"Funeral está pago para saber que vai ser como eu quero". Pinto da Costa escondeu de toda a gente que tem um cancro há três anos

25 ago, 21:19

Ex-presidente do FC Porto deixa três desejos para o dia em que se despedirem dele: quer a missa nas Antas, não quer ninguém de preto e há pessoas que estão proibidas de entrar

É a primeira e última vez que Jorge Nuno Pinto da Costa fala disto. A garantia é do próprio, ele que agora é um “cidadão normal”, depois de 60 anos dedicados ao FC Porto. O isto a que se refere é o cancro na próstata, diagnóstico que conhece há quase três anos, mas que manteve escondido de todos, mesmo da família, durante a esmagadora maioria desse período.

Numa longa entrevista dada a Sandra Felgueiras para o Jornal Nacional da TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal), o ex-presidente do FC Porto falou de tudo, assumindo pela primeira vez a sua condição de saúde, mas deixando sempre um lado enigmático sobre o quão grave poderá ser. Por um lado, garante que ainda vai completar 87 anos – fá-los a 28 de dezembro –, por outro, já pagou o funeral, sobretudo para garantir que tudo corre como deseja.

O diagnóstico, esse, foi do seu exclusivo conhecimento e dos médicos durante meses e meses a fio. À mulher manteve uma espécie de tabu quando ela descobriu que andava a tomar medicamentos e acabou por fazer a associação após uma busca na Internet – combinaram falar do caso como uma “prostatite”.

“Durante dois anos mantive em segredo. Só a minha mulher, mesmo eu a tendo enganado… combinámos que tinha uma prostatite, ainda hoje não sei o que é. A minha mulher, quando comecei a tomar remédios, foi ver na Internet para que eram e o que eram”, explicou na entrevista à TVI feita na Alfândega do Porto.

Só mais tarde, e depois de uma inevitável ida ao Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, é que Pinto da Costa sentiu necessidade de se abrir. Até aí tinha conseguido passar nos pingos da chuva com consultas na CUF, onde só lhe receitavam medicamentos, mas era necessário algo mais e aquele hospital não tinha “as máquinas” que se pediam.

“As máquinas” é a radioterapia, tratamento a que o ex-presidente do FC Porto já foi submetido uma vez, e sobre o qual ainda aguarda consulta, marcada para setembro, para saber se correu bem. Não correndo poderá ter de fazer nova ronda, sendo certo que não quer, em nenhuma circunstância, partir para algo mais agressivo, a quimioterapia. “Recusei-me. Quando soube os sintomas disse ‘prefiro viver menos, mas viver, do que durar mais e não viver”, recordou, explicando que a radioterapia terá tido efeitos, uma vez que tinha “uma dor” que desapareceu, ainda que tenha “um cutelo” sobre a cabeça.

“Sei desde o dia 8 de setembro de 2021 que tinha um cancro. Entendi, aliás digo num livro que escrevi que sairá em outubro, que combinei com os médicos que esse segredo, que para mim tinha sido desvendado, ficava comigo. Não queria ninguém à minha volta preocupado ou a sofrer com o facto de saber que estava doente, não alterei nada a minha vida, encarei como uma coisa natural”, referiu.

Não perca: Esta segunda-feira a segunda parte da entrevista a Jorge Nuno Pinto da Costa. Os "pecados", as operações que o visaram, a justiça e acusações de corrupção, os segredos do futebol, as "máfias" e o que mais deseja que aconteça no Porto e no mundo

Mas essa ida ao IPO, um passo no tratamento, acabou por obrigar à divulgação. Contou à filha que tinha um problema e que era preciso ver àquele instituto. À família estava revelado e a filha Joana foi com o pai ao tratamento.

Mas a presença no IPO significava outra coisa: mais tarde ou mais cedo, iria saber-se que Pinto da Costa tinha um problema oncológico, uma vez que até teve de tirar “para aí 50 fotografias”, incluindo com médicos.

“Só quando fui ao IPO fazer um tratamento, e muita gente me viu… é evidente que podemos ir ver alguém, mas não à zona dos tratamentos”, recordou, admitindo que a partir daí soube que o problema ia tornar-se público.

Funeral azul

Pelo sim, pelo não, uma coisa está garantida: o momento da despedida. Antecipando-se a um eventual percalço, Pinto da Costa decidiu pagar adiantado o seu funeral, mesmo perante a perplexidade das pessoas que contratou, que lhe disseram que “nunca tinha acontecido, que só pagavam depois da missa do sétimo dia”.

Mas o ex-presidente do FC Porto decidiu deixar tudo direitinho para “não empurrarem uns para os outros”. Mas também por outra razão: “Para saber que vai ser como eu quero”.

E como Pinto da Costa quer o funeral é simples: corpo na Igreja das Antas, no cimo da Alameda que vai dar ao Estádio do Dragão e onde vai todas as semanas à missa; toda a gente vestida de azul; sem pessoas que não quer que lá estejam.

Religioso como é, seria de esperar uma cerimónia do género, tal como seria de esperar que acontecesse no local onde passou a esmagadora parte da sua vida, primeiro no Estádio das Antas, depois no Estádio do Dragão.

Para quem vai, tem um recado: “Não quero ninguém de preto, tudo de azul. Não quero gravatas pretas, tudo de azul”.

Para quem não vai, não é um recado, é mesmo uma ordem: “Há pessoas que não quero lá, que não vou obviamente revelar, mas que estão no livro”. Muitas dessas pessoas, deixou a entender, fizeram parte da sua vida no contexto do FC Porto. Se André Villas-Boas, por exemplo, é uma delas, não revelou.

“Todos os que me traíram na vida estão fartos de saber. Não quero que o meu funeral seja, como vim em muitos, meia dúzia de pessoas à volta de um caixão com sentimentos de tristeza e outros cá fora a contar anedotas”, disse, falando numa hipocrisia pela qual não quer que a família e os amigos passem.

“Estou doente desde o dia em que nasci. No dia em que nascemos temos uma certeza, que vamos morrer. Não tenho certeza quando vou morrer… iminente não está, senão não estava aqui, estava a vestir o fatinho novo para o caixão”, terminou, com a habitual ironia, o que comprova que mentalmente está intacto.

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