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Consultant na AMP

“Calados fazemos um grande discurso”

30 mar 2023, 16:20

Escrevo refugiando-me na noção de comunicação idealizada por Paul Watzlawick, onde “tudo” – compreendendo a amplitude do termo – é comunicação. Assim, todas as ações que temos, quer por pura ignorância, quer de plena consciência, constituem-se como um ato comunicacional. 

Tendo esta narrativa como ponto de partida, pensemos num outro conceito que se constitui fundamental no dia-a-dia de milhões de pessoas: o desporto. Já outrora utilizado como elo entre sociedades, não é recente a importância que o mesmo pode ter no nosso quotidiano, basta olharmos para o caso de Portugal, em que o desporto sempre teve um papel fundamental na construção da nossa identidade nacional.

Para esta equação é preciso também entendermos que o desporto, vai muito além de uma prática meramente física, precisando de ser visto como um movimento. Todos nos lembramos da quantidade de pessoas que receberam a Seleção Nacional, após a conquista do mundial, ou a quantidade de sportinguistas que saíram à rua para festejar um título já há muito ambicionado, mesmo estando no meio de uma pandemia. 

Conectando estes dois termos, repensemos a forma como os vemos. Coabitando no mesmo espaço, comunicação e desporto podem e devem ser aliados na promoção do bem comum. A conjugação destes dois conceitos, amplamente poderosos, cada um à sua maneira, faz-nos idealizar uma chave com a capacidade para abrir qualquer porta no mundo, por mais trincos que a mesma tenha. 

O facto de, através do mediatismo do desporto, conseguirmo-nos posicionar perante uma determinada situação, sem que uma única palavra da nossa boca saia é fascinante. 

Sérgio Conceição, dizia-nos, em conferência de imprensa de antevisão ao jogo da Liga dos Campeões diante o Inter de Milão, que “calados fazemos um grande discurso”. Certo é que esta frase (que eu corroboro) não deixa de ser perigosa, uma vez que serve tanto para o lado positivo como para o lado negativo.

Um exemplo perfeito do que aqui escrevo, decorreu há poucas semanas quando o pai de Novak Djokovic, Srdjan Djokovic, posicionou-se na questão da guerra entre Rússia e Ucrânia, sem expressar uma única frase. O facto de ter sido visto a apoiar o filho, no open australiano, junto de um adepto que erguia uma bandeira de apoio à invasão russa, foi mais que suficiente para passar a imagem de que lado o sérvio estava. 

Mais recentemente, tivemos um caso que exemplifica, de uma outra forma, o poder não verbal do desporto. Gary Lineker, comentador e ex-futebolista foi afastado pela BBC, depois de um comentário político no Twitter onde comparava a política britânica com a nazi. Caso que gerou uma onde massiva de contestação. De jogadores a ex-jogadores, de clubes a treinadores, o boicote ao canal em apoio ao antigo avançado da seleção inglesa teve uma dimensão tremenda, tornando a estação televisiva refém deste movimento. Passados apenas três dias, já a BBC vinha afirmar que Lineker, não só ia voltar ao programa, como o próprio canal ia rever as suas políticas internas. 

Isto para referir que, num momento onde se desespera por diálogo, o desporto pode e deve ser utilizado como uma ferramenta comunicacional com vista a resolver muitos dos problemas da sociedade. Se o desporto tem uma capacidade ímpar de unir e promover o diálogo, não o podemos descartar. 

Até quando vamos achar irrelevante a capacidade que a comunicação – tendo no desporto um palco mediático único, onde mais facilmente mensagens são ouvidas e ações são vistas – tem de quebrar muitas das barreiras que hoje existem na nossa sociedade?

Florbela Espanca dizia-nos que “palavras leva-as o vento”. Porém, permitam-me a audácia de reformular a expressão. Hoje, a forma como entoamos as palavras ou a maneira como nos posicionamos perduram na memória dos dispositivos mediáticos e, por isso, não existe vento que as leve, muito menos no panorama desportivo. 

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