“O vento está duro. Fustiga-nos o rosto. Mas nunca irá apanhar-nos de costas”. Na hora do adeus, Jerónimo não falou de si. Só do futuro do PCP

12 nov 2022, 12:28

Jerónimo de Sousa não falou de si ou dos seus 18 anos como secretário-geral. Dos seus feitos, gabou-se timidamente, atribuindo os louros ao coletivo. Num dia histórico para o PCP, com a mudança de líder, o “reforço” do partido foi a grande prioridade. Para alcançá-lo, não se poupam nas críticas à "operação de chantagem e mistificação" que é a maioria absoluta socialista.

Jerónimo de Sousa defendeu que é preciso “ligar ainda mais o partido à vida” para que o Partido Comunista Português (PCP) se consiga “reforçar” e levar em frente as suas prioridades de defesa dos direitos dos trabalhadores.

Este foi o último discurso de Jerónimo de Sousa como secretário-geral do PCP e não poupou nas críticas à maioria absoluta socialista. “Sabemos que o caminho é duro. Sabemos quanto pesa a brutal ofensiva que se desenvolve contra o PCP, porque é o que é e não abdica de o ser, com os interesses de classe que assume, os objetivos por que luta e o projeto transformador de emancipação de que é portador”, afirmou.

O líder comunista - passará o testemunho a Paulo Raimundo, que o acompanhou na entrada da 4ª Conferência Nacional desta força partidária - definiu o PCP como um partido “com património de intervenção e luta sem paralelo”, que “assume firme e corajosamente a sua identidade comunista”, sendo “portador de um projeto de futuro” e de “confiança” para avançar na luta.

“É da força do partido, da sua capacidade de resistir e avançar que dependerá a evolução da situação nacional”, assegurou. Com a saída de Jerónimo de Sousa da Assembleia da República, as ações nas ruas e junto dos trabalhos serão ainda mais determinantes para a estratégia comunista.

Jerónimo de Sousa chegou acompanhado pelo sucessor, Paulo Raimundo (Lusa/António Pedro Santos)

Alvo: um país a caminho do “definhamento” à custa da maioria absoluta

Um país “que se apresenta frágil, vulnerável e dependente”. É assim que Jerónimo de Sousa vê Portugal na hora da sua despedida como secretário-geral do PCP. E, por isso, critica aquele que já foi um parceiro de governação: o PS, que está “cada vez mais virado para a direita”.

Para Jerónimo de Sousa, a maioria absoluta socialista foi alcançada “na base de uma operação de chantagem e mistificação”. Não há qualquer poupança nas críticas à política levada a cabo pelo executivo de António Costa: de “falsas soluções” a “embustes nos aumentos das reformas e pensões”, passando pela “farsa da revalorização salarial” ou pelo “torpedear acerca das causas que estão na origem do surto inflacionista”, tudo serviu para o ataque comunista.

“Opções que colocam no horizonte mais próximo o perigo de uma nova fase de definhamento económico e degradação social”, reforçou.

A alternativa, insistiu, está numa “politica alternativa, patriótica e de esquerda” – expressão que repetiu duas vezes ao longo do discurso, com cerca de 40 minutos, mas que celebrizou durante os últimos anos enquanto secretário-geral. Jerónimo de Sousa definiu então 15 prioridades para as lutas do partido, incluindo o “aumento geral dos salários”, a “valorização das reformas” ou o incentivo à “produção nacional”.

O líder demissionário dedicou também uns segundos aos partidos à direita, lamentando os seus “projetos reacionários” e com “agendas de natureza retrógrada, demagógica, neoliberal ou fascizante”.

Discurso de Jerónimo de Sousa estendeu-se por 40 minutos (Lusa/António Pedro Santos)

Guerra na Ucrânia. Um desconforto presente

A guerra na Ucrânia tem sido, ao longo dos últimos meses, um tema sensível para o PCP. Mas, no discurso de despedida de Jerónimo de Sousa, houve várias referências ao conflito. A começar pela crítica ao “aproveitamento” dos mais poderosos da invasão para o “agravamento da exploração das desigualdades e injustiças”.

“É urgente a exigência do fim da instigação da guerra na Ucrânia por parte dos EUA, da NATO e da União Europeia e a abertura de vias de negociação com os demais intervenientes, nomeadamente a Federação Russa, visando uma solução política para o conflito”, argumentou.

Aliado ao conflito na Ucrânia, Jerónimo de Sousa destacou a “crescente tensão e provocação contra a China”. Para deixar o alerta: esta postura do “imperialismo” “transporta o perigo de uma confrontação global com as graves consequências para a humanidade”.

Secretário-geral comunista recebeu vários gritos de apoio de delegados e militantes (Lusa/António Pedro Santos) 

Jerónimo. No último minuto, fiel a si mesmo

Ao longo de 40 minutos, Jerónimo de Sousa manteve-se fiel ao discurso escrito. Fez várias pausas a meio, embalados pelos gritos de apoio dos delegados e militantes nas bancadas. Num dos momentos, até agradeceu a “ajuda”, que lhe permitiu dar mais ritmo ao que ainda tinha pela frente.

No último discurso como secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa não falou de si nem fez um balanço de 18 anos à frente do partido. Destacou apenas que “não houve nenhum avanço ou conquista no nosso país que não tenha contactado com a luta e a intervenção dos comunistas” - numa referência indireta ao papel do PCP na solução de governo que em 2015 levou António Costa a poder e que ficou célebre como “geringonça”.

Motivado pela saúde frágil, que o impediu de estar no terreno em grande parte da campanha das legislativas em janeiro passado, Jerónimo de Sousa decidiu o ponto final. E terminou o percurso fiel a si próprio. Ao longo de quase duas décadas, foram os seus provérbios e expressões populares que foram aproximando a luta do PCP dos portugueses, cultivando nele uma imagem de empatia. Por isso, a última frase do discurso, improvisada, é a mais forte:

“O vento está duro e muito forte. Fustiga-nos o rosto. Mas nunca hão de ver o vento apanhar-nos de costas, porque estaremos sempre virados para a frente em torno do nosso projeto, do nosso ideal, do nosso partido”. Foi aplaudido de pé.

Jerónimo de Sousa esteve no cargo durante 18 anos (Lusa/António Pedro Santos) 

 

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