"Quando estamos a falar de crime informático, pela sua natureza, não tem fronteiras"

23 mar 2023, 07:01
Cibersegurança (Foto: Pixabay)

ENTREVISTA || Carlos Cabreiro, Diretor da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade tecnológica da Polícia Judiciária (UNC3T) deu uma entrevista à CNN Portugal onde se abordou a nova era da criminalidade e a importância da colaboração entre todas as polícias

Pornografia de menores, phishing, moneys mules, burlas ou ciberataques. Muitos são os crimes que dependem da colaboração internacional entre forças de segurança. Carlos Cabreiro, levantou um pouco o véu de algumas operações internacionais conjuntas e do papel que Portugal teve no culminar das investigações na entrevista que deu à CNN Portugal. Tal como revelou que uso de expressões inglesas, para determinados tipos de crime, permite a todas as polícias do mundo “terem uma linguagem comum”.

Nos últimos meses foram várias as operações internacionais conjuntas, que contaram com o apoio da Polícia Judiciária, algumas investigações apenas envolveram o FBI e a Polícia Judiciária (PJ). Talvez pela cada vez maior proximidade entre ambas as autoridades e a necessidade de continuar a reforçar laços para o futuro, o diretor do Federal Bureau of Investigation (FBI), Christopher Wray, esteve recentemente em Lisboa, na sede da Judiciária.

Num mundo cada vez mais global, com a tecnologia, também não é errado dizer que o crime é cada vez mais global e tem cada vez menos fronteiras?

Sem dúvida. Quando estamos a falar de crime informático, pela sua natureza, não tem fronteiras. Estamos a falar de um espaço completamente diferente, estamos a falar de um ciberespaço que não reconhece fronteiras, não reconhece soberanias. E são questões um pouco difusas quando falamos da aplicação da própria lei perante esta particularidade. A internet veio e generalizou-se. Felizmente está cada vez mais distribuída, porque a internet é algo de bom, no entanto, trouxe também o mau uso e o uso indevido da tecnologia. Por isso, a criminalidade teve essa passagem também para a parte digital, digamos assim.

Não havendo essas fronteiras, o papel de todas as polícias no mundo acaba por ser essencial e também que colaborem juntas?

Só pode ser assim. A prática de um crime, por muito simples que seja, como a utilização de um perfil do Facebook, de uma rede social qualquer, pode exigir que recolha prova num operador num outro país. Porque a comunicação não é estável, não é bidirecional, obriga à utilização de operadores de comunicações. Pode num momento ir por um determinado caminho e no momento a seguir utilizar outro caminho. Daí que a cooperação é essencial.

Por outro lado, quando falamos de cooperação temos também de pensar na capacidade que a própria tecnologia trouxe à prática do crime. Porque os criminosos usam a tecnologia como potenciadora das capacidades da criminalidade, usando todos os subterfúgios possíveis para encobrir a sua atividade e para dificultar, naturalmente, a ação das polícias.

Recentemente esteve em Portugal, na PJ, o diretor do FBI…

Sim, o que só revela que a nossa PJ está alinhada com todas as polícias no mundo e com aquelas em que é necessário estabelecer cooperação. 

Quais são as áreas em que essa colaboração é mais importante?

Estamos a falar de várias áreas. Na minha Unidade existem quatro áreas específicas muito, muito dependentes da cooperação internacional. Estamos a falar, por exemplo, de uma área que tem a ver com direitos pessoais, que é a pornografia de menores na internet. Aí a cooperação é essencial e ocorre diariamente na deteção de conteúdos que possam ter ligação ao nosso país e vice-versa. Depois temos a área dos meios de pagamento eletrónicos, que são utilizados na internet, que podem ter um cartão presente ou não. Mas também podemos pensar noutros meios de pagamento que estão a crescer, essencialmente os criptoativos, as criptomoedas. Em terceiro temos uma outra área, os chamados ciberataques, que não têm um espaço próprio para serem cometidos e são cometidos cada vez mais neste espaço global, onde o relevante é apurar a motivação que está subjacente. Naturalmente, grande parte do crime nessa matéria tem uma motivação patrimonial. Mas verificamos, e tem sido evidente neste período de conflito, a influência que isto pode ter mesmo entre os Estados. E a motivação não se resume exclusivamente a essa parte patrimonial e pode ter outras motivações associadas. 

Motivações políticas, eventualmente, de apoios? 

Não diria políticas, mas sim de apoios de defesa dos Estados, de contra informação, de superioridade de informação sobre determinados dados que podem interessar aos países, ou através de recursos próprios, ou através de pessoas que atuam em nome dos Estados. Essa parte dos ciberataques é naturalmente também uma componente muito importante e como se antevê é exigente, obriga a uma cooperação constante com todos os países. 

Depois temos ainda uma última área relacionada com a prática de ilícitos, as burlas praticadas com recursos a meios informáticos, as burlas informáticas, a questão do phishing, das money mules, o branqueamento de capitais, o ransomware, ou o malware, que é distribuído para efeitos de obtenção de ganhos ilícitos. Esta é outra área onde, mais uma vez, não podemos equacionar estarmos isolados. Até pela questão da língua, por exemplo, quando estamos, a falar do phishing.

Essa língua é o inglês? 

É o inglês e temos também a componente do português, aqui com uma grande influência, por exemplo, da comunidade brasileira. A língua é o suporte do artifício fraudulento que está subjacente a algumas mensagens de phishing. A mensagem tem de ser credível e para ser credível utiliza instituições credibilizadas e uma linguagem idêntica. 

Ninguém está livre de cair nessas burlas?

Estamos a falar de crime tecnológico, de crime informático, mas não nos podemos abstrair de que a fragilidade humana entra aqui com uma fatia de leão. Porque em 80 a 90% das situações, o que está subjacente à prática do ilícito informático é uma fragilidade humana. Foi uma password que descuidámos, foi uns dados que fornecemos e não devíamos ter fornecido. Foi um acesso a um link, foi um acesso a uma página, foi uma falta de autenticação que devíamos ter colocado em determinados acessos.

É nessa parte que também insistimos, porque é preciso investir em prevenção, é preciso investir em cultura de segurança, alertar as pessoas. E as pessoas têm de fazer parte deste processo, porque não podem dizer nunca que desta água não beberei. 

E quanto mais alerta estiverem melhor?

Claro. Temos de ter um sentido de alerta, porque é a perspetiva que temos no mundo físico. Já não chamaria virtual, já fujo à palavra virtual. Já não é nada virtual, já é real. É digital. Porque o virtual dá-nos uma sensação de inexistência que não é real, porque os perigos são iguais. E estão, se calhar, mais potenciados no uso das tecnologias e com o uso das tecnologias.

Na verdade, por exemplo, o criminoso pode estar em França, o servidor pode estar no Brasil?

Temos de associar todas essas facetas, que é a vítima, o criminoso, os meios de prova, onde se produzem os efeitos do crime. Antes, alguém que quisesse burlar era muito direcionado, tinha de procurar a vítima, não tinha um espectro tão grande como tem com a internet. Porque, agora, com uma simples ação, por exemplo, uma campanha de phishing, pode chegar a milhões de pessoas.

A vossa Unidade vai algum reforço nos próximos anos…

A Unidade tem crescido. Teve um reforço significativo nos últimos tempos que reflete a necessária adaptação dos meios à realidade criminosa que temos. E se o crime evolui nesse sentido, não é segredo nenhum a aposta que tem de ser feita no cibercrime e na criminalidade tecnológica. Na própria formação, na própria estabilização de quadros. Não podemos querer ser, neste particular, completamente generalistas. É verdade que temos de ter uma perceção daquilo que são os fenómenos criminais associados ao crime informático, mas depois há matérias tão intrincadas que nos vão obrigar a criar uma especialização concreta e a manter estáveis as estruturas de investigação, as equipas de investigação. Com naturais exigências de formação, de conhecimento, de informação relativamente àquilo que é a evolução do crime. 

Leia aqui a descrição de operações relatadas por Carlos Cabreiro onde esta cooperação internacional se revelou essencial na detenção dos criminosos e desmantelamento das atividades ilícitas.

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