Pelo Estreito de Ormuz, que liga o Médio Oriente ao resto do mundo, passa um quinto do comércio marítimo de todo o petróleo. Uma interdição, por mais breve que seja, será "extremamente danosa para a economia mundial", terá "impacto bastante significativo no preço do petróleo" e pode transformar-se numa "situação catastrófica", sobretudo para a Europa. "Aqui estamos nós outra vez no epicentro desta perturbação toda"
A gasolina, o gasóleo, o gás e todos os derivados do petróleo podem estar à beira de uma subida histórica. Depois subirá o custo da eletricidade, seguindo-se o preço de tudo o resto, à semelhança do que aconteceu na pandemia e depois da invasão da Ucrânia. E tudo isto pode acontecer porque, perante os novos conflitos com Israel, o Irão voltou a jogar a velha cartada: a ameaça de fechar o Estreito de Ormuz. Em menos de uma semana, os mercados reagiram e o barril petróleo já atingiu o valor mais alto dos últimos cinco meses. Mas porquê? Como podem 39 quilómetros de mar aberto ter tanto importância e deixar meio mundo em suspenso?
A resposta é simples: por aquele pedaço do Mar Arábico circulam 20,1 milhões de barris de petróleo por dia, com o preço do barril de crude a rondar os 75 dólares. É o mesmo que dizer 1,5 mil milhões de dólares em circulação a cada 24 horas. A explicação mais complexa e entrelaça-se com o clichê de que a História é cíclica, repete-se e, sobretudo, a Europa tende sistematicamente em cair nos mesmos erros.
António Costa Silva, antigo presidente da Comissão Executiva da Partex Oil and Gas e ministro da Economia do último governo de António Costa, não tem dúvidas: se o Irão cumprir a ameaça há "um impacto altamente desastroso", será "extremamente danoso para a economia mundial" e a "a situação pode ser catastrófica".
António Comprido, secretário-geral da Empresas Portuguesas de Combustíveis e Lubrificantes (EPCOL), sucessora da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (APETRO), não discorda do antigo ministro. O perito em petróleos lembra que pelo Estreito de Ormuz passa "uma parte significativa da produção dos países do Golfo" e que uma eventual interdição "obviamente teria um impacto bastante significativo, quer no preço do petróleo, quer em termos globais na economia mundial".
"Não seria uma boa notícia", assegura o secretário-geral da EPCOL.
A importância de Ormuz
O Estreito de Ormuz é tão importante para o comércio marítimo de petróleo que tem vindo a ser rotulado como o "principal gargalo do mundo". Costa Silva reafirma esta mesma importância e destaca que por aquela passagem marítima todos os dias são transportados, em média, "20 milhões de barris de petróleo". "Representa mais de 80% das importações do Japão e da Coreia do Sul, 42% da China e 25% da Europa, portanto, um bloqueio seria extremamente danoso para a economia mundial".
Basta pensar, por exemplo, em como as indústrias daqueles três países em concreto seriam afetadas. Os carros japoneses, os telemóveis sul-coreanos ou os milhares de produtos fabricados na China. Tudo poderia ficar mais caro.
Os dados do Departamento de Energia dos Estados Unidos corroboram a antevisão do antigo presidente da comissão executiva da Partex e mostram que cerca 27% de todo o comércio marítimo mundial de petróleo passa por aquela rota do Mar Arábico que separa Omã e os Emirados Árabes Unidos do Irão, bem como o Golfo Pérsico do Golfo de Omã.
Dos dez maiores exportadores mundiais de petróleo e derivados, cinco deles são Arábia Saudita, Iraque, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e o próprio Irão. Todos situados no Golfo Pérsico. Todos dependentes do Estreito de Ormuz. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA) em 2022, só esta mão cheia de países do Médio Oriente exportaram cerca de mil milhões de toneladas de crude e derivados. E, em termos financeiros, o Observatory of Economic Complexity (OEC) mostra que estes mesmos países - com exceção do Irão, por falta de dados - tiveram um volume de vendas de 408,1 mil milhões de dólares só em 2023.
O cenário pode ser complicado para a Economia global, mas Costa Silva encontra no passado algum conforto histórico. "Por várias vezes durante estas crises, o Irão ameaçou interditar o Estreito de Ormuz e nunca conseguiu". Exemplo disso mesmo foi o que aconteceu na década de 80 durante guerra entre o Irão e o Iraque, em que a ameaça iraniana foi a mesma, como recordou também Robert Yawger, diretor de futuros sobre energia da Mizuho Securities, à CNN Internacional após o choque entre petroleiros naquela mesma região provocado por interferências dos mísseis disparados contra Israel na terça-feira: "O Estreito de Ormuz nunca foi fechado".
Este é um problema para a economia mundial, mas que tem particular relevância para a Europa. No seguimento dos acontecimentos de 24 de fevereiro de 2022, a União Europeu reagiu à invasão da Ucrânia com os conhecidos pacotes de sanções, entre os quais está incluido o bloqueio ao "petróleo barato russo", como lhe chamou Costa Silva. A solução encontrada passou por centrar as importações europeias no Médio Oriente - sobretudo no Catar - e agora o problema parece estar prestes a repetir-se.
"A miopia dos dirigentes políticos ocidentais com o que se passou depois da invasão da Ucrânia levou à fragmentação do mercado mundial", aponta Costa Silva, considerando que, para a Europa, um eventual fecho de Ormuz é uma "situação particularmente difícil porque substituímos o petróleo barato russo exatamente pelo petróleo do Catar e pelas importações de outros países do Médio Oriente, que, só em 2022, aumentaram 42% e 180% as de gás".
"Portanto, aqui estamos nós outra vez no epicentro desta perturbação toda", diz Costa Silva.
Mesmo com uma interdição completa de Ormuz, António Comprido acredita que um cenário de "escassez de produto" não vai acontecer. Contudo, ao "tirar-se 10% ou 20% da produção global do mercado", o resultado "é óbvio: isso tem implicações a nível do preço".
Sem Ormuz, qual é a solução?
O secretário-geral da EPCOL antevê que, sem Ormuz, será necessário um mercado alternativo que pode passar por "outros países fora daquela zona aumentarem a produção". António Comprido teoriza que os Estados Unidos podem, por exemplo, reativar a extração dos chamados Shales Oils - um tipo de petróleo bruto extraído de formações geológicas de xisto. "Tem estado em baixa porque os preços desceram muito, passou a não ser muito compensador ter essa produção, mas com uma subida do preço será natural que muitos desses campos possam voltar à produção", diz.
"De alguma maneira, já poderia compensar", aponta António Comprido, lembrando que pode haver mais uma solução, mas... "depois há questões geopolíticas". "O embargo do petróleo russo é para continuar se Ormuz fechar ou poderia ser aliviado para fazer alguma compensação?", questiona.
Já o antigo ministro acredita que a hipótese Moscovo não é viável, por mais que a União Europeia o venha a desejar. "A Rússia reconverteu completamente as suas rotas e hoje está a fornecer petróleo e gás a todos os países asiáticos, incluindo a Índia e a China, reorientou completamente o seu abastecimento", refere, constatando que "pode pensar-se que eventualmente teria impacto o aliviar de sanções, mas o impacto seria reduzido, porque menos oferta disponível só vai aumentar a capacidade da Rússia exportar para os seus atuais". Com a guerra na Ucrânia passou a existir uma "cisão no funcionamento do mercado internacional de petróleo e gás" e Costa Silva não acredita que seja possível alterar esta nova realidade comercial num curto espaço de tempo.
E há uma rota alternativa ou um novo mercado exportador capaz colmatar esta falha? "Não, não há", diz Costa Silva, sem rodeios. O antigo ministro lembra que a Arábia Saudita tem um oleoduto que liga Abqaiq, no oeste do país, a Iambo, na costa do Mar Vermelho, e que pode tentar colmatar o fecho de Ormuz por essa via, mas esta solução não passa de uma mera gota no oceano petrolífero que deixa o território saudita diariamente. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), a Arábia Saudita produz por dia cerca de nove milhões de barris por opção própria, podendo atingir até um limite sustentável de 12 milhões por dia, mas o oleoduto de Iambo apenas consegue transportar um máximo de 5 milhões por dia, pouco mais de metade da produção atual, o que também não iria colmatar um fecho de Ormuz e obrigaria as petrolíferas sauditas a desacelerar a produção para evitar um superavit de petróleo. E desacelerar a produção, já se sabe, faz subir o preço.
"Podem diversificar parte da exportação, mas nunca toda a exportação, nunca o suficiente para colmatar uma falha desta grandeza", garante Costa Silva.
Perante a mesma questão de uma rota alternativa saudita pelo Estreito de Bab al-Mandab, António Comprido tende a crer que a rede de oleodutos na Arábia Saudita "não tem condições para compensar" uma interdição de Ormuz. Uma confirmação disso mesmo é Riade manter a exportação de petróleo por via marítima: "O transporte de petróleo por oleoduto é mais barato do que por via marítima, portanto, para se fazer o transporte marítimo é porque não há alternativas viáveis através de oleodutos, senão já estariam a ser usadas", explica.
Ormuz está aberto, mas o petróleo já está mais caro. Porquê?
Esta semana o preço do barril de petróleo aumentou, subiu, inflacionou e voltou a aumentar, sendo que o preço do petróleo já é o mais alto dos últimos cinco meses. Na terça-feira, após o acidente entre os dois petroleiros, a especulação de escalada do conflito entre Irão e Israel motivou a reação dos mercados e o preço do barril de petróleo disparou para o valor de 22 de de janeiro - 74,84 dólares.
O acidente provocou apenas provocou breves alterações nas rotas mercantes, mas os mercados não demoraram a reagir e o barril de Brent - valor de referência do petróleo - disparou 4%. Os barris passaram a custar, em média, 74,84 dólares. E este é o grande problema, como destaca Costa Silva, já que a perceção dos mercados pode, por si só, fazer disparar o preço do barril: "O preço já está a subir sem qualquer interdição, porque basta haver uma desestabilização ali e os mercados sentirem que a guerra se pode disseminar para outros países", aponta.
"Nestas situações, o que os mercados valorizam é o fator geopolítico. E, por causa disso mesmo, o nervosismo nesta altura é global", aponta Costa Silva, lembrando: "Não podemos esquecer que o Irão, sozinho, produz cerca de três milhões de barris de petróleo por dia e exporta dois milhões de barris. Apenas o Irão, se deixar exportar ou paralisar essa exportação, terá logo efeitos e, nesta altura, os mercados estão a avaliar o risco, mas os riscos são elevadíssimos".
O antigo ministro da Economia destaca que EUA e outros países já estão a enviar navios para águas mais próximas do Estreito de Ormuz "para ver o que é que vai acontecer", mas, ainda assim, e depois das notícias vindas dos EUA de que Donald Trump está a considerar um ataque direto contra Israel, pode ser desta que o Estreito de Ormuz fica pela primeira vez interditado à circulação mercante.
"A situação pode ser realmente catastrófica se isso acontecer. Esta guerra parece um completo desatino de um lado e do outro. É realmente a emoção a predominar sobre a razão, nesta altura, na política internacional. E, portanto, assim é muito difícil para a Economia", desabafa António Costa Silva.