"Grave", "inconcebível", "raia a incompetência", "não é possível": o ministro Medina desmentiu as ministras Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva

21 abr 2023, 12:00
Ana Catarina Mendes, António Costa e Fernando Medina (Lusa/Tiago Petinga)

Em causa está um parecer que duas ministras queriam manter em segredo e que supostamente fundamentava a decisão de despedimento por justa causa da ex-CEO da TAP Christine Ourmières-Widener. António Costa está em silêncio sobre esta matéria - e "é ele o principal responsável"

Primeiro o Governo recusou-se a dar o parecer à comissão de inquérito à TAP. Depois, duas ministras - Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva - explicaram que o parecer não podia ser dado porque a sua divulgação "envolve riscos na defesa jurídica da posição do Estado". A seguir veio um ministro, Fernando Medina, dizer que o parecer não existe e que não tinha percebido quem alimentou a ideia de que existia (as duas ministras alimentaram-na: nunca disseram que não existia e defendiam até que devia permanecer em segrego). “Não é possível que dois titulares de pasta digam uma coisa e que um outro diga uma informação perfeitamente contraditória”, diz o politólogo e professor catedrático da Universidade Lusófona José Filipe Pinto.

Mas foi possível - aconteceu. “Existe um claro problema de comunicação ao nível do Governo” sublinha José Filipe Pinto. É aquilo a que o professor de Ciência Política André Freire chama “descoordenação política” dentro do próprio executivo - mas vai para além disso: evidencia os problemas que o Governo tem de “lisura na relação com os outros órgãos do sistema político, nomeadamente a Assembleia da República, que pediu por várias vezes o tal parecer que afinal não existe”. De resto, o próprio PS pediu esse documento.

“Tudo isto demonstra que não falam uns com os outros, que não se coordenam, não se articulam, o que é bastante grave”, acrescenta André Freire, ironizando com o tempo entre as palavras das ministras e o esclarecimento de Fernando Medina, que “devia ter dito aos seus colegas [o que se passava] e depois fazer um comunicado, em vez de deixar andar - a não ser que ele não veja notícias, o que também é grave e não é credível”.

José Filipe Pinto fala mesmo numa “situação inconcebível” que coloca em causa a orgânica governamental, refletindo um problema de comunicação interna mas também externa - seja para os deputados, seja para os portugueses. “Juntando tudo isto temos um Governo que está a entrar em disfuncionamento. Tem muitas dificuldades em lidar com os dossiês e, neste caso, é clara a falta de coordenação interna, o que transmite uma imagem de fragilidade, a raiar a incompetência”, sublinha, afirmando não perceber como não se preparou todo o assunto TAP de uma outra forma, uma vez que se sabia que seria algo amplamente escrutinado.

Uma imagem que, na ótica de André Freire, “fica mal” depois de se terem passado vários dias até que todo o caso do parecer fosse esclarecido devidamente. “No fundo é mais um episódio no Ministério das Finanças. Não sabemos se o problema é se a decisão de demitir a CEO da TAP era político ou tinha respaldo jurídico”, vinca.

E se falha a coordenação falha também o coordenador. E o coordenador deste Governo, como de qualquer outro, é o primeiro-ministro. José Filipe Pinto afirma que, inevitavelmente, “a coordenação cai” em António Costa, “porque foi ele que formou a equipa governamental, é a ele que compete coordenar essa equipa”. André Freire concorda, até porque “tudo o que acontece no Governo, em última instância, é responsabilidade do primeiro-ministro”. “No fim do dia, a responsabilidade política é dos políticos - e, acima de tudo, no conjunto do Governo é o primeiro-ministro o principal responsável”, conclui André Freira.

Partidos querem saber quem "está a mentir"

A Iniciativa Liberal considera que há um ministro que "está a mentir ao país" e quer saber qual: o presidente do partido, Rui Rocha, pediu ao primeiro-ministro que "fale" com os ministros para que haja um esclarecimento. "Ponha-os a falar uns com os outros e venha dizer qual dos ministros está a mentir aos portugueses", pediu.

Declarações semelhantes às de Mariana Mortágua, que não ficou surpreendida por não haver um parecer mas que ficou surpreendida por haver duas ministras que achavam que o parecer existia. "Era relativamente óbvio que [o parecer] não existia. Era óbvio para quem não sabia, imaginem para as duas ministras que afirmaram publicamente que ele existia."

Já André Ventura tem uma leitura diferente. O presidente do Chega não acredita que não exista um documento jurídico a justificar a saída de Christine Ourmières-Widener. No entanto, o deputado concorda com a restante oposição: "O Governo já mentiu uma vez e está a mentir outra vez. Quanto mais dias passam sem que António Costa fale sobre isto é mais um dia no tiro da credibilidade que o país deveria ter e não tem".

Ainda antes de Medina dizer que o parecer não existia, o líder do PSD defendeu que os ministros que recusem enviar documentos pedidos pela comissão de inquérito à TAP incorrem no crime de desobediência qualificada. Luís Montenegro já falava numa "distorção completa do equilíbrio de poderes constitucionais". “Os deputados na CPI vão solicitar que a lei seja aplicada e a lei é muito clara: compete ao presidente da CPI dar nota deste incumprimento legal ao presidente da Assembleia da República e a este fazer a participação ao Ministério Público pela prática do crime de desobediência qualificada dos ministros das Finanças, das Infraestruturas e da Presidência do Conselho de Ministros”, defendeu.

O contexto

Numa nota enviada à agência Lusa, o gabinete de Ana Catarina Mendes foi claro: “O parecer em causa não cabe no âmbito da comissão parlamentar de Inquérito” e “a sua divulgação envolve riscos na defesa jurídica da posição do Estado”. Já Mariana Vieira da Silva disse, em plena comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, que “estando em causa um parecer jurídico, julgamos que a defesa do interesse público e dos interesses do Estado nesta matéria beneficiam de poder não tornar público um conjunto de informação nesta matéria”.

Só que, já depois de as ministras terem falado, o ministro das Finanças esclareceu porque não se enviava, então, o tal documento: “Não há nenhum parecer. A ideia que se criou de que haveria um parecer… não há nenhum parecer adicional àquilo que é a base da justificação da demissão - que é mais do que suficiente para quem a leu - que é o parecer da Inspeção-Geral de Finanças”, disse Fernando Medina. Esse parecer da Inspeção-Geral de Finanças foi tornado logo público pelo Governo quando foi anunciado o despedimento da ex-CEO - portanto não pode ser a esse parecer que as duas ministras se referiram porque falaram num parecer que não podia ser tornado público.

Relacionados

Governo

Mais Governo

Patrocinados