Uma família judia que fugia dos nazis vendeu um Picasso em 1938. Os seus herdeiros querem-no de volta

CNN , Toyin Owoseje
4 fev 2023, 19:00
"Woman Ironing (La repasseuse,)", de Pablo Picasso (1904). Créditos: David Heald/Guggenheim Museum

Uma das pinturas do Período Azul de Pablo Picasso está no centro de um processo judicial entre uma família judia e o Museu Guggenheim de Nova Iorque.

Os herdeiros de Karl Adler e Rosi Jacobi querem a repatriação da obra-prima de 1904 do artista - "Woman Ironing (La repasseuse)" -, que alegam ter sido vendido sob coação quando o casal tentava escapar à perseguição dos nazis na sua Alemanha natal, em 1938.

O processo, apresentado no Supremo Tribunal de Manhattan no final de janeiro, declara que Adler adquiriu a obra de arte em 1916 ao proprietário da galeria de Munique Heinrich Thannhauser, mas vendeu-a bem abaixo do valor ao filho de Thannhauser, Justin, em 1938, por aproximadamente 1400 euros. O processo alega que um desesperado Adler sofreu uma perda substancial devido às circunstâncias da sua família.

"Adler não se teria desfeito do quadro na época e pelo preço que o fez, se não fosse a perseguição nazi a que ele e a sua família tinham sido, e continuariam a ser, sujeitos", diz a queixa.

No processo, os familiares declaram que Adler era presidente do conselho de administração do principal fabricante de couro da Europa, mas as coisas mudaram quando o "regime nazi na Alemanha destruiu as suas vidas".

Em 1938, a família fugiu da Alemanha, viajando pelos Países Baixos, França e Suíça antes de se estabelecer permanentemente na Argentina, segundo consta no processo.

Museu Guggenheim de Nova Iorque. Créditos: Brendan McDermid/Reuters

"Os Adlers precisavam de grandes quantias de dinheiro apenas para obter vistos de curto prazo durante o seu exílio na Europa. Incapazes de trabalhar, em fuga, e sem saber o que o futuro lhes reservava, os Adlers tiveram de liquidar o que puderam para conseguir rapidamente o máximo de dinheiro possível", de acordo com o processo.

Os herdeiros alegam que Thannhauser estava "a lucrar" com o infortúnio dos judeus alemães. Alegam também que "Thannhauser estava bem ciente da situação de Adler e da sua família, e que, sem a perseguição nazi, Adler nunca teria vendido o quadro quando o fez por tal preço".

Rosi Adler morreu em 1946 em Buenos Aires aos 68 anos, enquanto o seu marido Karl morreu aos 85 anos, em 1957, durante uma visita à sua terra natal.

"Woman Ironing" permaneceu na coleção de arte de Thannhauser até à sua morte em 1976. Foi depois oferecido, juntamente com o resto das suas obras de arte, ao Guggenheim em 1978.

Os descendentes de Adler, juntamente com várias organizações sem fins lucrativos e judaicas nomeadas como queixosas na ação coletiva, dizem na queixa que o quadro está "na posse indevida" da Fundação Solomon R. Guggenheim.

A família quer agora a devolução do quadro ou compensação proporcional ao seu valor de mercado atual, estimado entre 92 milhões e 185 milhões de euros.

O Museu Guggenheim disse à CNN que leva "muito a sério as questões de proveniência e os pedidos de restituição", mas acredita que este é um processo "sem mérito".

"A venda do quadro por Karl Adler a Justin Thannhauser foi uma transação justa entre as partes com uma relação duradoura e contínua", apontou o museu.

"A extensa pesquisa conduzida pelo Guggenheim desde que foi contactado pela primeira vez por um advogado que representa os queixosos demonstra que o Guggenheim é o legítimo proprietário do quadro", argumentou ainda.

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