Estudo e férias não precisam de andar de costas voltadas: "É possível fazer das férias um bom momento de aprendizagem"

27 jul 2024, 18:00
Crianças

Doze semanas. Portugal é dos países da europa com as férias escolares mais longas. Muitos pais deparam-se neste período de verão com a dúvida se devem ou não incentivar ou obrigar os filhos a estudar durante as férias. Uma psicóloga e um professor apontam vantagens e desvantagens de estudar nas férias e dão estratégias para aprender em tempo de lazer

As férias são, por definição, um período de descanso e de festa. Todos as merecem e precisam delas, incluindo as crianças e os jovens estudantes. Com uma média de 12 semanas de férias, Portugal é dos países europeus com a pausa escolar de verão mais longa. As crianças de França e Luxemburgo, por exemplo, têm menos quatro semanas. Muitos pais deparam-se com a necessidade de ocupar os filhos durante estes três meses e com a dúvida se devem ou não obrigar ou incentivar as crianças a estudar em período de descanso.

Jorge Rocha, professor de Filosofia e Psicologia, no Agrupamento de Escolas Professor Armando Lucena, na Malveira, Mafra, defende que é possível juntar o útil ao agradável e garante que, “com inteligência, é possível fazer das férias um bom momento de aprendizagem”.

“A ciência demonstrou já de forma consistente que as férias provocam um elevado nível de esquecimento, pelo que importa combater este efeito, mas fazê-lo com a sabedoria necessária para não matar o descanso e o prazer. Deve agir-se com bom senso, adequando o plano de ação à duração das férias, à idade do aluno e também ao seu desempenho no ano findo e até ao cumprimento do plano de férias”, explica o docente, salientando “que são os alunos de classes desfavorecidas que sofrem perdas mais extensas com as férias, até porque têm, tradicionalmente, menos acompanhamento e menos acesso a aprendizagens paralelas”.

Uma ressalva que é feita também pela psicóloga Sofia Mendes, especialista em Psicologia da Educação, docente na Universidade Lusíada e membro do conselho de especialidade de Psicologia da Educação da Ordem dos Psicólogos Portugueses. A especialista destaca que “as famílias têm condições muito diferentes umas das outras”, o que atribui aos atores das comunidades locais, como autarquias e Instituições Particulares de Solidariedade Social “uma responsabilidade acrescida de as crianças mais desfavorecidas, nas suas férias de verão, terem acesso” a experiências que proporcionam momentos de aprendizagem. É preciso, diz, “criar respostas, divulgá-las devidamente e criar condições de acessibilidade a todos”.

Como "estudar"?

Sofia Mendes recomenda “uma abordagem muito equilibrada, tendo em conta as especificidades de cada família e de cada criança, proporcionando atividades lúdicas, artísticas, oportunidade de explorar temas do seu interesse de forma mais autónoma, através da leitura, filmes ou atividades desportivas”.

Sofia Mendes lembra que “não aprendemos só na escola”. “Podemos proporcionar às crianças e às famílias e até aos pais momentos de aprendizagem, com viagens, visitas a museus, eventos culturais…”, exemplifica.

O professor Jorge Rocha dá outros exemplos de como estudar, sem… estudar: “ir ao cinema, ao teatro, ler – considerar planear um tempo diário em que toda a família se dedica à leitura, passear em família (planeando o passeio em conjunto com os filhos, nomeadamente descobrindo os pontos de interesse a visitar), jogar em família e/ou com amigos uma ampla variedade de jogos, planear e fazer compras e cozinhar em conjunto, considerar fazer registos fotográficos ou de vídeo e um relatório (de preferência escrito) de final de atividade ou do dia.

O importante, frisa o docente, é “estudar para compreender e não se limitar a decorar mecanicamente”. “O conhecimento constrói-se em rede. Importa perceber as relações entre os novos conteúdos e os anteriores, alargar horizontes. Aplicar os conteúdos à experiência, quer a que se tem na memória, quer aquela que é vivenciada nas próprias férias”, sublinha Jorge Rocha.

“A frequência de um curso intensivo de verão (nas línguas, mas não só) será natural para compensar aprendizagens não realizadas ao longo do ano”, acrescenta.

A idade da criança tem influência?

Jorge Rocha considera importante ter em linha de conta a idade da criança para definir as atividades que podem proporcionar algum tipo de aprendizagem.

“A idade é muito relevante, com influência no tipo de atividades realizadas e nos tempos dedicados às mesmas. Deve ter-se em conta que estudar com os mais pequenos é muito simples e mutuamente prazeroso, pois é fácil encontrar momentos de aplicação dos conteúdos escolares às situações quotidianas: inventar palavras a partir das matrículas dos automóveis, escrever os planos para os diferentes dias, escrever as listas das compras, dando autonomia para descobrir o que faz falta na despensa, ler as placas das estradas, calcular as distâncias já percorridas e a percorrer, aplicar o cálculo na confeção conjunta de bolos, localizar no mapa a origem dos produtos e escrever o nome dos países, etc.”, diz, sublinhando que estas atividades podem mesmo proporcionar “momentos divertidos”, que criam memórias em família.

Jorge Rocha alerta ainda para um problema com que os pais se deparam, sobretudo durante as férias: o uso excessivo de ecrãs. Diz o professor que é preciso “uma utilização responsável e disciplinada dos ecrãs, de modo a não serem distratores da atenção nas diversas atividades”.

Professor e psicóloga sublinham que, nesta matéria, “como em tudo, os pais são os modelos mais importantes para os filhos”.

“Mais do que incentivar a criança a estudar, tenho de refletir que adulto sou eu na modelagem do interesse pelo estudo, pelo conhecimento, pela Matemática, pelas ciências. É preciso também reconhecer que há crianças que não gostam, por exemplo, de ler ou que têm outros interesses e que todos nós, em diferentes fases das nossas vidas, vamos mudando de interesses”, acrescenta Sofia Mendes.

Visitas a bibliotecas, museus e monumentos também são momentos de estudo

O que estudar?

As férias devem ser, acima de tudo, um tempo para desligar de rotinas rígidas, mas podem também servir para consolidar conhecimentos adquiridos durante o tempo de aulas ou mesmo aprofundar a aprendizagem de matérias que eventualmente terão sido menos exploradas. Para um trabalho mais formal, digamos assim, “importa estudar as matérias da escola que não ficaram compreendidas” e “ir mais longe e aprender sobre outros assuntos”.

O professor sugere que se faça um plano, negociado com a própria criança, “onde se inclui tempo de lazer e tempo de estudo (há atividades que são ambas as coisas, o que é ótimo)”. E incluir nestas atividades os mais diversos recursos, regressando aos materiais usados no ano letivo, mas recorrendo também a outros disponibilizados pelas editoras escolares ou existentes na internet, fazer visitas a bibliotecas e a museus e monumentos, que inclusive organizam atividades educativas, gratuitas para os mais pequenos e, aos domingos e feriados, para toda a família.  

Quando e com quem estudar?

Este estudo mais formal deve, assim, depender sempre de cada criança, das suas necessidades e dos seus interesses, e de cada família, da sua disponibilidade. Sofia Mendes sugere que “neste início de férias devemos permitir que elas sejam gozadas a 100% e depois estimular e incentivar”, eventualmente, esse estudo.

“À medida que nos aproximamos do tempo de regresso às aulas, temos de criar um conjunto de rotinas para facilitar o regresso às aulas”, sugere, salvaguardando que há atividades, como muitas das atrás sugeridas, que não precisam de esperar pelo fim do período de descanso.

O professor Jorge Rocha defende que “ao longo das férias podem-se ir colocando os períodos de estudo e aprendizagem de modo a intercalar atividades mais lúdicas com outras menos prazerosas, sendo que a frequência daquelas é uma boa moeda de troca para o empenho que é colocado nestas”.

Como qualquer atividade, estudar também é mais entusiasmante, prazeroso e eficiente, se for feito com companhia. “Dependendo da tarefa, da idade e da disponibilidade, a ajuda externa de pais ou de irmãos ou até de amigos, é também uma boa oportunidade para fortalecer laços”, nota Jorge Rocha.

Psicóloga sugere abordagem "equilibrada" entre estudo formal e férias

Vantagens e desvantagens de estudar nas férias

A psicóloga Sofia Mendes faz um balanço dos aspetos positivos e negativos de estudar nas férias:

Vantagens

- Favorece a retenção de conhecimento e evita as “perdas de verão”. “A investigação mostra que as crianças durante o verão perdem aprendizagens que podem afetar o desempenho quando a criança retoma a escola. Este fenómeno é mais acentuado nas crianças de famílias mais carenciadas.”

- Desenvolvimento cognitivo contínuo. “Temos de pensar que isto não se faz só de modo formal. Já vimos anteriormente uma série de atividades informais que, consoante a idade, podem ser atividades de estudo e que podem ser úteis e divertidas.”

- Reforçar e consolidar aprendizagens que não foram adquiridas ou estão fragilizadas. “Cada criança é diferente e tem as suas necessidades. Os pais têm de estar atentos e em consonância com os professores, para que se insista nas aprendizagens que as crianças têm menos consolidadas.”

- “Estudar é um hábito e um hiato de tempo sem estudar vai ter implicações nos hábitos do trabalho das crianças no ano seguinte.”

Desvantagens

- Não estamos a respeitar as necessidades de descanso e relaxamento. “Do ponto de vista do desenvolvimento e para a saúde mental, as férias, a inatividade e o descanso são fundamentais. O burnout também afeta as crianças. As pausas ajudam a que as crianças estejam mais resilientes no próximo ano letivo.”

- Estamos a privar as crianças de desenvolver outros tipos de competências. “Se as inundamos com atividades académicas, estamos a tirar tempo para brincadeiras ao ar livre, interações sociais… não estamos a atender ao desenvolvimento global, que é tão ou mais importante que o desenvolvimento académico. Negligenciamos o desenvolvimento motor. Negligenciamos o desenvolvimento social, impedindo, por exemplo, a participação em acampamentos de verão, em jogos de equipa…”

- Estamos a comprometer tempo para estar em família e tempo livre para exploração. “Todos temos memórias muito duradouras das férias de verão. É quando as famílias têm mais tempo para interação. É importante refletir se queremos, nas férias, estar a criar momentos de desgaste académico e familiar.”

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