opinião
Psicólogo da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Psicologia em tempo de guerra. Dissonância cognitiva e armas químicas

2 abr 2022, 12:00

"Psicologia em tempo de guerra", uma rubrica para ler no site da CNN Portugal

A dissonância cognitiva corresponde grosso modo a um estado em que nos encontramos quando uma realidade contraria as nossas crenças ou atitudes. Trata-se de uma experiência psicológica pela qual já certamente passamos inúmeras vezes na nossa vida. Quando aquilo em que acreditamos não é confirmado pela realidade, é natural que se instale um desconforto, cuja dimensão será proporcional à importância que o assunto tem para nós.

Sendo um estado frequente da experiência humana, também é um estado que procuramos resolver, isto é, quando nos encontramos numa situação em que as nossas crenças não são confirmadas pela realidade, procuramos resolver esse “desconforto psicológico” de alguma forma. A tentativa e a necessidade de reduzir ao máximo a experiência de dissonância é uma reação natural e as estratégias que utilizamos para tal encontram-se há muito estudadas em psicologia.

Uma das formas que utilizamos para resolver um estado de dissonância cognitiva envolve mudarmos a nossa crença ou atitude, isto é, quando a realidade não confirma o que pensamos, mudamos o que pensamos. Faz sentido?… Pode fazer, mas nem sempre é o que acontece. Na verdade, a forma como lidamos com informação ou com uma realidade contrária àquilo que pensamos nem sempre envolve mudar a nossa crença ou atitude inicial. Se é possível que essa mudança exista, também é possível - é até mais provável - que, mais do que mudarmos de ideias, reforcemos aquilo em que pensamos. Ou seja, a forma de lidarmos com aquele desconforto psicológico é reforçar e acreditar ainda no que à partida acreditávamos. Isto pode parecer pouco racional ou contra intuitivo, mas é um fenómeno frequentemente identificado em vários contextos, desde o desporto à política - e infelizmente pode também ser utilizado como uma lente para analisar a trágica situação que se vive na Ucrânia.

Com base somente na informação publicada, aparentemente a crença do invasor russo de que se trataria “somente” de uma operação in-out, em que bastaria invadir um país soberano, mudar o regime, e deixar o assunto arrumado, ficou frustrada. Pelo contrário, chegam-nos registos da resistência ucraniana e das dificuldades que as forças russas estão a sentir, os quais inclusivamente estão a afetar a moral das tropas - muitas delas sem saberem ao que iam - e a tornarem mais prováveis perspetiva de prolongamento do conflito se nada mudar entretanto.

Isto significa que se a crença inicial do invasor era uma e a realidade mostrou-se outra, poderão ser plausíveis estados de dissonância para lá da cortina. E, mais do que estarmos propriamente interessados na psique dos dirigentes russos, isto faz-nos pensar sobre como essa dissonância poderá ser resolvida… Se resolvemos as nossas dissonâncias cognitivas, ou mudando a atitude, ou então reforçando-a ainda mais (e radicalizando ou escalando para novos patamares), esperemos que a opinião pública internacional, a dinâmica dos contactos bilaterais, as pressões internas, as sanções e a ação do mundo livre possa fazer com a resolução de tal dissonância seja feita através do primeiro processo. Para bem da humanidade, da vida e do nosso tempo.

 

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