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Pinto da Costa faz de Madureira um herói e um mártir: fica tudo explicado, não é?

28 out 2024, 15:11

Jorge Nuno Pinto da Costa apresentou no domingo o seu livro “Azul Até ao Fim”, com aquilo a que se pode chamar uma capa dura.

Dura porque não é costume ver-se alguém, em vida, querer fazer a sua despedida ao lado de um caixão.

Dura porque, não obstante o respeito que as diferenças possam merecer, não é convencional selecionar amigos e inimigos de uma forma tão fria e até tão brutal.

Dura porque se podia inscrever numa campanha de marketing para vender mais livros, mas não faz sentido que seja, a não ser para a editora.

Quem posa ao lado de um caixão, com confessados problemas de saúde, não deve estar, digo eu, muito preocupado com o produto da venda dos livros.

Talvez seja uma aprendizagem este ensaio sobre a morte mas, convenhamos, é uma abordagem que, nos padrões tradicionais, só não choca os mortos. 

Porque a doença, numa sociedade civilizada, impõe respeito, porque normalmente  os pacientes impõem a si próprios recato ou uma visão mais tolerante do mundo que os rodeia.

Normalmente, em círculos mais fechados, e na privacidade, dão-se pistas do que se quer ou do que não se quer na hora da despedida.

Não foi o caso.

Pinto da Costa decidiu abrir o livro, com um à-vontade próximo de um reality show ou de um sketch parodiado pelo Herman José.

Pinto da Costa, ao escolher esta forma inusitada de anunciar a despedida, prova que não consegue estar sem palco e é isso que não perdoa a André Villas-Boas. A ousadia de se apresentar a eleições.

No fundo, Pinto da Costa foi sempre assim: polémico, desconcertante, ambivalente, jogador, diplomático e contraditório, ligeiramente mais consistente com os seus fiéis e seguidores e errático com aqueles que, por esta ou aquela razão, não lhe disseram sempre que sim. 

Difuso nas lealdades, embora com um tremendo sentido de humor como ainda ontem se viu na Alfândega do Porto.

Feiticeiro capaz de jogar o seu feitiço contra qualquer um. Tão duro quanto dócil.

Veja-se o caso de Sérgio Conceição, que defendeu com unhas e dentes enquanto lhe foi útil para passar uma mensagem de obstinação, de entrega, de apego a uma ideia de combate contra aquele inimigo que era preciso identificar para desviar atenções de uma estratégia concentracionária e anti-democrática. 

E, quando a maioria estava convencida de que havia uma espécie de pacto de sangue entre Pinto da Costa e Sérgio Conceição, à prova de bala, eis que o ex-presidente do FC Porto confessa que (em Março de 2023) não tinha condições de renovar com o seu treinador de eleição depois daquilo que ele havia dito (alusão ao difícil contexto de trabalhar em ambiente de fair-play financeiro), após o FC Porto-Inter, que marcou a eliminação da turma portista da Champions.

Mas, um ano depois, já informado de que teria pouco apoio em eleições, mudou de opinião, talvez num dos seus últimos actos de desespero e após se perceber que havia uma espécie de disputa pela compreensão de quem, afinal, devia mais a quem: Sérgio Conceição a Pinto da Costa ou Pinto da Costa a Sérgio Conceição?

Tão apaixonado e, finalmente, tão desapaixonado. Tantas zangas, tantas paixões, tantos desterros e tantas reaproximações, porque quiçá só uma coisa lhe fazia sentido: a eternidade como presidente e a devoção dos apóstolos.

A renovação do contrato com Sérgio Conceição acabaria por acontecer em vésperas de acto eleitoral, numa última cartada a partir da qual fosse possível inverter uma derrota humilhante (menos de 20% dos votos) perante André Villas-Boas.

Afinal, Pinto da Costa utilizou a mesma técnica camaleónica com todos: com o Benfica e o Sporting, com o SC Braga e o Vitória (de Guimarães), com o Portimonense e o Marítimo e, em tempos mais remotos, utilizou o Boavista (de Valentim Loureiro, hoje presente, pois claro) como quis, nos tempos em que a arbitragem estava exposta às janelas da sua degradação.

Várias pessoas no futebol foram-me dizendo ao longo dos anos e agora, recentemente, muito mais, que Pinto da Costa, verdadeiramente, feitas as contas, não gostava de ninguém. Gostava dos indefectíveis ou dos que fizeram sempre esse papel.

Utilizava as pessoas como queria e o problema, afinal, nunca esteve nele, mas naqueles que se deixaram usar, provavelmente enfeitiçadas pelo proveitos que o poder nem sempre dá.

E nisso, na eficácia, foi brilhante: colocou as algemas nos pulsos de parte importante da prodigiosa inteligentsia lusa e sempre se soube proteger.

Até ao momento em que se deslumbrou com o poder adquirido e começou a ficar muito claro que, nesse deslumbramento, o prejuízo maior estava a afectar profundamente a instituição que sempre disse amar acima de qualquer interesse.

Pinto da Costa foi o criador de uma criatura que, em determinado momento, já não conseguia conter a sua fome. 

Fome de controlo. A fome que o havia de o derrotar, inapelavelmente.

Foi já uma criatura desvairada e descontrolada nos seus impulsos anti-democráticos que se desnudou perante a “família portista”, em AG, está quase a completar-se um ano. E assim se acelerou o desmantelamento de um regime que já acusava sinais evidentes de clara degradação. 

E aqui estamos chegados: à apresentação espalhafatosa do pré-luto. Da construção de listas negras e douradas e da construção de um mausoléu para os traidores.

Não era assim que se devia ser Azul-Até ao Fim.
Azul-Até ao Fim seria uma saída pela porta grande, que aliás até lhe foi escancarada por André Villas-Boas.

A obra merecia uma capa diferente. Os troféus conquistados. A imagem do Dragão como símbolo de gente boa e ordeira a certa altura escondida pela imensidão da garra afiada. Os grandes protagonistas. Os artífices das vitórias. Mas não. A escolha foi para o caixão e para a negritude da vingança.

Pinto da Costa merecia mais de Pinto da Costa. E, sim, será Até ao Fim. Igual a si próprio. Sem contemplações.

A ligação entre Pinto da Costa e F. Madureira, hoje tornada umbilical, é a confissão tardia de um FC Porto comandado sem olhar a meios para atingir os fins. Foram anos assim. Hoje, a cegueira do ex-presidente só nos ajuda a compreender que o clube e o País embarcaram num embuste. Tudo está claro a partir desta “elevação” a mártir ou herói. Agora só se deixa enganar quem quer, quem beneficiou muito dos favores ou quem está “agarrado” pelas concessões que fez. 

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