Enquanto um abraço sela uma grande mudança, a máquina comunista jovem cultiva o pequeno capital. Camarada, quer umas meias, um postal ou um pin?

13 nov 2022, 16:56
4ª Conferência Nacional do PCP

Há quem diga que o PCP parou no tempo, que ficou grisalho. Mas a estrutura quer muito renovar-se com jovens. No dia em que Jerónimo de Sousa passou o testemunho a Paulo Raimundo, a máquina não parou. Cada contributo conta, para equilibrar as contas do partido

Cada um tem o seu papel. Como a peça de uma máquina que só funciona se tudo engrenar devidamente. Aos 17 anos, recém-chegado ao PCP, Ricardo Mestre sente-se parte da máquina. Do topo das escadas, observa as movimentações, pronto para ajudar quem precise de indicações.

“Eu gosto de boinas”. Na dele há três pins. Partido Comunista, Che Guevara e Zeca Afonso. Ricardo Mestre conta que nasceu numa família de direita. Não foi por rebeldia que, há sete meses, se juntou à Juventude Comunista Portuguesa (JCP). Foi por crença. “A nossa luta alimenta-se das nossas ideologias”. Mesmo para um jovem, um partido centenário como o PCP pode fazer sentido. Se os críticos o atacam pelo cheiro a naftalina, os defensores sabem que é preciso “modernizar o discurso”. “Há jovens que nos olham com bastante desconfiança. Esta cena da guerra na Ucrânia não ajudou”.

Ricardo Mestre é um dos recentes membros da JCP

À entrada das bancadas do Pavilhão do Alto do Moinho, em Corroios, várias voluntárias distribuem envelopes brancos. “Não vos damos porque são jornalistas, mas se quiserem também podem dar”. A mulher não poupa na gargalhada, como espera que os militantes não poupem nos donativos.

Os trabalhos arrancam. Na noite anterior, houve mudança de líder. Mas não de cadeiras na tribuna. Jerónimo de Sousa está sentado no mesmo lugar. Paulo Raimundo também. Falam os inscritos no púlpito. Quando chega a vez da líder parlamentar, Paula Santos, os envelopes começam a ser recolhidos em sacos de tecido vermelho.

É no honrar da tarefa que, simbolicamente, cada militante cumpre a a sua ligação ao partido. E a tarefa, muitas vezes, consiste em assegurar as verbas para a garantir um maior equilíbrio das contas no partido. Grão a grão.

Paulo Raimundo passa a ser secretário-geral do PCP, substituindo Jerónimo de Sousa (Lusa/António Pedro Santos)

Junto da barraca da comida, Joana Monteiro tenta a sorte, ao vender os AGIT, os jornais da JCP. “Tens multibanco?”, pergunta o camarada e potencial cliente. Não, não há. A compra fica sem efeito. Com a amiga Maria Leonor Lemos, de madeixas rosa no cabelo, tentam a sorte noutro lado.

Joana Monteiro queria ter seguido para o ensino superior mas, como seria colocada longe de casa, não o fez. As contas não permitiam. “Sou trabalhadora e a propina é cara”. E o que preocupa um jovem comunista? “O aumento do custo de vida”, diz ela, numa resposta que se repete a cada jovem entrevistado. Maria Leonor é mais tímida, mantém-se em silêncio, mas abana com a cabeça.

Nas iniciativas do PCP, o trabalho é sempre voluntário, em prol do partido. “O que nos preocupa é o custo de vida e das propinas. Há estudantes a trabalhar para pagar a propina. É cara”, conta outra Joana, Joana Bagão, numa pausa, enquanto não aparece nenhum cliente para uma bifana ou imperial. “E nós somos vistos como mão-de-obra barata”. Para mudar este estado de coisas, insiste, só mesmo pela luta. E a luta só se faz com gente. Como se conquistam militantes, quando os jovens parecem tão desligados da política? “O pessoal, vendo as condições em que estamos, não há outro remédio”.

4ª Conferência Nacional do PCP fica marcada pela mudança de líder (Lusa/António Pedro Santos)

A JCP é, muitas vezes, a porta de entrada para a vida comunista. Uma vez JCP, para sempre JCP. Até os rostos mais enrugados, nas bancadas, se iluminam quando algum jovem do partido discursa. Eles ecoam gritos de apoio, como se nunca tivessem deixado aquela primeira casa.

Com um novo líder, mais jovem, o partido acena a essa classe etária para se reforçar. “A melhor forma de chegar a esses jovens é dando uma resposta concreta aos seus problemas”, aponta Guilherme Vaz, de 18 anos. Problemas que se resumem numa palavra: precariedade. Com ela, não se dão os passos desejados na vida.

Os trabalhos seguem na manhã de domingo. Vários jovens vão aproveitando as bancadas para vender pins, postais e jornais da jota. Não há margem para fugir ao planeado. Só na fase final se abre uma exceção: o discurso mais aguardado, de Paulo Raimundo, só acontece 45 minutos depois do previsto.

Só na fase final se reconhece a saída de Jerónimo, quando se comunica que o comité central “entendeu” as razões para a saída, “mantendo-se como membro”. Aplausos demorados num pavilhão de pé. Bandeiras ao sabor da emoção. E um abraço, que marca a passagem do poder.

Meia foram um dos produtos de maior sucesso

Mas, no exterior, a missão continua. As barracas não se fecham para assistir ao momento histórico. Há uma peça da máquina que sabe que tem de estar ali. Na banca da JCP esgotaram, logo no primeiro dia, as meias vermelhas com foices amarelas. Não eram muitas. Fabricadas em Portugal, custavam 10 euros. Porque a luta quer-se quente. Independentemente de quem vestir as meias da liderança.

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