O comboio ia para São Bento, mas Pedro Nuno Santos tinha de sair na estação anterior para cumprir a agenda. Não é, diz ele, mau presságio para a viagem para outro São Bento no dia 10. O arranque da segunda semana de campanha foi para mostrar trabalho feito nas pastas que tutelou. Ferrovia e habitação. Houve elogios pelo passe social, críticas nos atrasos. Na Afurada, terra segura para o PS, um banho de multidão. Por aqui, Montenegro não é bem-vindo. "Não queremos o Shrek, não queremos o Shrek". E daí o apelo, duplo, ao voto útil no PS, para afastar a direita do poder. Se chegar a São Bento, à residência oficial de primeiro-ministro, Pedro Nuno já tem um adereço para o gabinete: um barco tradicional oferecido pelo povo
Hoje o comboio das 9:13 tem "um passageiro muito especial" em Marco de Canaveses. Tão especial que enche logo uma carruagem com a comitiva. Pedro Nuno Santos vem mostrar obra feita numa pasta que lhe era cara enquanto ministro das Infraestruturas: a ferrovia.
Este comboio tem como destino Porto-São Bento. Torna-se impossível resistir a comparações com outro São Bento, em Lisboa, a residência oficial do primeiro-ministro, aonde o novo secretário-geral do PS quer chegar. "O comboio vai para São Bento, eu vou no comboio. Vamos embora, vamos para São Bento, sim senhora, com muita força”, reage.
Só há um senão: neste comboio, Pedro Nuno Santos não vai até à última estação, não vai até São Bento. Tem de sair na paragem anterior, em Porto-Campanhã. Mau prenúncio para o que aí vem? Ele diz que não.
Elogios no passe social, queixas nas greves e nos atrasos
Pedro Nuno Santos reconhece que não se lembra da última vez que andou de comboio. Atrapalha-se na resposta. Mas assegura que o faz com frequência. Escolhe esta linha, modernizada e eletrificada pelo executivo socialista, para mostrar trabalho.
“É bom vocês estarem aqui para constatarem a obra feita, num meio de transporte futuro em que queremos continuar a apostar para a mobilidade dos nossos trabalhadores portugueses. Continuar a investir é o que nós continuamos de precisar a fazer em Portugal", diz.
Quem tem de ir para o trabalho é que acaba surpreendido com uma viagem mais cheia do que o habitual. Refugiaram-se na parte final da carruagem. Débora e Tiago Silva, farmacêuticos, usam o comboio todos os dias. Elogiam o passe social criado pelo PS. "Na minha relação com o PS foi a melhor medida de todas", conta ele. Já ela prefere lembrar as greves dos últimos meses, que os fizeram ter de procurar alternativas para chegar ao trabalho. "Num dos mais, foram mais de 200 euros em custos".
Quem faz esta linha à noite, como Daniela Almeida, a trabalhar na área do telemarketing, sabe que o comboio "vem cheio". Ao contrário desta manhã, onde se não houvesse tantos jotas e apoiantes socialistas, a carruagem iria mais folgada. "O passe tornou-se bastante bom, pagava quase o triplo". Para esta passageira, uma frequência maior nos comboios seria bem-vinda. Mas a prioridade são os parques de estacionamento, para ajudar na ligação.
Apelo ao voto útil no PS
Há olhares de desconforto, há concentração no telemóvel, há mãos a aguentar as cabeças. Afinal, isto é uma segunda-feira normal. Não fosse a caravana socialista. Pedro Nuno Santos vem a este comboio para criticar a falta de unidade à direita e apelar ao voto útil, concentrado no PS. “Só vamos conseguir continuar a avançar se o PS derrotar a AD. Por isso, não podemos desperdiçar votos”.
“Aquilo que interessa é concentrarmos os votos no PS e garantirmos que o PS ganha. Quem quer travar o regresso da direita ao poder e o regresso ao passado deve concentrar o seu voto no PS. Peço a todos os indecisos que votem no PS”.
Quem não apanha este apelo é Joana Rodrigues e Luís Pinto. São estudantes universitários. Ela vai para Braga, ele para Viana do Castelo. Contam que costumam usar o comboio, que é gratuito na área metropolitana, para abater no preço final do percurso que têm de fazer. E há queixas: "costuma ser muito atrasado, a maior parte das vezes. Atrasos de 20 minutos, pelo menos. É recorrente".
Pedro Nuno só contacta com os passageiros nos últimos minutos da viagem. Ouve elogios sobre os passes sociais, fica satisfeito com o que lhe contam. Mas chega a hora de sair em Porto-Campanhã. São Bento estava ali tão perto. A plataforma cheia. Não fosse a música socialista, pareceria um dia de greve.
"Não queremos o Shrek, não queremos o Shrek"
Arruada na afurada. Afurada na arruada. O povo veste-se a rigor para receber Pedro Nuno Santos. À hora que chega a comitiva, chega também a carrinha de José Manuel para vender pão. Minutos depois, a multidão socialista tem de se apertar à custa da viatura.
Uma das clientes é Cristina Gomes. De saco de pão na mão, não se quer "misturar" na confusão. Mas não precisa de sair de casa para receber o beijo que muitas outras afurenses se esforçam para ganhar. Mais à frente, volta-se a falar de pão. “Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde e educação”, concorda Pedro Nuno.
Zulmira Gomes é uma das que fura a confusão para tentar o beijo. "Não nos esqueça, olhe pelas reformas. Não se esqueça dos pobres". Zulmira também tem um filho chamado Pedro. Espera que a coincidência dê sorte. Na Afurada, terra segura para os socialistas, Montenegro também vem à baila. "Não queremos o Shrek, não queremos o Shrek", grita Helena Santos enquanto passa a caravana, numa referência à lata de tinta verde despejada sobre o adversário.
Pedro Nuno Santos volta a ter varanda. Ao seu lado, a atleta Rosa Mota, presença constante por estas paragens. Nas mãos ergue um barco que lhe ofereceram, com o nome dele, para levar para o gabinete de primeiro-ministro. "Nós estamos a caminho da vitória".
Nesta terra onde S. Pedro é o padroeiro da festa dos pescadores, ainda há tempo para ver o rancho folclórico e as varinas a dançar. Pedro Nuno Santos aplaude, agita-se, mas não arrisca o bailarico. "Não se esqueça do que passámos entre 2011 e 2015", grita um homem. Ele promete não esquecer.
Atrasos na habitação? A culpa é de Passos Coelho
Na Afurada, há também quem peça a Pedro Nuno Santos para não se esquecer da habitação. Como a antecipar a iniciativa seguinte na agenda: a visita às obras para 16 habitações em Anadia, apoiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência, a bazuca europeia. Pedro Nuno quer também mostrar trabalho feito na pasta da Habitação, que tutelou.
E a obra não para só porque o político vem cá de visita. De capacete pronto, inspeciona tudo com atenção. Para à saída, quando questionado pelos jornalistas sobre o número crescente de pessoas desalojadas e sem-abrigo, atirar culpas a outros. "Se esse trabalho tivesse sido iniciado pelo governo da PAF, do PSD e do CDS, [liderado por Passos Coelho] nós hoje estaríamos melhor. Como teve de ser iniciado por nós, as inaugurações vão ser mais tarde do que nós desejaríamos", reage.
Não tira também culpas de antigos governos socialistas nesta matéria, já que "infelizmente, durante décadas, se achou que o mercado trataria de resolver o problema da habitação".
E, para terminar a tarde como começou o dia, mais um apelo ao voto útil no PS: "Se o povo portugues não quiser acordar no dia 11 [de março] com um governo da AD tem de votar num governo do PS. O que apelo é à concentração de votos no meu partido. O principal adversário do PS é a AD e a forma de derrotar a AD é votar no PS".
Segue para Coimbra, onde membros das forças de segurança, calados, mostram um cartão vermelho durante a arruada na Ferreira Borges. Estão aqui desde 7 de janeiro. Não vêm de propósito para esta iniciativa, dizem. O líder do PS já lhes prometeu diálogo. Se chegar a São Bento.