A palavra Seder significa “ordem” em hebraico — e essa é a primeira pista de que esta refeição tradicional da Páscoa judaica tem um significado muito especial.
A Páscoa judaica, ou Pessach (em hebraico), é uma celebração anual que assinala o episódio bíblico do Êxodo, quando o povo judeu, liderado por Moisés, fugiu da escravidão no Egito.
A festividade dura sete dias em Israel e oito dias no resto do mundo. Embora cada família e comunidade tenha os seus próprios rituais, há elementos que são comuns à maioria das celebrações — e o Seder é, sem dúvida, o mais importante.
Quando se realiza o Seder?
A Páscoa judaica começa no 14º dia do mês judaico de Nisan. Este ano, calha ao pôr do sol de sábado, 12 de abril.
Como os dias judaicos são contados do pôr do sol ao pôr do sol, isso significa que a celebração começa oficialmente na noite de sexta-feira. Este ano, há um simbolismo especial: o início do Pessach coincide com o fim do Shabat, o dia sagrado semanal do judaísmo, criando uma transição direta de uma celebração para outra.
Como explica Rachel Scheinerman, editora do MyJewishLearning.com, é comum haver dois Seders.
"O calendário judaico é lunissolar, o que significa que um novo mês começa quando há uma lua nova. Uma lua nova é quando a lua, depois de completamente obscurecida, começa a reaparecer no céu, a primeira vez que se vê um pequeno crescente de uma lua nova", afirma.
Na antiguidade, quando as pessoas que trabalhavam no templo de Jerusalém viam a lua nova, o mês tornava-se oficialmente novo. No entanto, tinham de fazer chegar a mensagem a outras comunidades, o que faziam enviando mensageiros a cavalo ou acendendo uma fogueira no topo de uma colina que podia ser vista a quilómetros de distância.
Hoje em dia, graças às aplicações para telemóveis, qualquer judeu em qualquer parte do mundo pode saber exatamente que dia e que horas são. Contudo, devido a esta velha tradição, muitos judeus da diáspora (que vivem fora de Israel) gostam de fazer dois Seders - um na primeira noite, outro na segunda.
Em algumas comunidades, esta pode ser uma forma divertida de mudar as coisas: o primeiro jantar é mais íntimo, reservado à família, enquanto o segundo pode ser partilhado com amigos ou membros da comunidade.
“O Seder é uma forma de ensaiar a história, mas também de transformar essa história numa memória coletiva”, afirma Scheinerman.
O que está presente num prato de Seder?
Há seis itens presentes num prato de Seder. São eles:
- Karpas (um vegetal verde, geralmente salsa)
- Charoset (uma mistura doce de frutas, mel e frutos secos, que representa a argamassa usada pelos escravos no Egito)
- Maror (algo amargo, como raiz-forte, para lembrar a amargura da escravidão)
- Zerôa (um osso de cordeiro, símbolo dos sacrifícios feitos no Templo de Jerusalém)
- Chazeret (um segundo vegetal, como alface)
- Beitzá (um ovo cozido, símbolo do ciclo da vida e do luto pela destruição do Templo)
Embora o Seder inclua uma refeição completa, o prato de Seder é apenas simbólico. Tem lugares específicos para cada um dos seis alimentos acima referidos, mais alguma escrita hebraica, desenhos pintados a cores ou outras decorações. Este prato é levantado e mostrado a todos os participantes na refeição durante a noite.
É possível colocar outros alimentos no prato de Seder?
Existe uma história amplamente divulgada, segundo a qual um rabino terá afirmado que as mulheres pertencem ao bimá (o púlpito da sinagoga, de onde os rabinos discursam) tanto quanto uma laranja pertence à travessa do Seder.
Embora não exista provas da veracidade da história, muitas comunidades judaicas progressistas adotaram esta metáfora como símbolo de inclusão. Hoje em dia, é comum encontrar uma laranja na travessa do Seder, como forma de expressar apoio a pessoas e grupos marginalizados dentro do judaísmo, desde a comunidade LGBT a imigrantes sem documentos.
A rabina Avigayil Halpern, baseada em Berlim, disse à CNN que este ano já viu comunidades a planear incluir uma azeitona no prato cerimonial, em sinal de solidariedade com o povo palestiniano e como apelo à paz.
Também conhece grupos que adicionam um tomate, para representar os direitos dos trabalhadores agrícolas, ou sementes de girassol, como símbolo de apoio aos refugiados da guerra na Ucrânia. No entanto, a rabina lembra que as sementes de girassol pertencem à categoria de kitniyot — alimentos como leguminosas ou sementes que algumas tradições judaicas evitam durante a Páscoa.
Há ainda alterações que são feitas por questões alimentares ou de saúde. A família de Scheinerman, por exemplo, é vegetariana e substitui o osso de cordeiro por uma beterraba, respeitando o simbolismo tradicional, mas adaptando-o aos seus valores e dieta.
Porque é que não se come o que está no prato?
Porque são elementos simbólicos, e não pratos propriamente ditos. O objetivo é refletir sobre o significado de cada item, não saboreá-lo. (Além disso, o prato costuma ser preparado com antecedência, pelo que alguns dos alimentos podem já não estar propriamente frescos).
Mas não se preocupe: de certeza que não vai passar fome num Seder. O jantar é completo e bem servido, podendo incluir clássicos da gastronomia judaica como peito de vaca e sopa de bolas de matzo.
O que não vai encontrar é pão — ou qualquer produto fermentado, como massa, bolos, cerveja ou certos tipos de álcool. Esses alimentos são chamados de chametz, e são evitados durante toda a Páscoa judaica.
A razão? Segundo a tradição, os judeus saíram do Egito com tanta pressa que não houve tempo para o pão levedar. Em vez disso, consumiram matzo, um pão ázimo que se tornou símbolo da época.
O matzo pode ser transformado em várias receitas, doces ou salgadas. Pode ser misturado com ovos para um prato de pequeno-almoço estilo omelete ou revestido com caramelo e chocolate para fazer um doce, por exemplo.
No entanto, também tem um papel ritual importante. Em muitas casas, um pedaço de matzo é escondido dentro de um pano para as crianças procurarem — o afikomen — e quem o encontrar ganha um prémio.
O matzo também é usado durante o Seder para falar sobre a história do Êxodo e é comido como parte da refeição. Durante o jantar, faz-se o chamado sanduíche de Hillel, juntando maror e charoset entre duas folhas de matzo — um gesto que simboliza a mistura entre a amargura e a doçura da vida.
E quanto às bebidas?
É tradicional beber quatro copos de vinho ao longo do Seder. Tal como os alimentos, estas bebidas têm significados simbólicos — representam, entre outras coisas, as promessas de libertação feitas por Deus ao povo hebreu.
A rabina Avigayil Halpern oferece uma interpretação adicional: “Há quem diga que os três matzot na mesa representam Abraão, Isaac e Jacob. E os quatro copos de vinho, por sua vez, representam as matriarcas Sara, Rebeca, Raquel e Lea — uma forma de trazer toda a ancestralidade para a mesa”.
As crianças, naturalmente, bebem sumo de uva em vez de vinho. E é claro que outras bebidas são permitidas — exceto bebidas fermentadas à base de cereais, como a cerveja ou alguns tipos de vodka.
No fim de contas, não há uma única forma “correta” de celebrar o Seder.
“Há uma enorme riqueza nos textos e nas tradições do Seder. No entanto, também é importante dar espaço à criatividade e trazer todo o nosso ser para a mesa", conclui a rabina.