estão a ser implementadas através de assistência jurídica mútua, pelas autoridades portuguesas, com o apoio de agentes do Departamento Federal de Polícia Criminal.

Contudo, as razões concretas que levaram a polícia a novas diligências permanecem por revelar: “Por razões táticas de investigação, não estão a ser divulgadas informações mais detalhadas sobre os antecedentes.”

Francisco Chagas invoca a sua experiência como agente da PJ para antever que terá havido “alguma informação muito concreta ou algumas suspeitas muito concretas para desencadear este tipo de diligências”. “Não terá sido só porque o suspeito viveu ali ou porque ia lá muitas vezes ou porque era ‘o paraíso dele’… deve ter havido algo mais concreto para levar a polícia de novo ali e a delimitar aquela área concreta”, aponta Francisco Chagas.

Autoridades montaram dois campos de trabalho junto à Barragem do Arade. LUÍS FORRA/LUSA)

Em 2008 já tinham sido realizadas buscas na Barragem do Arade, mas não se tratou de uma operação policial. As diligências foram financiadas por um advogado que tinha como base as teorias de uma vidente. Na altura, os mergulhadores chegaram a recuperar ossadas dentro de uns sacos de plástico. Chegou-se, contudo, à conclusão de que se tratava de esqueletos de gatos.

A Barragem do Arade voltou a ganhar relevância, em 2020, quando Christian Bruckner passou a ser visto como o principal suspeito do desaparecimento de Maddie MacCann. O alemão viveu em várias casas arrendadas no Algarve, mas tinha também uma autocaravana e passava longas temporadas no Arade. Dizia mesmo que era o seu "paraíso".

Que meios estão no local?

As buscas estão a ser conduzidas pela Polícia Judiciária, com dezenas de agentes empenhados nas diligências, apoiados por cães pisteiros e meios da GNR, dos Bombeiros de Silves e da Proteção Civil.

As diligências são acompanhadas pelas autoridades alemãs e inglesas.

Dezenas de jornalistas de vários países acompanham as diligências junto à Barragem do Arade. (LUÍS FORRA/LUSA)

Na segunda-feira foram montados dois campos de trabalho junto à Barragem do Arade. Um mais perto da estrada, com uma tenda da PJ e outra da Proteção Civil. O outro foi montado mais perto da água, onde decorrem os trabalhos de maior relevo.

Quem é Christian Brückner?

Christian Brückner estaria nas imediações da Praia da Luz quando Maddie desapareceu e terá confessado a um amigo que cometeu o crime, embora sempre o tenha negado às autoridades.

Atualmente está preso na Alemanha, depois de ter sido condenado em 2019 pela violação de uma norte-americana de 72 anos em Portugal, em 2005.

Tem no cadastro outras condenações, também por abusos sexuais, incluindo abuso sexual de crianças. Em 2022, o próprio Ministério Público de Braunschweig avançou com três acusações de violação agravada contra adultos e duas por abuso sexual de crianças que o alemão terá cometido em Portugal, entre 28 de dezembro de 2000 e 11 de junho de 2017. Nenhuma delas está relacionada com o caso de Maddie.

Em abril de 2022, o Ministério Público de Faro a constituiu Christian Brückner arguido para evitar a prescrição do crime em Portugal, que ocorreria a 3 de maio de 2022, 15 anos depois do desaparecimento de Madeleine McCann. Segundo uma fonte judicial, tanto a PJ como o MP entendem haver indícios suficientes para continuar a investigar o cidadão alemão: estava nas imediações da Praia da Luz no dia em que a criança britânica desapareceu e terá confessado a um amigo que era o responsável pelo crime.

Os crimes já prescreveram?

Em Portugal, os crimes puníveis com uma pena de prisão superior a 10 anos, como é o caso de homicídio, prescrevem ao fim de 15 anos. Mas “um desaparecimento nunca prescreve”. Não se sabe o que aconteceu à pessoa desaparecida e o caso só encerrado quando esta aparece ou quando há um cadáver.

“Há pessoas que confundem prazos de prescrição entre um desaparecimento e um crime de homicídio. Um desaparecimento nunca é arquivado. Quanto muito fica a aguardar novas pistas. A PJ parou as diligências neste caso mas não o fechou. Surgiu nova informação, está a investigar-se”, lembra Francisco Chagas.

Madeleine McCann desapareceu a 3 de maio de 2007, na Praia da Luz, no Algarve. Dormia com os irmãos gémeos, um ano mais novos, no quarto do resort onde a família estava alojada quando terá sido levada. Até hoje, o caso permanece sem resolução.

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