opinião
Economista e Professor Universitário

A casa da democracia transformou-se num Coliseu Romano. A indiferença pode matar

22 mai 2023, 10:00

Nos últimos tempos, Portugal inteiro tem assistido com estupefação à mediatização sensacionalista de “casos” da esfera política. Quem tem acompanhado este triste quadro tem testemunhado a decadência de uma sociedade. 

Desengane-se, ainda assim, quem julga que o défice de valores morais e éticos resulta apenas do comportamento dos que são selvaticamente linchados na praça pública. Não. Até porque na maioria dos casos a justiça não teve sequer tempo de funcionar. A deterioração de valores na sociedade portuguesa também resulta da conduta das demais partes que contribuem ativamente para este lastimoso processo. 

Por exemplo, como é que se permite que o trabalho de uma comissão de inquérito seja transmitido em direto por órgãos de comunicação social?! Como é que um qualquer sistema permite que uma crueldade intolerável destas impacte violentamente no contexto familiar de quem ainda não foi sequer julgado pela justiça?

E, uma vez mais, desengane-se quem julga que a maior preocupação da minha parte recai sobre os políticos alvo de julgamentos sumários. É certo que também recai. Podendo vir a ser considerados inocentes pela justiça, o nível de destruição da imagem a que estiveram sujeitos na praça pública será com certeza irreparável. 

Ainda assim, a minha principal consternação resulta do impacto que todos estes processos ferozmente mediatizados e prolongados nas redes sociais têm nos familiares dos protagonistas principais. Nos pais, nos avós, nos sogros, nos netos, nos filhos…

E não vinga a ideia primária de que é aos protagonistas principais que cabe proteger os familiares. Culpados ou não, o que é inequívoco é que filhos, netos e pais de visados não devem sofrer. E essa é uma responsabilidade moral de todos. 

No meio deste frenesim de gladiadores, feras e horrores, parece não haver um mínimo de discernimento. Dois segundos de reflexão em torno deste assunto é tudo o que basta para chegar a uma conclusão. 

A escalada do terror psicológico tem sido vertiginosa. Os intervenientes não olham a meios para atingir fins. Exibe-se publicamente o castigado como se de um espetáculo numa arena romana se tratasse. E os filhos a deprimir. E o aproveitamento escolar a decair. E os pais a sofrer. E a vida dos familiares a desmoronar. É o pior da democracia a sobressair. Atropela-se indiscriminadamente a vida de todos aqueles que tenham alguma ligação aos “cristãos” sumariamente punidos no “coliseu romano”. Impera a insensibilidade.

A violência das punições públicas é de tal ordem que acaba por impactar muito mais nos familiares dos alegados “criminosos” dos que nos próprios visados. É que, emocionalmente, os filhos, pais e avós dos políticos não terão o estofo necessário para suportar tanta violência e sangue. Devem, por isso, ser respeitados, e até proactivamente protegidos. Não podem ser castigados. Estão desligados dos processos. Não merecem ser punidos. Mais, ainda antes de provada qualquer culpa, já as vidas destes familiares terão sido psicológica e emocionalmente destruídas. 

E pactuamos todos com esta tragédia? Se assim for, é sinal de que o radicalismo está a ganhar em todas as frentes. 

À justiça o que é da justiça, mas sempre no recato devido à justiça. Havendo comprovadamente culpa, que se puna exemplarmente quem prevarica. Mas sempre sem a mediatização feroz dos dias de hoje. A este propósito, dispensa-se a instrumentalização passiva de alguns media pelos setores mais radicais da vida pública nacional. 

Evitar sofrimento injusto e sequelas irreparáveis para filhos, netos, pais e avós deve ser tudo o que basta para um realinhamento do rumo que a sociedade portuguesa está perigosamente a tomar.

Os leões, os gladiadores e o coliseu romano fazem parte de um processo histórico infeliz e desumano. 

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