Subida da inflação deverá obrigar Governo a rever aumento das pensões para 2023

31 out 2022, 11:00
Idosos

O ministro das Finanças, Fernando Medina, garantiu que caso a inflação viesse a ultrapassar as estimativas do Governo o aumento já aprovado seria revisto para que nenhum pensionista ficasse prejudicado. Só uma taxa de inflação negativa em novembro permitiria que estimativas das Finanças fossem cumpridas

A estimativa usada pelo Governo para calcular o aumento das pensões para 2023 já estava ameaçada com os dados da inflação de setembro, mas os valores da taxa de inflação referentes a outubro divulgados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) tornam quase impossível que essa estimativa se venha a concretizar. E assim, ou o Governo sobe o aumento de pensões que definiu, ou os pensionistas serão duplamente prejudicados.

Esta é, no entanto, uma hipótese pouco provável a acreditar na garantia dada pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, durante a conferência de imprensa de apresentação do Orçamento do Estado para 2023. "Se a inflação em novembro for superior ao previsto (…) asseguraremos a neutralidade de acordo com o que seria a aplicação da fórmula no que é o somatório do apoio extraordinário com a atualização de 2023", garantiu Medina aos jornalistas a 10 de outubro.

Entretanto, esta segunda-feira, já depois de este artigo ter sido publicado, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em resposta a questões enviadas na passada sexta-feira pela CNN Portugal, veio garantir que o aumento será revisto se houver necessidade de o fazer.

"O Governo procederá, se necessário, à atualização dos valores dos aumentos das pensões, em função da publicação pelo INE, em dezembro de 2022, dos dados do IPC sem habitação relativos a novembro. Conforme foi sempre assumido, os valores da atualização das pensões em janeiro de 2023, em conjugação com o Complemento excecional a pensionista (já pago em outubro de 2022 a 2,7 milhões de pensionistas) deverão cumprir o valor do mecanismo de atualização das pensões", assegura fonte oficial daquele Ministério.

A estimativa de aumento das pensões foi apresentada pela primeira vez um mês antes, a 5 de setembro, quando o primeiro-ministro, António Costa, apresentou um conjunto de medidas para as famílias enfrentarem os efeitos de uma inflação galopante. O pacote, batizado de “Famílias Primeiro”, ficou marcado por uma medida: o Governo iria atribuir em outubro um bónus aos pensionistas, de meia pensão, e, em contrapartida, os aumentos para 2023 não seguiriam a fórmula prevista na lei.

Esses aumentos de 2023 seriam bastante inferiores aos que resultariam da fórmula legal, mas compensados pela meia pensão paga em 2022.

Um “truque” que o Governo rejeitou desde a primeira hora, com o primeiro-ministro a garantir que a soma do bónus pago em 2022 com os aumentos a atribuir em 2023 deixaria todos os pensionistas com exatamente o mesmo valor do que resultaria caso não houvesse bónus e a lei de aumento das pensões fosse seguida à risca.

Para 2024, António Costa disse que logo se veria. Mas o certo é que, se nada for feito e apenas se aplicar a lei de aumento das pensões, os pensionistas sairão prejudicados em 2024, porque os aumentos para esse ano e para os seguintes será sempre feito a partir de uma base mais baixa.

No mesmo dia 5 de setembro, o Governo entregava no Parlamento a proposta de lei onde se definia à centésima qual seria o aumento dos pensionistas para o próximo ano.

Mas não era este o aumento que estava previsto na lei e que deveria ter sido aplicado caso o Governo não tivesse decidido avançar com o bónus de meia pensão já entregue aos pensionistas.

O aumento deveria seguir as regras que estabelecem que a subida das pensões deve ter em conta o crescimento económico real nos últimos dois anos terminados no terceiro trimestre deste ano e a taxa de inflação média, sem habitação, registada em novembro, também deste ano.

Nos últimos dois anos não há dúvidas de que a economia cresceu mais do que 3%. Em 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 5,5% e, este ano, segundo as previsões do Banco de Portugal deverá crescer 6,7%.

Assim, apenas a última coluna da tabela é relevante para os aumentos de 2023.

E olhando para essa coluna e para as pensões de maior valor, o aumento no próximo ano teria de ser igual à taxa de inflação. Para as restantes, o aumento ainda teria de ser maior, devendo adicionar-se à taxa de inflação uma percentagem do crescimento económico.

Mas os dados necessários para saber o aumento, em concreto, ainda não são conhecidos, até porque os dados da inflação de novembro apenas serão divulgados pelo INE no final do próximo mês.

As estimativas do Governo

E é por os dois valores ainda não serem conhecidos quando o Governo apresentou o pacote de apoio às famílias, que utilizou estimativas.

Quando o Governo apresentou o pacote “Famílias Primeiro” veio dizer duas coisas: que iria dar meia pensão em outubro a cada pensionista e que iria criar um regime transitório de atualização das pensões.

Na prática, o Governo determina que o aumento das pensões em 2023 se processe por valores mais baixos do que os que resultariam se a lei atual fosse aplicada:

E porque é que o Governo decidiu estes aumentos tão específicos e não outros? Porque o primeiro-ministro garantiu que, somando a meia pensão dada este ano, com o aumento definido para 2023, os pensionistas ficariam exatamente na mesma situação da que resultaria se seguisse a lei que ainda está em vigor.

E para o demonstrar António Costa apresentou qual seria o aumento para 2023 com base na lei atual: iria variar entre 7,1% e 8%.

E com base nestes números, a garantia de António Costa confirma-se.

Um pensionista que receba 3.000 euros por exemplo já recebeu este mês 1.500 euros de bónus. Em 2023, no entanto, terá um aumento de 3,53% e não de 7,1% que resultaria da lei.

Na prática, a pensão aumentará para 3.105 e não para 3.213 euros. A diferença é de pouco mais de 107 euros por mês ou de 1.499,4 no conjunto de 2023. Praticamente o mesmo valor que recebe em outubro deste ano.

Para as pensões mais baixas o raciocínio é o mesmo.

Um pensionista que receba 600 euros vai receber este mês 300 euros de bónus. Mas no próximo ano, em vez de ver a sua pensão aumentar 8%, nas contas do Governo, terá a sua pensão a subir apenas 4,43%.

Na prática, em 2023, a pensão em vez de aumentar para 648 euros, apenas irá aumentar para 626,58 euros, uma diferença de 21,42 euros por mês ou de 299,88 euros no conjunto do ano. Praticamente o mesmo valor do bónus que recebe em outubro.

O problema é que a estimativa feita pelo Governo para a inflação corre o risco de falhar.

Pelas contas do Governo, a estimativa que apresenta para a inflação média sem habitação, em novembro, é de 7,1%. Porque tendo António Costa definido este valor como montante mínimo de aumento das pensões se a atual lei fosse aplicada, este terá de ser o valor de subida média de preços que o Governo prevê que venha a ocorrer em novembro, sem habitação.

Será?

Os últimos dados disponíveis, referentes a outubro, mostram que a inflação média, sem habitação, atingiu 6,83%. Mas mesmo num cenário em que os preços sem habitação não crescem mensalmente em novembro, a taxa média será de 7,4%. E se os preços crescerem em novembro tanto como cresceram em outubro, então este valor seria de 7,6%. Para atingir os 7,1% projetados pelo Governo, a taxa de inflação mensal sem habitação teria de recuar mais de 3%.

Usando como exemplo o mesmo pensionista que recebe 3.000 euros, se a taxa de inflação média sem habitação vier a ser de 7,4% em novembro, então a sua pensão deveria aumentar para 3.222 euros, mas pela lei que está aprovada, apenas vai aumentar para 3.105 euros. Uma diferença de 117 euros por mês ou de 1.638 euros no conjunto do próximo ano. Ou seja, perderia mais de 183 euros porque este ano apenas recebeu de bónus 1.500 euros.

Artigo atualizado dia 31 de outubro pelas 18:45 para acrescentar resposta do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

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