opinião

O PS devia ouvir mais o Sérgio Sousa Pinto e o Ricardo Leão

16 out, 08:00

Declaração de interesses: sou amigo do Sérgio Sousa Pinto. Não sou amigo e conheço muito mal o Ricardo Leão. Este texto não tem rigorosamente nada a ver com relações pessoais, mas cada um que faça o seu juízo.  

Vamos ao que interessa. Depois das autárquicas do último domingo, os socialistas parecem entretidos com o debate do copo meio cheio ou meio vazio, sobre a melhor forma de qualificar os resultados do PS. Não sendo aritmeticamente possível falar numa vitória, as leituras políticas dividem-se entre os que consideram que o resultado até nem foi mau, quando comparado com a hecatombe das legislativas, e os que acham que o resultado foi mesmo mau e não vale a pena meter a cabeça na areia. 

Das várias análises, opto por destacar a do socialista Ricardo Leão, que, nos últimos meses, foi muito criticado dentro do seu próprio partido por ter mandado abaixo as barracas do bairro do Talude, no concelho de Loures. Em entrevista à rádio Observador, o autarca remata o tema da seguinte forma: “O PS tem de mudar obrigatoriamente. Eu não quero que o PS, a cada ato eleitoral, diga que ainda respira. Isso é muito poucochinho.” 

E é mesmo. Suspeito, aliás, que Ricardo Leão não estará sozinho nesta análise. Desde logo, estará acompanhado pela esmagadora maioria dos eleitores em Loures, que, depois de toda a polémica, decidiram dar-lhe uma maioria absoluta. Mas também pelos eleitores de Lisboa, que não elegeram Alexandra Leitão. Ou, porque não lembrar, os eleitores do país, que deram a Pedro Nuno Santos uma das derrotas mais humilhantes da história do PS.  

Mas regressemos a Ricardo Leão e à entrevista que deu esta semana ao Observador. Tentando recentrar o debate dentro do partido, o autarca avisa que o PS tem de olhar mais para a classe média, lembrando que “foi sempre a classe média que se sacrificou para levar este país para a frente” e que hoje “se sente muito marginalizada, muito esquecida”. Ricardo Leão alerta para “um sentimento de injustiça” que uma parte significativa da sociedade sente e diz que o PS tem urgentemente de olhar para essa classe média e “para as pessoas novas, que trabalham, que têm dificuldades e que cumprem com as suas obrigações”: “Quando se fala de justiça social, é para todos, não é só para alguns.”

O pensamento de Ricardo Leão não é, seguramente, original dentro do Partido Socialista. Sérgio Sousa Pinto anda a pregar este mesmo discurso há anos, seja da última fila do Parlamento – para onde António Costa decidiu atirá-lo por não gostar de vozes incómodas e apreciar mais “yes men” –, seja na comunicação social, onde conquistou por direito próprio um lugar de relevo. O ex-deputado anda há anos a falar da “social democracia de miséria” praticada pelo PS e a avisar que é impossível sobreviver num país onde a “classe média é esmifrada até ao tutano”. 

Durante oito anos, o PS nunca quis ter este debate. Iludido pelo poder e pelo brilharete das contas públicas, o partido de onde António Costa expurgou todo e qualquer debate interno foi alegremente alimentando as clientelas eleitorais do PCP e do Bloco de Esquerda, até as poder reclamar para si mesmo com a maioria absoluta de 2022, deixando os seus antigos parceiros da geringonça reduzidos a pó. 

A máquina trituradora dos impostos deu para tudo, menos para aliviar aqueles que produzem riqueza: os jovens, a classe média e as empresas. Deu para despejar milhões no Serviço Nacional de Saúde, por exemplo, sem que daí tenha resultado uma melhoria dos serviços ou da saúde. E ainda deu para apresentar superávits, sem resolver os problemas da habitação. Foram anos dourados, na óptica de muitos socialistas, que continuam nostálgicos de um país onde as corporações lhes beijavam os pés e o marketing político de Luís Paixão Martins fazia o resto. 

Antes de ir para Bruxelas, António Costa deixou um país a crescer, mas a produzir pouco valor acrescentado. Deixou os cofres do Estado cheios, mas uma classe média dizimada por impostos. Deixou um PS maioritário, mas de terra queimada. 

A fatura está a chegar aos poucos. Depois da hecatombe das legislativas, estas autárquicas permitiram segurar o Partido Socialista como um partido relevante a nível local. Mas uma análise mais fina aos resultados – como a que Pedro Adão e Silva faz esta semana no Público – permite perceber que, mesmo em concelhos onde venceu, o PS está em perda acentuada face às últimas autárquicas, sobretudo em grandes centros urbanos.  

José Luís Carneiro, que ainda goza do estado de graça de quem acabou de chegar e pouco decidiu, tem, por isso, um enorme desafio e uma escolha: fazer o mesmo, com os mesmos, mas num estilo diferente do seu antecessor; ou fazer diferente, com outros e com coragem. O problema é que fazer diferente implica romper com o discurso do politicamente correto, de quem quer agradar a gregos e a troianos e andar entre os pingos da chuva para não se molhar. Fazer diferente implica olhar para o país e ter a clarividência de saber identificar novas prioridades para o PS, com ambição e enterrando de vez o socialismo de miséria que está a arrastar o partido para o buraco. Citando Ricardo Leão, “se o PS não muda a bússola, vai ser complicado”.
 

“Desde quando é que os temas são propriedade dos partidos? Não são. 

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