O português que via o pai saltar de penhascos e se tornou dos melhores do mundo

10 mar 2023, 09:17

Pedro Salgado é uma das referências internacionais de parkour: já ganhou quatro mundiais, entrou em filmes, fez publicidade, deu aulas e correu o mundo. Mas no fim regressa sempre a casa. Nascido em Lisboa e criado na Margem Sul, deixou a escola para se dedicar aos saltos e nunca mais parou. Ele que herdou a paixão pelo desporto e pelo ar livre do pai, que acompanhava nos dias de pesca, enquanto sonhava ser como ele.

Pedro Salgado é uma daquelas pessoas intensamente urbana. Nascido em Lisboa, há 32 anos, cresceu na Margem Sul e aprendeu a fazer das ruas uma tela em branco: espaço de criação para expressar a sua arte. Pelo caminho tornou-se um dos melhores do mundo.

Já venceu quatro mundiais, somou vários segundos lugares e recentemente foi convidado pela Red Bull a tornar-se júri do Art of Motion: a mais conhecida competição de parkour.

Hoje é, portanto, uma referência mundial, ele que abraçou a modalidade quando nem sabia o que ela era. Só sabia que gostava de saltar por cima de obstáculos, correr, desafiar o medo. Hoje não se imagina a fazer outra coisa: o parkour tomou-lhe conta da cabeça, e do coração.

«Não tenho hipóteses. Vou a andar pela rua e já estou a ver coisas. Eu não consigo não ver. É como se tivesse um superpoder, em que eu olho para a rua e já vi. Isto dava para ir por aqui, subir ali, saltar por aquele lado. Não é uma coisa que procuro, é uma coisa que vejo naturalmente. Estamos sempre à procura do spot ideal quando estamos na rua.»

Capítulo 1 – Tudo começou a ver o pai saltar de penhascos

O Maisfutebol encontrou-se com Pedro Salgado em Almada, para onde se mudou depois de ter crescido na Amora. Por entre torres gastas pelo tempo, numa zona habitacional, fala-se durante cerca de uma hora da história dele e da história da própria modalidade.

«O meu pai foi uma grande inspiração. Ele era super ligado ao desporto, jogava à bola, corria, fazia saltos para a água. E isso dos saltos para a água foi uma das coisas que mais me marcou. Eu tinha uns 12, 13, 14 anos, ia com ele à pesca para a praia do Tamariz, no Estoril, ou então Sesimbra, onde tinha uns penhascos. Ficávamos ali com as canas à espera e enquanto esperávamos íamos à água. Saltávamos do pontão do Tamariz ou subíamos às rochas, íamos para os cliffs, via-o saltar desses sítios altos e ficava uau, eu gostava de fazer isto, eu quero fazer isto. Comecei a aprender a saltar para a água.»

O pai era um homem da rua. Gostava de liberdade e de andar ao ar livre. Pedro Salgado herdou essa paixão, que mais tarde se tornou um estilo de vida para ele.

«Entretanto na escola, num mundo paralelo, tinha um grupo de amigos que estava sempre a brincar aos saltos. Nessa altura o parkour já estava a ganhar projeção em França, mas eu nem sabia que aquilo tinha um nome. Estava simplesmente a brincar com os meus amigos, a saltar por cima de mesas, a usar a minha hora de almoço para ir para o ginásio: basicamente usava o meu tempo de almoço para ir tentar aprender mais qualquer coisa», conta.

«Nessa altura conheci um rapaz, que uma amiga minha me apresentou, que fazia a mesma coisa que eu. Ele realmente sabia o que é o parkour. Mostrou-me vídeos no Dailymotion, não havia muita coisa, mas eu fiquei super colado naquilo. Só queria ir para rua experimentar o que estava a ver e comecei a praticar todos os dias. Nessa altura não fazia ideia do que estava a fazer, era só pelo divertimento. Brincar, completamente. Era brincar ao parkour e é uma das melhores formas de treinar. Porque é assim que se evolui, sem sequer dar conta que se está a evoluir. Até que chega um dia: Ok, já estou a fazer coisas relativamente impressionantes

Pedro Salgado diz que o segredo é nunca deixa morrer a criança que vive dentro de nós. Gostar de correr, de saltar, viver com emoção e ser feliz.

Aliás, quando era mais novo chegou a ter um emprego com um excelente ordenado, como cara de uma empresa americana que queria lançar uma marca para a comunidade de parkour.

Durante três anos produziu conteúdos, desenvolveu as redes sociais, conseguiu ultrapassar o milhão de seguidores no Facebook. Mas o rumo da marca não estava a ser o que ele queria, até porque os responsáveis não viviam o parkour como ele, e por isso saltou fora.

«Prefiro a liberdade de não ter a cabeça cheia de coisas, do que ter um ordenado estável mas estar sempre estressado. Fica aí com o teu negócio que eu fico aqui com os meus saltos.»

Capítulo 2 – O fim da escola e o primeiro trabalho no parkour

Pedro Salgado lembra que quando estava na escola mais amigos começaram a juntar-se ao grupo dele, que já não se limitava a saltar por cima de mesas. Todos os dias às nove da manhã estavam num parque na Amora para treinar  novas façanhas.

«Às vezes faltava à escola para ir treinar. Aliás, deixei a escola para treinar, aos 17 anos. Tinha acabado o 11º ano, a minha mãe insistiu comigo para fazer o 12º, mas não era aquilo que eu queria. Eu queria era fazer parkour. Ela disse-me: Ok, sais da escola, mas tens de ir trabalhar. Fui para o McDonalds e estive lá três ou quatro meses.»

Entretanto já tinha enviado emails para todas as agências de duplos que descobriu em Lisboa e foi através de um contacto numa dessas agências que chegou o primeiro convite.

«Chamaram-me para fazer um repérage, a mostrar os melhores spots para fazer parkour em Lisboa. Eu não me limitei a indicar os sítios, também dei uns saltinhos para mostrar o que de facto dava para fazer em cada local. O realizador viu e disse que me queria no anúncio. Juntei-me ao anúncio e o que me pagaram correspondia a um ano de McDonalds. Fui mostrar o recibo à minha mãe e disse-lhe: Vou mas é treinar. Deixei o McDonalds, a pensar que iam aparecer mais trabalhos, mas não apareceram e fiquei uns tempos sem fazer nada.»

Capítulo 3 – O início da competição e o primeiro título mundial

Pedro Salgado voltou para os seus locais preferidos, com os amigos de sempre, a experimentar novas manobras e mais aventuras. A maior parte dos dias atravessa a ponte e vai para Lisboa, onde diz estar um dos melhores sítios do mundo para fazer parkour.

«Por isso a cidade está sempre cheia de turistas de parkour. Temos montes de spots criados pela arquitetura random, temos muitos desníveis e temos um tempo fantástico, está sempre sol, não neva, dá quase sempre para treinar», revela.

«Ainda agora esteve cá um grupo de 50 alemães e austríacos. Só para treinar. Eles não vieram ver a Torre de Belém. Vieram apenas à procura de spots de parkour, muros que ninguém sabe onde são porque não são locais turísticos. O parkour já é uma forma de turismo, mas não sei se os lisboetas querem 50 turistas a saltar ao lado da casa deles.»

Enquanto voltava a divertir-se com os amigos, Pedro Salgado ia fazendo pequenos trabalhos: sobretudo demonstrações e eventos por todo o país. Pelo meio criou uma equipa, a Lion Team, que era a equipa de parkour da Linha de Cascais.

«Em 2010 um dos amigos dessa equipa disse-me que tinha ido a uma competição mundial e que gostou bastante, que aquilo não era nada do que o pessoal pensava. Isto porque no início o pessoal do parkour era todo purista e completamente contra a competição», conta.

«Então em 2011 eu não tinha dinheiro para ir à competição mundial, mas o meu melhor amigo pagou-me a viagem e disse-me: Eu pago, mas tens de ganhar. Eu nem sequer estava a pensar na competição. Eu pensava, acima de tudo, que era uma viagem a Berlim e que ia treinar com pessoal de mundo todo. Brutal, era mesmo isto que eu queria. Fui com esse meu amigo que tinha ido no ano anterior e ganhei. Aquilo tinha duas competições: Speed e Style. Eu só fiz a competição de Speed e ganhei. Fiquei tipo: Uau, what tha fuck? A partir daí o meu nome cresceu e comecei a ser chamado para vários eventos, para outras competições, ganhei quatro mundiais e fui conhecendo muita gente do parkour.»

Capítulo 4 – A estreia no mundo de Bollywood

Uma das muitas pessoas que o troféu mundial lhe apresentou foi um norte americano que fazia trabalhos como duplo em filmes. Basicamente quando é necessário criar um superherói, que pule por cima de telhados e se salte de pontes, os realizadores recorrem ao parkour.

«Recomendou-me para um trabalho em Bollywood, porque ele não podia ir, e lá fui para a Índia. Eu já tinha feito trabalho em novelas e coisas pequenas em Portugal, mas um filme nunca. Passei lá cinco semanas, a filmar todos os dias, debaixo de uma temperatura de 42 graus, com uma peruca gigante. Foi de trabalhos mais exaustivos que eu já tive», garante.

«Mas adorei. Adorei a cena de construir algo com uma skill minha e fazer com que a personagem pareça um superherói. Depois disso já fui chamado mais vezes para Bollywood. Também tenho feito publicidades por toda a Europa. Espanha, Países Baixos, Turquia, Itália. Estados Unidos, também. Enfim, por todo o lado.»

Pelo meio viveu seis meses na Noruega, para onde foi convidado a desenhar um ginásio e dar aulas de parkour, e viveu dois anos nos Países Baixos, quando se juntou aos Jump Freerun.

«Não tinha nada em Lisboa que me prendesse, fui para Den Hag e acabei por ficar dois anos. Treinei, dei aulas, fiz trabalhos de stunt, fiz publicidades, viajei e participei em competições.»

Capítulo 5 – O segredo para respeitar o perigo e não ouvir o medo

Regressou a Lisboa seduzido pela tal proposta de ser a cara de uma marca para a comunidade de parkour, até que achou que aquilo não era para ele e voltou a ser freelancer.

Pedro Salgado é sobretudo um apaixonado pela vida, um rapaz que sorri muitas vezes, que estima o bem-estar e o sentimento de liberdade que o parkour lhe transmite. Embora admita que o tempo o aproximou dos filmes, que se tornaram também um grande amor.

Aos 32 anos ainda tem muitas paredes para subir, muito telhados para correr, muitos prédios para saltar. Mas há uma coisa segura: gostava de um dia, mais tarde, ficar ligado ao cinema.

«Vejo-me no mundo dos filmes como action director, porque tenho bastante capacidade de desenhar aquilo que pode acontecer. Tenho muita imaginação e criatividade, consigo perceber o que é que é possível fazer e é uma coisa que eu gosto. Adoro fazer parte de uma crew que está a trabalhar toda para uma cena em conjunto.»

Até porque muitas vezes falta às pessoas noção do que é realmente perigoso. E se há coisa que ele não faz, é brincar com o perigo. É preciso saber respeitá-lo.

«Eu não vou arriscar a minha vida por um salto. Se eu vir que aquele salto é arriscado, mas sentir que consigo, se estiver cem por cento seguro que é tranquilo e que naquele dia estou a sentir, eu faço. Se for por outra pessoa dizer olha, faz lá isto aqui, mas eu sentir que é perigoso, eu não faço. Não faço saltos por um vídeo ou porque sim», garante.

«Se for um trabalho, não vou arriscar nada. As pessoas até podem pensar que estou a arriscar e estou a fazer cenas malucas, mas não, eu estou a fazer o que para mim é na boa. Quem vê o parkour, pensa que somos loucos e que estes saltos são muito perigosos. Mas não, é tudo muito calculado, tudo tem técnicas e como é óbvio todas as técnicas dão para evoluir.»

Uma coisa completamente diferente é o medo. Pedro Salgado admite até que grande parte do desafio do parkour é psicológico. Por isso a modalidade torna quem a pratica mais forte.

«Uma das coisas mais fixes do parkour é que estamos sempre a superar-nos a nós mesmos. O medo, as dúvidas, nós constantemente estamos a lutar contra isso. Vamos ter sempre uma relação com o medo ao longo das nossas vidas, mas através do parkour aprende-se a ter uma relação diferente. Aprendemos a deixar de querer empurrar o medo para longe», refere.

«O medo e o perigo são coisas diferentes. O medo é uma perceção que temos, é uma ideia da nossa cabeça. Eu olho para uma situação e penso: Isto dá-me medo porquê? Então foco-me na minha competência. Em vez de estar a pensar no que pode dar errado, penso Ok, eu tenho de fazer isto, e isto, e isto, eu sou capaz, já o fiz antes, aqui só dá medo porque é mais alto. Então foco-me em fazer aquilo e em fazê-lo bem, porque eu faço-o bem. Não falho. Não falho no chão e portanto não vou falhar lá em cima. Não posso ouvir o medo. Se, se, se. Não, o se não interessa, o se não existe. Isto ajuda-me em tudo na minha vida. Não deixo que o medo me impeça de nada. A única coisa que faço é ouvi-lo e tentar perceber se ele tem razão ou não. Se não tiver razão, então não interessa para nada e vou fazer aquilo que quero fazer.»

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