REPORTAGEM | Cinco mil quilómetros de estrada depois, chega o fim da campanha. Para Pedro Nuno Santos, agora está tudo nas mãos dos indecisos. E nas mãos daqueles que não querem acordar na segunda-feira com um "Governo radical" da Aliança Democrática com os liberais. O PS acena com estabilidade a quatro anos, sem explicar bem como. O PS honrou a tradição. Almoçou na Trindade, desceu o Chiado. E, se conseguir chegar a São Bento, Pedro Nuno começa por retomar a reforma do SNS que os socialistas estavam a levar a cabo
Francisca Delgado, quase 82 anos, quer descer o Chiado até ao fim. Apoia-se na bengala, vai dançando, como se o corpo não tivesse a idade da alma. Não mede as consequências. Várias vezes a avisam para ter atenção, que a qualquer momento pode ser abalroada pela multidão socialista. Ela não se importa, também é do partido.
Descer o Chiado é uma prova de resistência. Física e, sobretudo, política. É a forma de o PS dizer que está vivo, cheio de força, mesmo quando as sondagens não ajudam à festa.
Pedro Nuno Santos desce envolvido nas suas gentes. Faz calor, a contrastar com os guarda-chuvas que há um ano tiveram de se abrir para que a tradição socialista do último dia de campanha se realizasse. Cerca de uma hora de empurrões, abraços, cumprimentos, desejos de boa sorte daqueles que conseguem furar a confusão das câmaras de televisão.
O líder do PS vem para fazer o derradeiro apelo: “Que ninguém fique em casa”. Porque, se o país não sair do sofá no domingo, talvez corra o risco de acordar na segunda-feira com um “Governo radical” da Aliança Democrática e da Iniciativa Liberal.
“O único voto possível, a única alternativa, é o PS, não fiquem em casa”, insiste.
Uma arruada-atração-turística
Antes de aqui chegarmos encontramos Aldina Moinhos, sempre pela lateral, a tentar não ser apanhada pela confusão de que é parte. De cima, da varanda dos Armazéns do Chiado, nota-se que a Rua Garrett está praticamente cheia.
“Vim prestar homenagem ao partido de que sempre gostei”, conta, aos 82 anos. “Não me assusta nada descer o Chiado, o que assusta é o PSD e o Chega.” E talvez uma outra extrema-direita, o ADN, que coloca uma tarja a pedir a Pedro Nuno que devolva os 203 mil euros em ajudas de custo. Nada que estrague a festa socialista.
Já na Rua Augusta, as esplanadas ao centro fazem com que o povo socialista se divida. Laura Boushany, vinda do Líbano, pergunta-nos o que raio se está a passar. Depois de perceber que é o Partido Socialista quem passa, também grita. Sem saber quem é o candidato ou aquilo que defende. Grita porque uma atração turística destas não se vê todos os dias – mesmo que, nos últimos tempos, ela se repita todos os anos.
E, tal como em qualquer outra prova de resistência, há pontos de paragem para quem precisa de reforçar o corpo. Normalmente, é com água. Por aqui, foi com focaccia. Jassy estende o tabuleiro a quem passa. É costume fazer isto para promover o estabelecimento. Hoje percebeu que podia despachar a tarefa mais depressa. Antes, noutra pastelaria, Pedro Nuno prova um pastel de nata.
Contrariar as sondagens com promessas a quatro anos
Um novo passo atrás. Na calçada da Rua Garrett, os confetes azuis e laranjas que a Aliança Democrática deixou esta manhã misturam-se com os brancos e rosas que agora os socialistas soltam. “Eu tenho dois amores”, toca a banda. E o país, no domingo, vai ter de decidir qual é o que gosta (ou tolera) mais.
“Vamos derrotar a AD e vamos derrotar as sondagens, que falharam em 2022, falharam o ano passado e vão falhar outra vez”, vaticina o líder socialista. O argumento para convencer os indecisos é sempre o da estabilidade. É naquilo que insiste quando, de manhã, visita Moscavide.
“Dirijo-me aos eleitores à esquerda e aos eleitores de centro que não querem um Governo radical, que vai desmantelar e combater o nosso estado social”, refere. E junta: “Somos capazes de garantir a estabilidade e a totalidade de uma legislatura mesmo quando não é uma maioria absoluta, já o provámos, já fizemos isso no passado.”
Pedro Nuno não quer tecer mais cenários pós-eleitorais, mantém todas as portas abertas para o que virá a seguir. Contudo, se tiver de formar Governo, já tem nomes “na cabeça” para algumas pastas. E a primeira medida que quer colocar em marcha: “Retomar a reforma que estávamos a fazer no SNS.”
Honrar a tradição
É do SNS que Maria Fernanda Lopes está à espera. Tem 83 anos, veio da Picheleira em transportes públicos para estar, à hora combinada, à porta da Cervejaria Trindade, onde o PS honra uma tradição do derradeiro dia de campanha. Conta que tem uma hérnia, que veio sem contar nada aos filhos, o mais velho podia chatear-se.
É Pedro Nuno Santos quem ela espera, para um beijinho. Há um ano conseguiu, desta vez nem por isso, confessa. A sala está cheia, cerca de 400 pessoas, com destaque para notáveis como Manuel Alegre, António Vitorino ou Eduardo Ferro Rodrigues. Ela vê o líder socialista entrar, não se desilude por não conseguir chegar mais perto. Compreende.
“Parecia que estava a ver de novo o Mário Soares. Quando foi ele, gritava muito ‘Soares é fixe, Soares é fixe’”, recorda à porta do emblemático restaurante.
Lá dentro, quem fala é Manuel Alegre, pronto para lembrar que as eleições não se vencem nas sondagens, sim nas urnas. “O nosso combate tem de ser um combate pela transparência contra a falta de transparência, um combate pela decência contra a falta de ética política”, define, numa referência ao caso que precipitou tudo isto: Spinumviva.
Pedro Nuno Santos, uma vez mais, como nos últimos dias, acena aos indecisos, aos que “vão votando entre PS e PSD”, prometendo “um Governo decente e sério”. São eles que podem decidir tudo. Cinco mil quilómetros de estrada depois, a decisão está agora nas mãos de quem vota.
Da nossa parte, é tudo. Até domingo.