Porque vai ficar Manuel Pinho a receber 2.115 euros depois do arresto da pensão de 15 mil?

4 fev 2022, 18:02

Ministério Público pediu o arresto da pensão de Manuel Pinho, mas o ex-ministro vai continuar a receber mais de dois mil euros por mês. Verba não foi fixada consoante as despesas de Pinho: é limitada por lei

O juiz Carlos Alexandre decidiu aceder ao pedido do Ministério Público e arrestar a pensão de Manuel Pinho, que está atualmente em prisão domiciliária no âmbito do processo EDP. O ex-ministro, que recebia até agora 15 mil euros por mês, passa assim a receber mensalmente 2.115 euros destinados a assegurarem a "subsistência mensal" do arguido. 

Mas como é definido este valor? "Não é aleatório", esclarece o advogado Paulo de Sá e Cunha. "Chama-se limite de impenhorabilidade e é aplicável nos arrestos", acrescenta. "Em função do rendimento da pessoa, tem de haver uma limitação".

Trata-se de um critério legal estabelecido no artigo 738 do Código do Processo Civil, que indica que "são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado". 

"A ideia aqui subjacente é a de que uma pessoa, numa decisão judicial que atinja o seu rendimento e não o seu património, ou seja, aquilo que recebe regularmente e que é necessário para as suas necessidades básicas, nunca o veja descer a zero", explica Sá e Cunha.  

A lei prevê, assim, que a impenhorabilidade "tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional". 

Em resumo, tendo o Ministério Público pedido o arresto da pensão de Pinho na totalidade, a lei prevê que o arguido conserve para a sua subsistência um máximo de três salários mínimos nacionais, o que em 2022 perfaz o valor referido de 2.115 euros.

Neste caso, o juiz Carlos Alexandre arrestou a totalidade do rendimento do ex-ministro, mas havia a possibilidade de "não ir até ao limite", explica Paulo de Sá e Cunha. "Ele tem um rendimento de 15 mil euros por mês, mas podia arrestar-se só metade do rendimento e o que fica está acima dos três salários mínimos", exemplifica. 

Tratando-se de um critério objetivo da lei com base em salários mínimos e não em percentagens, por exemplo, o objetivo será não penalizar quem tem menores rendimentos, ainda que, no limite, acabe por retirar uma fatia substancial do rendimento de quem tem valores mais altos disponíveis para arrestar.

"Quanto maior for o rendimento, maior pode ser o decréscimo do que fica", aponta o advogado. "A descida é maior se o rendimento for maior. A lei estabelece este limite objetivo em razão do salário mínimo, mas podia ser um critério legal diferente, por exemplo, em percentagem. E se o limite do arresto fossem os 30%, por exemplo, quem tivesse rendimentos grandes conservava 30% do rendimento, tal como quem tivesse rendimentos menores. Não é assim", acrescenta Sá e Cunha. 

Os casos de Berardo, Salgado e Rendeiro

O tribunal poderia ter decidido, portanto, em vez de arrestar a totalidade da pensão de Manuel Pinho, fixar um montante a retirar todos os meses. Foi o caso, por exemplo, de Joe Berardo: a Caixa Geral de Depósitos, com recurso à Justiça, penhorou ao empresário madeirense um terço da pensão de reforma, num valor de 861,63 euros no total de 2.584 euros de pensão. Durante a inauguração do Museu Berardo Estremoz, em 2020, foi pública a ironia de Berardo, que garantia aos jornalistas não ter qualquer dívida à CGD: "Estou a emprestar à Caixa Geral um terço da minha pensão", sublinhou. 

Já a Ricardo Salgado - a quem o Ministério Público deu entretanto ordem para se executarem 3,7 milhões de euros em pensão de reforma, moradias, contas bancárias e obras de arte - sucedeu o mesmo que a Manuel Pinho. Em 2017, o Tribunal de Instrução Criminal ordenou o arresto da pensão do antigo presidente do BES para garantir o pagamento de indemnizações e proteger os lesados do colapso do  banco, numa altura em que Salgado recebia uma reforma do fundo de pensões do agora Novo Banco no valor de cerca de 39 mil euros brutos mensais. 

Falando aos jornalistas, o antigo banqueiro chegou a garantir, ainda nesse ano, que o arresto da pensão tinha tido um "impacto tremendo" na sua vida porque tinha ficado "praticamente com o correspondente a dois salários mínimos" - ainda que a lei estipule que o limite máximo do valor que fica após penhora seja a referida soma de três salários mínimos.

Adriano Squilacce, advogado de Ricardo Salgado, confirmou que também neste caso foi estabelecido para o arresto da pensão de Salgado o limite de três salários mínimos, prevendo que quem tem salários mais elevados terá "encargos mais altos, organizou a vida a contar com mais gastos, daí este limite", frisou Squilacce à CNN Portugal. 

Já no caso de João Rendeiro, segundo a revista Sábado, o Ministério Público não pediu o arresto das pensões do ex-banqueiro e da mulher, que totalizam cerca de 4.000 euros. Porém, os advogados do BPP pediram o arresto do recheio da casa do casal na Quinta Patino, visando a venda de todo o património apreendido de modo a que reverta a favor dos lesados do Banco Privado Português (BPP).

O pedido de arresto de todos os bens de valor do casal foi feito pelo no ano passado, mas fora recusado pelo juíza Tânia Loureiro Gomes, responsável pelo processo em que João Rendeiro foi condenado a dez anos de prisão por branqueamento e evasão fiscal. Mas, já esta semana, com João Rendeiro ainda detido em África do Sul, a Polícia Judiciária apreendeu todos os bens no apartamento que está em nome do motorista do casal, Florêncio Almeida, mas onde vive a mulher de Rendeiro, agora em prisão domiciliária. A CNN Portugal sabe que foram levados roupa, faqueiros e obras de arte.

Em entrevista à CNN Portugal no passado mês de novembro, João Rendeiro, antes de ser detido na África do Sul, garantia que tinha condições para trabalhar e que era com esses rendimentos de trabalho que assegurava a sua subsistência, explicando que lhe bastavam "três, quatro, cinco mil euros por mês" para se sustentar.

Crime e Justiça

Mais Crime e Justiça

Patrocinados