ENTREVISTA | O neuropsicólogo espanhol, Álvaro Bilbao, acaba de lançar “Prepara-te para a Vida”, um livro escrito para os adolescentes, numa linguagem próxima e empática. Mas também escrito para os pais, para lhes recordar que não precisam de ser superpais. Em entrevista à CNN Portugal fala sobre isto e sobre a falta de limites dos nossos filhos: "São os limites e as regras que explicam às crianças e aos adolescentes o que é correto"
O neuropsicólogo espanhol Álvaro Bilbao, autor de livros como “O Cérebro das Crianças Explicado aos Pais” ou “Cuide do Seu Cérebro e Melhore a sua Vida”, esteve em Portugal para lançar “Prepara-te para a Vida”, um livro escrito sobretudo para os adolescentes. Numa linguagem próxima e empática, tenta explicar aos jovens como funciona o próprio cérebro e oferece estratégias e ferramentas claras para os ajudar a compreenderem temas relevantes desta fase do desenvolvimento, como a importância do sono, o efeito das tecnologias, as amizades, as relações e a tomada de decisões.
Em entrevista à CNN Portugal, o autor falou de vários temas que preocupam os pais com filhos de todas as idades e deixou vários alertas: as regras têm de ser feitas pelos pais e há temas em que as crianças não podem ter poder de escolha. “Têm de ir à escola, têm de usar o cinto de segurança. Com crianças pequenas, de dois anos, há pais que não põem o cinto de segurança no carro porque os meninos não querem sentar-se na cadeirinha e levam-nas ao colo. Mas isso não é uma opção, pois não?”, exemplifica.
Álvaro Bilbao defende que “o principal problema do século XXI é a sobreproteção das crianças” e sublinha que, “até aos seis anos de idade, as crianças não devem utilizar qualquer tipo de ecrã”.
Vivemos uma vida cada vez mais agitada e stressante e arrastamos os nossos filhos para esta vida. E, numa altura em que as redes sociais fazem a apologia da perfeição, em que tipo de pais nos estamos a tornar?
É difícil. É verdade que, nas redes sociais, há uma apologia da perfeição, dos pais perfeitos. Há cada vez mais exigências e é cada vez mais difícil. Os pais têm de fazer co-sleeping, amamentação prolongada, baby-led weaning… temos de ser animadores dos tempos livres dos nossos filhos, temos de fazer muitas coisas, não é? Mas, na realidade, o que as crianças precisam mesmo de nós é que lhes demos um pouco de atenção, que brinquemos com elas, que lhes demos carinho. E todas estas coisas que nos chegam muitas vezes pelas redes sociais deixam-nos mais stressados e é isso que mais stressa as crianças.
Para mim, por exemplo, as decisões que tomei como pai têm muito mais a ver com o meu bem-estar emocional para que eles tenham bem-estar emocional. Levamo-los para a escola pública, que fica ao lado da nossa casa. Muitos pais pensam que, porque eu percebo muito de psicologia infantil, os levo para uma escola Montessori ou assim e, na verdade, levo-os para a escola que fica mais perto de casa.
Optámos por terem poucas atividades fora da escola. Porquê? Porque não quero passar o dia inteiro a levá-los para aqui e para ali, quero estar calmo para que essa calma os torne também calmos. Para mim, é mais importante isso do que eles sejam crianças perfeitas ou que façamos todas as coisas que a sociedade diz que temos de fazer.
Estamos a desviar-nos um pouco do que é mais importante na parentalidade, não é? O que realmente faz de nós bons pais?
Sim, porque pensamos que ser bons pais é pô-los a falar muitas línguas, fazê-los aprender a tocar violino ou outro instrumento, praticar desporto, ser crianças que têm boas notas, e isso exige muito das crianças e de nós. E, para mim, ser bons pais é - digo sempre aos pais - ser pais normais.
E o que é ser um pai normal?
Pais normais são pais calmos, pais que trabalham, que brincam com os filhos. Pais que fazem uma festa de anos normal, que não tem de ter um pónei ou muitos balões. Pais normais, comuns, que fazem coisas normais, coisas que não exigem muito esforço, que não estão a olhar para a comida, a ‘pesar’ tudo o que a criança está a comer. Eu lembro-me de uma mãe que me disse que passava uma hora todos os dias a fazer o jantar dos filhos, a olhar para os legumes, a cuidar, a tirar gorduras…
Para mim, o importante é que o jantar seja algo divertido, que nos liguemos, que brinquemos, que estejamos calmos. Eu dedico pouco tempo a fazer o jantar, porque para mim o importante é estar bem.
Então o que é que eu tenho de fazer para ser uma mãe que faz tudo bem?
Ah, isso é impossível.
É importante errar e é impossível fazer tudo perfeito, porque as crianças precisam da imperfeição para aprender. E precisam da imperfeição para saber que merecem amor com as suas imperfeições. Os seus filhos, os meus filhos, vão ser imperfeitos, mas precisam de saber que podem ser amados, que têm valor, mesmo sendo imperfeitos.
Veremos sempre o filho do vizinho ou o colega de turma que é maravilhoso, alto, louro, bonito, estuda muito, tem boas notas, faz tudo bem… e podemos pensar que é uma sorte, mas normalmente essas pessoas têm muito stress, muito desconforto, têm pouca autoestima porque exigem muito de si próprias.
As crianças têm de ter uma autoestima plena. E essa autoestima plena acontece quando se sentem livres, quando têm tempo para brincar, quando sabem que podem cometer erros e que podem ser pessoas normais, que não têm de ser pessoas perfeitas. Também é importante mostrar as minhas imperfeições aos meus filhos.
A imperfeição faz parte da educação…
É uma parte muito importante da educação dizer: “A mamã hoje está cansada. A mamã hoje não quer ler uma história. A mamã hoje não quer brincar. Ou a mamã hoje deu um grito, ou ficou zangada, mas há alturas em que a mamã também comete erros, não há problema nenhum nisso”. O problema surge quando batemos nas crianças todos os dias, quando as crianças têm muito medo.
E quais são os riscos de tentar fazer tudo perfeito?
Há uma síndrome, um distúrbio, que se chama síndrome da parentalidade intensa. Ou melhor, síndrome da maternidade intensa. É uma síndrome que aparece quando os pais querem fazer tudo bem feito, quando estão sempre com os filhos, quando dormem juntos, quando estão sempre presentes na vida dos filhos, não descansam. E esta síndrome da maternidade intensa leva a mais raiva, a mais gritos. Os pais sentem que não têm um momento livre, experimentam muito stress e este stress volta-se contra os filhos.
E há casos muito graves. Estou a trabalhar agora com uma família que fez tudo em função do filho. Levou-o para a melhor escola de Madrid, ficando sem dinheiro para comprar outras coisas importantes ou para ter calma. Sempre ao colo, a dormir com ele, tudo, tudo. E foi tão intenso, durante tantos anos, que agora a mãe, acima de tudo, tem uma relação muito negativa com o seu filho.
Uma síndrome que pode até levar a situações de burnout parental?
Claro. A síndrome da maternidade intensa é uma síndrome de burnout. E ocorre frequentemente em pais que se sentem os melhores pais, que vivem a parentalidade com mais entusiasmo.
Eu fui um pai que se entusiasmou muito com os filhos. Dediquei-lhes muito tempo. Mas, como psicólogo, não gosto de exigir mais de mim do que aquilo que posso dar. Por isso, soube sempre parar. Como psicólogo, dei muita importância ao meu tempo e ao tempo de casal. E tive de o explicar muitas vezes à minha mulher - porque a minha mulher costumava dedicar muito tempo às crianças - que é importante que eu e ela vamos dar um passeio, que vamos ao cinema uma vez por mês, que possamos ir jantar fora um dia. E é difícil quando as crianças são pequenas, porque precisam de nós a toda a hora, mas se conseguirem com os avós, se conseguirem com os tios, alguém que vos ajude, é importante.
Qual é o papel dos pais na formação do cérebro das crianças?
Sabemos que a influência dos pais no cérebro das crianças é pequena, 15 ou 20%. Mas esses 15 ou 20% podem fazer uma grande diferença entre uma criança e outra. Os pais, em primeiro lugar, ajudam as crianças a ter aquele sentimento de segurança a que chamamos vinculação. A vinculação é muito importante e o estilo de vinculação é muito importante para o desenvolvimento emocional das crianças.
Também somos muito importantes durante os primeiros seis anos de vida no desenvolvimento da linguagem, no tipo de atenção que as crianças têm, no tipo de concentração e também na forma como estruturam a sua memória. Isso é muito importante.
E, depois, naquilo a que chamamos a estruturação da cognição, da memória, da atenção, da concentração, do controlo dos impulsos. Os pais são muito importantes. E depois é também muito importante, à medida que a criança progride, a gestão da frustração e da raiva.
Quando os pais gerem a frustração de uma forma calma, tentam encontrar soluções, procuram a ajuda de outras pessoas, os nossos filhos aprendem a fazer isso. Quando nos deparamos com a frustração e ficamos muito zangados, experimentamos muito sofrimento, os nossos filhos aprendem connosco. Sabemos isso através de estudos efetuados desde os anos 60 sobre a expressão da raiva, da fúria e da frustração.
E a questão dos limites?
Muito importante. É importante em todas as idades, incluindo a adolescência. Muito importante. Muito importante.
Dizem que as crianças estão sempre a testar limites. Mas o que é realmente impor limites aos nossos filhos?
Estas são as três principais situações em que impomos limites: a relação com os outros, com as crianças na escola, com os professores, mas também connosco.
Se permitirmos que nos batam, se permitirmos que nos falem mal ou se os impedimos. Não permito que falem assim comigo, não permito que me tratem assim, que me batam, etc. Para que eles percebam que também não podem ser tratados assim. Eles percebem que não podem fazer isso, mas também que ninguém lhes pode fazer isso.
Eu digo sempre que a falta de limites dos pais é uma forma de abuso dos filhos. Porque, atualmente, há pais que acham que é melhor que as crianças cresçam sem limites, que se desenvolvam livremente. Há até escolas onde as crianças podem escolher se vão para a aula ou se ficam no recreio, se querem começar a ler ou não. E isso causa muitos problemas às crianças. São os limites e as regras que explicam às crianças e aos adolescentes o que é correto, o que funciona e o que não funciona. O nosso trabalho é ensinar-lhes isso.
E o que é que fazemos quando eles testam os limites e não os seguem? Castigamo-los?
Temos muitas ferramentas. Dependendo da idade da criança, dependendo do que aconteceu, o castigo é normalmente uma ferramenta, mas não é uma ferramenta muito eficaz. A reparação funciona melhor. Se a minha filha me tirou o telemóvel, posso castigá-la, mas o mais importante é que ela mo devolva.
É isso que é importante. Há pais que castigam os filhos, mas não retificam, não reparam os danos que eles causaram.
A minha filha derruba sempre o copo de água quando estamos a almoçar. Ela atira o copo de água, ela atira o copo de leite… Posso castigá-la, posso repreendê-la ou posso ensiná-la a pegar num pano, a limpar a mesa e a encher de novo o copo de água.
O castigo geralmente ensina as crianças a sentirem-se culpadas, mas não é muito eficaz. Por vezes é necessário, mas normalmente não é eficaz.
Um exemplo: na semana passada tive um pai no meu gabinete cujo filho, quando vai a casa do primo, bate-lhe sempre. É um miúdo de três anos. Bate sempre no primo, um dia e outro dia e outro dia. Eu disse-lhe que era muito simples, que tinha de estabelecer uma regra e a regra era “não podes bater no teu primo”. Se ele bater, vão-se embora da casa do primo. Isso é uma consequência, porque estamos a proteger o primo e estamos a proteger o nosso filho. E o pai respondeu: “Mas eu prefiro castigá-lo sem televisão porque isso incomoda-o mais e porque eu gosto de estar em casa do meu irmão”. E eu digo: claro, mas se o objetivo é chatear a criança, isso é um castigo. E normalmente elas não aprendem muito. Se o objetivo é proteger, isso é uma consequência e ela aprende mais. É essa a diferença.
Falou do facto de estarmos a dar demasiadas opções às nossas crianças. Em questões que provavelmente não têm escolha possível, como se querem ou não ir à escola naquele dia…
Estamos a fazer mal aos nossos filhos com isso. Sim, atualmente, os pais têm a perceção de que têm de reagir aos filhos, de dialogar, de negociar, de chegar a um compromisso. E isso não é verdade. As regras são estabelecidas pelos pais. Por vezes, podemos dar opções aos nossos filhos, outras vezes não.
Por isso, as regras têm de ser estabelecidas pelos pais e as crianças têm de as seguir. Têm de ir à escola, têm de usar o cinto de segurança. Com crianças pequenas, de dois anos, há pais que não põem o cinto de segurança no carro porque os meninos não querem sentar-se na cadeirinha e levam-nos ao colo. Mas isso não é uma opção, pois não?
Eu explico sempre que as crianças têm três tarefas e os pais têm três tarefas. As três tarefas dos pais são dar segurança às crianças (dar-lhes comida, uma casa para viver, uma cama para dormir e dar-lhes beijos). A segunda função dos pais tem a ver com a compreensão das emoções das crianças e a terceira tem a ver com o estabelecimento de limites e regras. Estas são as três funções dos pais, não há mais nenhuma.
Parece fácil...
Parece fácil, mas não é.
E quais são as tarefas das crianças?
A primeira é brincar. A segunda é experimentar emoções. E a terceira, que é o que estava a dizer, muito importante, é compreender o que podem controlar e o que não podem controlar.
E quando juntamos as duas coisas e eu digo ao meu filho que temos de sair do parque porque temos de ir para casa tomar banho, eu estou a fazer o meu trabalho de estabelecer limites, a criança pode começar a chorar, tudo bem porque é o seu trabalho, experimentar emoções, e eu posso compreendê-lo, tudo bem porque o meu trabalho é compreendê-lo, mas depois o meu trabalho acabou, não tenho mais nenhum. E depois ele tem de aprender a compreender que é a sua função, que não pode controlar a hora do banho. A hora do banho é uma coisa que a mãe e o pai estabelecem.
E que ele pode controlar outras coisas, como relaxar, deixar-se banhar, jogar outros jogos, etc, brincar na água. As crianças que não compreendem o que podem controlar e o que não podem deixam de brincar, tendem a controlar tudo e acabam por sofrer de ansiedade.
Conhecemos bem os nossos filhos?
Bem, cada vez mais compreendemos algumas coisas importantes sobre a infância, como o facto de precisarem de amor, de tempo, de atenção. Mas, ao mesmo tempo, não compreendemos outras coisas que são importantes, como o facto de precisarem de limites, de regras, de se esforçarem, de enfrentarem os seus problemas, de não os podermos proteger demasiado.
O principal problema do século XXI é a sobreproteção das crianças.
Falemos então do público-alvo deste seu novo livro, "Prepara-te para a Vida", os adolescentes. Os nossos adolescentes parecem cada vez mais desinteressados de tudo, não querem saber de nada. Em suma, estão cada vez mais desligados do mundo. Ligados às novas tecnologias, mas desligados do mundo.
Está de facto a acontecer. Os adolescentes de hoje estão muito ligados uns aos outros. Têm uma linguagem comum, que tem a ver com emojis, tem a ver com gifs, tem a ver também com uma linguagem a que chamam brain rot, que é a mesma em Portugal, em Itália, nos Estados Unidos, no Brasil, e que é uma série de palavras, uma série de expressões que eles usam. Penso que eles têm mais aceitação de pessoas diferentes, da homossexualidade, têm mais aceitação do que nós, mas é verdade que lhes falta envolvimento noutras questões.
São menos ativistas, protestam menos, acho que sentem que têm menos capacidade para mudar o mundo, menos entusiasmo para mudar o mundo, do que nós tínhamos ou do que as gerações anteriores tinham, sobretudo nos anos 60 e 70.
E depois há outra questão que tem a ver com os ecrãs. Quanto tempo é que eles passam com os ecrãs? Onde é que eles os usam? Usam-nos na cama à hora de dormir, usam-nos à mesa de jantar, quando devíamos estar a conversar em família?
Este livro foi escrito diretamente para os adolescentes? É um livro para os adolescentes lerem, ou é um livro para os pais lerem e aprenderem a lidar com os seus filhos adolescentes, para se colocarem no lugar deles?
É um livro escrito para adolescentes, mas alguns adolescentes não gostam de ler.
Alguns…?
(Risos) Muitos não gostam de ler. Há muitos que estão a ler o livro e estão a gostar. E os pais gostam muito de o ler, porque aprendem coisas que talvez ninguém lhes tenha explicado quando eram adolescentes, coisas que acham que podem transmitir aos seus filhos.
Encontram as histórias, as palavras, o raciocínio no cérebro que podem utilizar para falar e aprender sobre os seus próprios filhos e sobre eles próprios, muitas vezes.
Uma das lições de que fala no seu livro é a questão das companhias. Que é talvez o maior medo dos pais de adolescentes e o aspeto sobre a qual os pais têm menos controlo. E nós sabemos que os pais têm uma grande influência no crescimento dos nossos filhos e no desenvolvimento dos nossos filhos. Como é que podemos preparar os nossos filhos para escolherem bem as suas companhias?
É muito difícil, porque nós, pais, temos muita influência sobre os nossos filhos quando são pequenos, desde que nascem até aos 10, 11 anos. A partir dos 12 anos, as crianças deixam de nos ouvir. Como se chamam os teus filhos?
Pedro e António.
Quando o Pedro e o António tiverem 13, 14 anos, vais dizer-lhes: “Limpem a mesa, desliguem a televisão, tragam-me a camisola”. E cinco minutos depois vais dizer: "Pedro, traz-me a tua camisola". E ele diz: “Não me disseste isso”. Eles não ouvem os pais. Por isso, é importante não os confrontar sobre o tema dos amigos. Quando um adolescente fica sem amigos, é tão difícil para ele como é para um adulto que fica sem casa, sem emprego ou sem parceiro.
Para eles, os amigos dão-lhes muita segurança. Por isso, mais do que confrontá-los e dizer-lhes “não gosto deste teu amigo”, é fazê-los ver: “eu noto que quando vens de estar com este amigo, vens mais triste, certo? Vejo que chegas zangado”…
Gosto muito que os rapazes e as raparigas tenham pelo menos dois grupos de amigos. Ou seja, um grupo de amigos da escola e um grupo de amigos do desporto ou um grupo de amigos da igreja… Porque, se tiverem diferentes opções, poderão sempre escolher aquela com que se sentem melhor. A nossa função como pais é ouvi-los e ajudá-los a compreender as suas emoções. Mas o que tende a funcionar muito mal é proibir.
Outra lição que nos dá no seu livro é que nem sempre tudo acontece como planeamos. É uma lição para todas as idades. Como podemos preparar os nossos jovens para aceitarem o fracasso e recuperarem dele? É importante que eles passem pelo fracasso?
É essencial. Os nossos filhos também precisam de passar por dificuldades, precisam de lutar, precisam de falhar e de se levantar. E têm de fazer esse trabalho diariamente, connosco, em casa. Quando lhes pedimos que ponham a mesa e eles se enganam, quando derrubam o copo de água e lhes dizemos: “Atiraste-o, não faz mal, todos cometemos erros, mas vamos corrigi-los”, quando reprovam num exame e, em vez de lhes dizermos que isso é terrível, que é uma coisa muito má, simplesmente ajudamo-los a compreender que isso pode acontecer, mas também podemos fazer melhor da próxima vez.
Ensiná-los a superar o insucesso é ajudá-los a compreender que vão cometer erros, mas que também podem fazer melhor da próxima vez.
Sabemos que os adolescentes de hoje são superprotegidos e que muitas vezes não os deixamos enfrentar os seus problemas. Por vezes, os pais que protegeram os filhos aos três, quatro, cinco, sete anos, quando o filho tem 16 anos e tem um grande problema de dependência tecnológica, de toxicodependência, de insucesso escolar, dizem-lhe: “Bem, tu vais resolver isso sozinho”. Se não praticaram a resolução de problemas durante dez anos, é muito injusto pedir-lhes que o resolvam.
Temos de os ajudar desde tenra idade, deixando-os resolver os seus próprios problemas.
Sei que é muito crítico em relação à utilização das novas tecnologias.
Defendo que, até aos seis anos de idade, as crianças não devem utilizar qualquer tipo de ecrã.
Já me estou a sentir uma péssima mãe…
(Risos) Bem, eu também tenho de admitir que os meus filhos, quando vão para casa dos avós, também brincar com ecrãs. Em casa, não os deixamos, mas quando foram para casa dos avós tiveram um primeiro contacto, com regras, com limites.
Tenho duas perguntas a fazer-lhe sobre a tecnologia. A primeira é: porquê, porque é que ela é tão perigosa? E a segunda é: como é que conseguimos que os nossos filhos não utilizem as tecnologias quando estamos rodeados por elas?
Desde os anos 80, temos muitos estudos que nos falam de quanto mais tempo de televisão, mais insucesso escolar. Temos muitos estudos que nos dizem como isso afeta e tem impacto no cérebro. Não quer dizer que as novas tecnologias sejam más em si, mas é mau quando se passa demasiado tempo com elas. É mau quando as usam e sem controlo.
Quando há um filho que bate no pai porque este lhe tira o ecrã, estamos a falar de vícios dos ecrãs com 15 ou 16 anos. Isso vem do facto de, quando tinham dois, três ou quatro anos, os pais tinham medo de lhes tirar as coisas. Portanto, é algo de que temos de estar conscientes.
O meu filho, por exemplo, está a aprender a falar russo e a tocar piano com o telemóvel. Tem 15 anos e está a utilizá-lo para esse tipo de coisas.
Mas como é que conseguimos evitar a utilização da tecnologia pelas crianças se estamos rodeados por ela?
Quando a minha filha fez 12 anos, todos os amigos tinham um telemóvel e nós dissemos que não. Tínhamos dito que ninguém lhes ia dar um telemóvel, mas no dia em que ela começou a escola todos tinham um telemóvel. Decidimos esperar. Demos-lhe um telemóvel passados alguns meses, mas foi sempre isto que lhe explicámos: “Este telemóvel não é teu, este telemóvel é nosso, podes usá-lo às sextas-feiras, sábados e domingos e estamos dispostos a prolongar este tempo pouco a pouco.”
É importante fazê-lo pouco a pouco, para perceber sempre se o rapaz ou a rapariga tem autocontrolo. Ou seja, “quando eu disser dá-me, tu dás-me, não te sintas viciado”, porque é importante que os rapazes e as raparigas aprendam a entrar e a sair da tecnologia. Temos de regular a utilização, o tempo e a forma como podemos entrar e sair.
Quais são os perigos específicos das novas tecnologias na adolescência, para além da dependência?
Bem, temos muitos. O primeiro perigo é, de facto, o vício. Atualmente, pensamos que a maior parte dos adolescentes abusa. Usam os ecrãs muito mais do que deviam, mas do abuso passa-se para a dependência.
O segundo perigo das novas tecnologias, que ocorre sobretudo nos primeiros anos, quando têm 12, 13, 14 anos, tem a ver com o cyberbullying, as mensagens que enviam uns aos outros, que por vezes são muito prejudiciais.
E outro perigo muito importante tem a ver com a falta de sono. Há rapazes e raparigas que estão muito viciados em jogos de vídeo e deixam de fazer outras coisas que são importantes para eles nessa idade, como relacionar-se com os seus pares, desenvolver competências sociais, ter uma boa conversa e dormir.
E como é que encara o facto de alguns sistemas educativos, incluindo o português, estarem a implementar manuais digitais, testes digitais, em idades muito precoces?
Sim, aos seis anos, aos sete anos.
Bom, veja, por exemplo, na Estónia, é o país que tem o sistema educativo mais digitalizado, e é o segundo país europeu nos testes PISA. E há alguns anos tive a oportunidade de falar com o ministro da Educação da Estónia e ele disse-me que não usam tanto os ecrãs porque são bons para ensinar, mas usam-nos porque são muito bons para medir. Têm um registo perfeito dos resultados de todos os alunos da Estónia em testes de matemática, em testes de inglês. Podem saber, por exemplo, se os alunos do quinto ano têm dificuldades com a multiplicação ou se têm mais dificuldades com os problemas. Depois utilizam esses resultados para analisar. Mas é verdade que, por exemplo, em Espanha já se está a abandonar a utilização de ecrãs para os manuais escolares.
Já está a fazer o percurso inverso…
Sim, já estão a começar. Porque temos muitos estudos que dizem que a compreensão da leitura é melhor com um livro em papel, que compreendem melhor as coisas quando escrevem à mão, do que quando estão a escrever à máquina… Em todo o caso, como trabalho com diferentes escolas, não me preocupo muito com a utilização de ecrãs nas aulas.
O que me preocupa nem é tanto o ecrã na sala de aula, porque é um suporte de informação e eles vão ler livros de um escritor importante, vão ler a história de Portugal, essa informação interessante num formato diferente. O problema é o tempo que eles passam em casa a fazer atividades de lazer, crianças que passam duas horas a ver vídeos do TikTok, YouTube… e esse tipo de atividades não contribui em nada para eles.
Não gosto do ecrã digital nas aulas, mas acho que é muito melhor do que o que acontece em casa.
Só mais uma pergunta, que é mais uma provocação. Tem três filhos e em Portugal temos um ditado que é “em casa de ferreiro, espeto de pau”. A teoria ou os ensinamentos que nos dá através dos seus livros também os aplica em sua casa, com os seus três filhos?
Sim, tento aplicá-la em casa. Acho que há coisas que fazemos muito bem, mas, por exemplo, a minha mulher protege sempre demasiado os filhos. Essa é a dificuldade dela. A minha é que há alturas em que tenho mais stress do que devia e tenho dificuldade em relaxar.