6 respostas e 5 dúvidas sobre a nova variante Ómicron

29 nov 2021, 06:59
Nova variante da covid-19, Omicron

Poucos dias depois da descoberta da nova variante classificada “de preocupação”, há cada vez mais informação sobre a nova estirpe, mas continuam muitas interrogações

Ursula von der Leyen disse este domingo que o mundo está “numa corrida contra o tempo” por causa da nova variante do coronavírus. Uma corrida que ainda agora começou, na qual já temos algumas respostas, mas também muitas perguntas por responder. 

A quantos países já chegou?

Não há certezas. Já foram identificados casos positivos da nova variante omicron em mais de uma dúzia de países e territórios, atingindo já todos os continentes. 

A lista está sempre a ser atualizada e, para já, inclui: África do Sul e Botswana em África; Bélgica, Itália, Alemanha, Holanda, Dinamarca, República Checa, França, Reino Unido, Escócia e Portugal na Europa; Hong Kong na Ásia; Austrália na Oceania; Israel no Médio Oriente e Canadá na América do Norte.

Isto não significa que esta variante esteja apenas nestes países e territórios - apenas que já foi aí identificada. Mas estará disseminada por outros locais sem que se saiba. Por exemplo, o primeiro caso de omicron encontrado em Israel foi num viajante que tinha chegado do Malawi - mas oficialmente ainda não foi detetado qualquer caso neste país da África austral. O mesmo se passa com a Nigéria, de onde partiram os dois casos identificados esta segunda-feira no Canadá. O caso italiano é com um viajante que chegou de Moçambique.

Onde teve origem?

Essa é uma questão sob debate. O primeiro país onde esta variante se manifestou foi o Botswana, mas foram as autoridades de saúde sul-africanas que a identificaram e primeiro alertaram o mundo para o risco que esta variante pode colocar. 

Os investigadores sul-africanos têm sido muito louvados pela rapidez com que foram capazes de sequenciar esta variante e identificar as 32 mutações que se concentram na sua proteína espícula. Os Estados Unidos elogiaram este fim de semana os cientistas sul-africanos (por oposição à atitude dos chineses, no início da pandemia). Já há cerca de um ano as autoridades da África do Sul tinham mostrado enorme competência a identificar uma outra mutação, essa sim, com origem confirmada no país. 

O reverso desta competência técnica e transparência é que a África do Sul acabou por ficar rotulada como o país de origem desta mutação, e tem sido o principal alvo das restrições de viagens aéreas que estão a ser impostas um pouco por todo o mundo aos passageiros oriundos da África do Sul. É justo que um país seja penalizado pela competência na identificação de uma nova mutação e pela transparência na partilha de informação? - esta é a questão que muitos cientistas e meios de comunicação social internacionais têm colocado. 

O presidente sul-africano já lamentou a forma como inúmeros países estão a fechar fronteiras a quem sai da África do Sul. “A única coisa que esta proibição de viagens fará é prejudicar as economias dos países afetados e minar a sua capacidade de responder e recuperar da pandemia”.

Porque é que a variante se chama Ómicron?

A Organização Mundial de Saúde decidiu identificar as variantes de preocupação ou de interesse (ou seja, as que mostram mais potencial de disseminação) com letras do alfabeto grego, para evitar a estigmatização dos países onde é identificada cada nova estirpe (por isso deixou de se falar em variante inglesa, para se falar de variante delta, por exemplo). Até surgir esta variante, já havia 12 com o nome de letras gregas - esta devia receber a designação “nu”, a 13ª letra do alfabeto grego. Porém, “nu” soa demasiado parecido com “new”, a palavra inglesa que significa “novo” - e corria-se o risco de que esta estirpe ficasse para sempre como a “nova mutação”. A letra seguinte, “xi”, colocou outro problema à OMS: Xi é um nome de família muito comum na China, para além de ser o nome do atual presidente chinês, Xi Jinping. Consta que Pequim não demorou a mexer os cordelinhos para assegurar que nenhuma variante fosse batizada com o nome do homem mais poderoso do país, e um dos mais poderosos do mundo. Por essa razão, a OMS saltou duas letras do alfabeto grego e esta variante acabou por ser designada “Ómicron”, a 15ª letra do alfabeto grego.

O que é uma variante de preocupação?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reuniu de emergência na sexta-feira para avaliar os dados preliminares desta nova estirpe, e não hesitou em classificá-la como “variante de preocupação”. Este rótulo é dado às estirpes associadas com maior transmissibilidade ou maior virulência - aquelas que têm mais capacidade de contágio ou que provocam doença mais grave - mas também às que possam eventualmente apresentar mais capacidade de resistir ou escapar às vacinas existentes, ou a medidas não farmacológicas de mitigação da doença. Esta é a quinta “variante de preocupação” do SARS-Cov2 identificada pela OMS. 

É mais transmissível?

Tudo indica que sim, mas são precisos mais estudos. Os dados recolhidos na África do Sul sobre a elevada transmissibilidade desta variante foram um dos fundamentos para a classificação como variante de preocupação. No comunicado de sexta-feira passada, a OMS notou que a variante omicron tem sido detetada na África do Sul a uma velocidade muito mais acelerada do que as variantes que provocaram outras vagas, o que sugere que “pode ter vantagem no crescimento”.

Mas a mesma OMS assume, num comunicado de domingo à noite, que precisa de mais estudos epidemiológicos para tirar a limpo se a rapidez de propagação verificada na África do Sul se deve às caraterísticas desta variante ou a outros fatores que possam estar a escapar aos investigadores. Sabe-se que é uma variante altamente contagiosa, a questão é se será mais transmissível em relação ao vírus original, de Whuan, e em relação à variante delta, que se tornou dominante em todo o mundo. 

Pelo que se viu na África do Sul, a omicron parece bastante mais competente a transmitir-se do que a delta. Cálculos publicados pelo Financial Times na sexta-feira passada indicam que ainda nenhuma variante foi tão rápida como esta a contagiar novos pacientes. 

Um modelo matemático citado no Twitter pelo investigador norte-americano Eric Feigl-Ding (um dos virologistas mais conhecidos do EUA) aponta para uma capacidade de contágio até 500 vezes superior à da estirpe original. 

Porquê a alta transmissibilidade?

Por causa de uma “constelação rara” de 50 mutações, das quais 32 são na proteína espícula, a parte do vírus que se agarra às células humanas e força um ponto de entrada. É esta parte do vírus (spike, em inglês) que as vacinas de RNA mensageiro ensinam o organismo humano a reconhecer, respondendo com anticorpos sempre que essa proteína é identificada. Uma quantidade tão grande de mutações na proteína espícula pode significar que o vírus consegue esconder-se dos anticorpos e/ou ser mais eficaz a encontrar uma “porta” para as células humanas.

A variante delta tinha 17 mutações no spike; a Ómicron tem mais do dobro. Para além disso, na nova variante o recetor ACE2 (a proteína que provoca o ponto de entrada do coronavírus nas células humanas) tem 10 mutações. A variante delta tem duas mutações nesse mesmo recetor; e a variante beta (também surgida na África do Sul, no final de 2020) tem três.

A Ómicron é mais perigosa?

Não se sabe. O facto de uma variante ser mais transmissível (ou seja, mais contagiosa) não significa que seja mais virulenta - pode não causar doença mais grave do que outras variantes. Essa é uma das questões a que os investigadores estão a tentar responder. Para já não existe qualquer evidência de que as consequências desta variante sejam diferentes dos efeitos das estirpes anteriores. 

Os dados preliminares oriundos da África do Sul apontam para um grande aumento dos números de hospitalizações - mas esse crescimento pode ser apenas uma consequência matemática de haver um grande aumento de pessoas infetadas, e não o resultado de uma variante mais perigosa. 

Por outro lado, os primeiros casos de pacientes sul-africanos com Ómicron registaram em geral sintomas ligeiros, o que passou a ideia de que esta variante poderia ser menos virulenta. Mas a amostra pode ter enviesado essas primeiras conclusões: os casos iniciais foram reportados em estudantes universitários, todos jovens e saudáveis, população que em geral tem sintomas menos severos. Só com mais casos, e face a diferentes estratos de população - sobretudo mais idosos e vulneráveis -, será possível chegar a conclusões fiáveis sobre a severidade da doença provocada pela omicron. 

Tem mais hipótese de reinfetar quem já esteve doente?

Parece que sim. Já havia dúvidas sobre a imunidade natural adquirida por quem teve covid e recuperou - por essa razão os recuperados começaram a levar pelo menos uma dose de vacina. Aparentemente a variante Ómicron, sendo mais competente a agarrar-se às células humanas e a encontrar um ponto de entrada, escapando aos anti-corpos, poderá reinfetar mais facilmente quem já esteve doente. Citando a OMS, com a Ómicron há “um risco acrescido de reinfeção” em comparação com outras variantes de preocupação.

As vacinas existentes protegem-nos da Ómicron?

Essa é outra pergunta ainda sem resposta. Os testes para verificar se os anticorpos produzidos pela vacina neutralizam a variante Ómicron já estão a decorrer e, segundo o norte-americano Anthony Fauci, teremos respostas dentro de duas semanas. Nenhuma das vacinas atualmente existentes garante que as pessoas não sejam infetadas com SARS-Cov2, qualquer que seja a variante de que falamos. Com a variante delta, verificou-se uma diminuição da efetividade da vacina na proteção em relação ao contágio, mas a verdade é que esta nunca foi de 100%. 

Aquilo em que as vacinas têm dado excelente conta do recado é a proteger em relação a doença grave, capaz de exigir internamento, internamento em cuidados intensivos, ou de provocar morte. Por essa razão, mesmo países onde a incidência voltou a aumentar, não registam maior pressão sobre o sistema de saúde por parte da população vacinada. 

Será assim também com a Ómicron? É cedo para saber, e os dados conhecidos até agora dão pistas diferentes conforme aquilo de que estamos a falar. 

É provável que esta variante, sendo mais competente a infetar os humanos, seja também mais capaz de iludir os anticorpos de quem já está vacinado. Chama-se a isso escape vacinal. Do que se sabe até agora, esta pode ser a variante com maior escape vacinal desde que existem vacinas contra o SARS-Cov2. Aliás, os dois primeiros casos identificados em Hong Kong foram com dois homens que estavam duplamente vacinados com a vacina da Pfizer. A idade não ajuda a explicar estes casos: um dos homens tem 36 anos, o outro tem 62. O momento em que levaram a vacina também não dá grandes pistas: ambos foram vacinados em maio/junho, ou seja, há menos de seis meses, pelo que deveriam estar ainda no período de grande efetividade do fármaco. 

O caso pode ser diferente quando olhamos para a proteção em relação a doença sintomática, ou grave. Até agora não há registo de pacientes vacinados que tenham desenvolvido doença grave devido a esta variante - ou, pelo menos, doença mais grave do que se verificava com a variante delta. Em todo o caso, só teremos respostas seguras sobre as vacinas conforme haja mais ensaios clínicos, e mais tempo para se ver o que acontece no mundo real. 

Os fabricantes das vacinas admitem que a necessidade de doses de reforço pode ser mais premente face à Ómicron. Mas a Moderna e a Pfizer já disseram que estão prontos para afinar as vacinas tendo em conta as caraterísticas específicas desta variante. Essa é uma das grandes vantagens da tecnologia de RNA mensageiro: a vacina pode ser reprogramada, em relativamente pouco tempo, à medida de uma nova variante.

Justifica-se continuar a dar doses de reforço?

Sim. Para já, é esse o caminho apontado pelos investigadores.

“Com base no que aprendemos até agora com a alfa, a beta, a gama e a delta, as vacinas que foram criadas contra o vírus original ainda funcionam, e os reforços funcionam particularmente bem. Esse é um ponto importante. (...) O reforço basicamente aumenta a capacidade de reconhecer todos os tipos de proteínas espículas diferentes que nunca tínhamos visto”, disse ontem à noite, na CNN, o diretor do National Institutes of Health dos EUA, Francis Collins.

Anthony Fauci reforçou esta ideia noutro canal de televisão. "Com os reforços [de vacina] que temos feito ultimamente, o nível de anticorpos neutralizantes sobe o suficiente para cobrir as diferentes variantes, incluindo a variante delta. O que nos torna ainda mais enfáticos ao dizer, mesmo perante uma variante que ainda não sabemos como reagirá aos anticorpos induzidos pela vacina, que ser vacinado e obter o reforço aumenta o nível de proteção. Não acho que haja qualquer possibilidade de que isso possa escapar completamente à proteção pela vacina. Pode diminuí-la um pouco, mas é por isso que fazemos os reforços."

Os atuais testes detetam a variante Ómicron?

Sim. É até bastante fácil de detetar com os testes de PCR que temos atualmente. Isto, porque na variante Ómicron falta um dos genes que os testes PCR identificam - e essa ausência do gene S parece ser uma forma segura de identificar que estamos perante a nova variante. Entretanto, estão a ser desenvolvidos estudos para perceber se também os testes rápidos de antigénio são eficazes na deteção desta variante.

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