PGR abre a porta a sanções disciplinares na greve dos funcionários judiciais

CNN Portugal , AM - notícia atualizada às 23:24
23 mar 2023, 23:02
Tribunais em risco de rutura por falta de funcionários judiciais

Segundo o Conselho Consultivo da PGR, pode estar em causa o “incumprimento parcial da atividade laboral”, o qual “constitui uma infração disciplinar” face ao estatuto dos funcionários judiciais

O Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) entende que o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a greve em curso “é inconclusivo” e não permite declarar a ilegalidade do protesto, ainda que abra a porta a sanções disciplinares.

“É um parecer que é inconclusivo, é um parecer que não vem dar razão ao MJ nem a quem dizia que a greve é ilícita. Nós ainda não tivemos tempo de fazer uma análise aprofundada das conclusões. Nas conclusões o parecer não diz que a greve é ilícita, refere um eventual cumprimento defeituoso do contrato de trabalho. Vamos analisar”, disse à Lusa António Marçal, presidente do SFJ, a propósito do parecer do Conselho Consultivo da PGR, já homologado pelo Ministério da Justiça (MJ) e hoje entregue ao sindicato pelo Governo.

O parecer, a que a Lusa teve acesso, admite, nas suas 12 conclusões, que o modelo de greve em curso – a alguns atos e diligências apenas, e não uma greve tradicional a todo o serviço durante determinado período – não permite a suspensão do contrato de trabalho pelo tempo em que decorre a greve.

“Continuando os funcionários judiciais a trabalhar, apesar de se recusarem a desempenhar algumas das suas funções, não há lugar à suspensão do contrato de trabalho, nem à correspondente perda do direito à retribuição”, lê-se no parecer, que aponta para o incumprimento do contrato de trabalho dos funcionários judiciais.

Segundo o Conselho Consultivo da PGR, pode estar em causa o “incumprimento parcial da atividade laboral”, o qual “constitui uma infração disciplinar” face ao estatuto dos funcionários judiciais, devendo ser “desencadeados os competentes procedimentos disciplinares e aplicadas as sanções que vieram a revelar-se justas”.

“Com efeito, o incumprimento parcial da atividade laboral, ainda que impropriamente denominado como ‘greve’, viola, pelo menos, os deveres de zelo e lealdade, na medida em que os funcionários devem ‘exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados” e ‘com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço”, conclui o parecer.

No documento refere-se ainda que o “incumprimento parcial da atividade laboral” pode acarretar “responsabilidade civil contratual, podendo originar o dever de indemnizar”, não só do ponto de vista da responsabilidade individual, como também dos próprios sindicatos.

Na fundamentação é referido que “os trabalhadores não podem estar ao mesmo tempo de greve e a trabalhar, suspendendo o contrato de trabalho para determinadas atividades e mantendo-as para as restantes”, acrescentando que “uma coisa é incompatível com a outra”.

No entanto, ressalvam que “o direito de greve” não pode “abranger situações que lhe são próximas, mas que, verdadeiramente, já não são uma greve”, acrescentando, a propósito da questão remuneratória que o que está em causa é uma “redução qualitativa da prestação laboral” e não quantitativa, pelo que “continua a haver uma prestação que deverá ser remunerada”.

"O que ressalta é que a greve não é, como muita gente dizia, assim tão ilícita, porque efetivamente o parecer não chega a essa conclusão. O parecer é isso mesmo, um parecer. Recorremos aos tribunais se entendermos que o que ali está de alguma forma lesa os trabalhadores e de alguma forma não está conforme ao nosso ordenamento jurídico", disse António Marçal, que acrescentou que eventuais responsabilidades disciplinares dos trabalhadores terão que ser avaliadas caso a caso, por não haver um "comportamento de massa".

Funcionários judiciais vão para tribunal se tutela não cumprir a lei nas progressões

O Sindicato dos Funcionários Judiciais admitiu vir a impugnar judicialmente o próximo movimento de oficiais de justiça se este não ocorrer de acordo com o que já foi decidido pelos tribunais relativamente às progressões dos trabalhadores.

Isso mesmo foi transmitido pelo SFJ ao secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Costa, na reunião que decorreu no Ministério da Justiça.

“Na próxima semana deverá sair o aviso para o movimento ordinário de oficiais de justiça de 2023 e dissemos que, caso lá não conste as promoções, tal como os tribunais têm vindo a dizer que é obrigatório e devido, então iremos lançar mão de algumas medidas que impeçam a administração de efetuar o movimento não cumprindo a lei”, disse à Lusa o presidente do sindicato, António Marçal.

O dirigente sindical adiantou que caso o aviso do movimento de funcionários não preveja as promoções de acordo com o cumprimento da lei, o SFJ avançará com uma ação no tribunal administrativo para pedir que “seja intimida” a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) de se abster da prática desse ato, mostrando-se convicto de que o tribunal lhes dará razão.

O presidente do sindicato recordou que existem várias decisões judiciais a dar razão às pretensões sindicais, incluindo um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que foi também tema da reunião no MJ, e em relação ao qual o Governo pediu uma aclaração.

“Isto é mais uma forma de empatar o jogo em vez de começarmos a resolver as questões que importa resolver. Da nossa parte mantém-se toda a disponibilidade para pacificarmos a vida nos tribunais, voltarmos a um funcionamento regular, na medida do possível, porque, como todos sabemos, enquanto não estiverem todos os lugares preenchidos, enquanto não houver funcionários em número suficiente para praticar todos os atos que são necessários, estamos sempre numa normalidade que já é uma anormalidade normal de há muitos anos”, disse.

António Marçal insistiu que para desconvocar a greve em curso – pedido que o secretário de Estado voltou a reiterar – basta que o Governo aceda a duas reivindicações dos funcionários judiciais: o pagamento do suplemento remuneratório em 14 meses, tal como chegou a constar em dois Orçamentos do Estado “aprovados com o voto do PS” e a questão da “regular progressão na carreira, com acesso às categorias superiores, mesmo que de uma forma faseada”.

“O próprio Presidente da República reconhece a justeza e razoabilidade daquilo que estamos a pedir e era mais do que tempo de isso ser feito”, disse, recordando o apoio de Marcelo Rebelo de Sousa, mas também do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, e do presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Soares.

A greve do poderá prolongar-se até 16 de abril.

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