Covid-19: Vive com medo de ser infetado com o vírus? Saiba o que deve fazer para ultrapassar o problema

7 fev 2022, 07:00
O medo causa mudanças de comportamento

Há pessoas que vivem em constante receio de serem contaminadas. A CNN Portugal falou com psicólogos que explicam como se pode ultrapassar este problema. Traçar um plano de regresso à normalidade e identificar gatilhos são algumas das opções

Sentir medo perante uma situação de perigo é uma resposta natural do ser humano, no entanto, em alguns casos pode tornar-se dominante. Durante a pandemia, o medo de ser infetado tem paralisado muitas pessoas que vivem reféns do receio de apanhar covid. A CNN falou com psicólogos que explicam os alarmes a que deve estar atento, sobretudo quando o medo constante leva a mudanças comportamentais e a sinais físicos e psicológicos mais evidentes. 

O problema do medo, sobretudo quando acontece de uma forma demasiado intensa, é que faz com que nos foquemos demasiado no problema e na fonte do medo, o que leva a tomadas de decisão que não são equilibradas”, começa por explicar Miguel Ricou.

Segundo o psicólogo, quando a pessoa se foca demasiado no problema que causa o medo, há sempre o risco de acontecer um “desequilíbrio” e “daí podem surgir os prejuízos associados a muitas mudanças no estilo de vida”, como o isolamento e os comportamentos de evicção, por exemplo.

No caso da pandemia, sobretudo no início, o poder desconhecido do vírus foi decisivo: “Toda a informação que circulava fez-nos sentir que estávamos a lutar com algo muito mau, mas invisível, como um jogo virtual”, nota a psicóloga Filipa Jardim da Silva, considerando que esse fato pode ter levado a uma maior sensação de medo. “Isso teve impacto em termos de saúde mental e física”, lamenta.

O que queremos, passados estes dois anos de pandemia, é aprender a regular a intensidade de medo, pois o medo intenso faz-nos paralisar e podemos entrar em pânico”, avisa Filipa Jardim da Silva, explicando que “com esta ativação do pânico, as pessoas agem movidas pelo medo e não orientadas pelo medo”.

O que é o medo?

Por definição, o medo é um estado emocional resultante da consciência de perigo ou de ameaça - seja real, hipotética ou imaginária -, que resulta na preocupação com determinado facto ou determinada possibilidade. 

“O medo é o que põe em alerta o corpo, preparando-o para reagir em circunstâncias que são consideradas como perigosas, foca-nos nessa situação, ajuda-nos a estar atentos a coisas que possam ser perigosas”, começa por explicar Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses. continua.

Que sinais o corpo dá?

A nível cognitivo, é possível perceber que alguém está a ser dominado pelo medo, podendo entrar até em pânico, “quando tem pensamentos muito acelerados, dificuldade de concentração, dificuldade em dedicar atenção a outras e não à única que ocupa o espaço mental”, exemplifica Filipa Jardim da Silva, frisando: “Isso é um indicador em termos cognitivos de que o medo está desregulado”.

A nível corporal, os sinais são variados. Podem ser um “ritmo cardíaco acelerado, palpitações e aperto no peito”, enumera a psicóloga. Mas não só, diz: Há que estar alerta pois há outros alertas, como “alterações em termos digestivos, com lentificação da digestão, alterações de apetite, alterações de sono, alterações em termos de energia física, em que nos sentimos permanentemente cansados e tensos”. “Sentir a musculatura global tensa mesmo em contexto seguro” é também um sinal a ter em consideração, quase como se houvesse “uma parte de nós que não desliga”.

A mudança de comportamento, sobretudo quando relacionados com atos de evicção e isolamento, são também fatores a ter em conta. “Quando respondemos com medo ou por medo respondemos de forma desequilibrada e se nos isolarmos em absoluto vamos ter consequências ainda piores”, alerta Miguel Ricou.

Como ultrapassar o medo?

O primeiro passo, diz o psicólogo Miguel Ricou, “é procurar o equilíbrio e avaliar e analisar a perceção de risco”. E como se consegue isso?  O segredo é, garante Filipa Jardim da Silva, “reconhecer o medo”. Ou seja, não só o que o desencadeia, mas como “se manifesta no próprio corpo, seja a nível de pensamento como de comportamento”. 

Para a psicóloga, “é um exercício de autoconsciência e auto-observação importante” e que permite “pesquisar alguns gatilhos internos”. E dá um exemplo: “Posso perceber dentro deste grande tema que é a pandemia quais os fatores que mais me inquietam, que mais despertam o meu sistema de alerta”. 

Os gatilhos podem ser muitos, o consumo de notícias, os convívios com várias pessoas ou os locais fechados, entre outros. Assim, depois de os detetar deve-se, a seguir, “fazer práticas de flexibilidade mental”. Com elas consegue-se fazer a distinção entre a perceção de risco e o risco real, como também ganhar consciência de “que um pensamento é só um pensamento, não um facto”.

As práticas de respiração são também uma boa estratégia, adianta a psicóloga. “Alguns pensamentos vêm do nosso lado de alerta e devemos reconhecer isso, que é só um pensamento ativador de medo, procurando saber o que se pode fazer, seja respirar de uma forma mais profunda, tentar distrair-me para diminuir a intensidade do pensamento e perceber o que aqui e agora ajuda a sentir mais seguro”.

Com um alívio das medidas no horizonte próximo, algumas pessoas podem não se sentir ainda confortáveis em voltar à normalidade devido ao medo do contágio e nestes casos a psicóloga aconselha cada pessoa a criar o seu “plano de reabilitação”. Assim, é importante, salienta, que cada um monte a sua própria estratégia de regresso à normalidade - e isso pode incluir manter as medidas de segurança, como a máscara, se isso deixar a pessoa mais confortável.

“Cada um traçar deve o seu plano de reabilitação, começar com pequenos contextos de convivência social, com pessoas que conhece e em sítios seguros, antes de ir para contactos de maior escola. Além disso, pode começar gradualmente a diminuir a prática de desinfetar as mãos, que se mantém fundamental, mas que não tem de ser feita exageradamente”, exemplifica.

Quando nenhuma das estratégias acima funciona e a pessoa sente que não tem qualquer ferramenta para combater o medo, a procura de ajuda junto de um profissional da área da psicologia é o caminho mais indicado.

A reação é igual em todas as pessoas?

Não. Segundo Miguel Ricou, “as pessoas são todas diferentes” e, por isso, o medo desencadeia estados e reações distintas até mesmo perante um mesmo cenário real. “Há pessoas que são mais sensíveis ao medo e, nesses casos, foram-se muito nele, mesmo que não queiram sentir medo começam a mudar coisas para o evitar e isso causa danos, desequilibra”.

Ter medo é sempre mau?

Não. No caso do medo, há aquele que tem causas racionais (uma situação evidente e real de perigo, por exemplo) e aquele que tem origem irracional (uma probabilidade, um cenário imaginário que ainda não aconteceu e que a pessoa acredita que pode acontecer). Em ambos, a intensidade e frequência é que ditam o quão impactante pela negativa pode ser. 

O medo “é positivo para o bem-estar”, destaca a psicóloga Filipa Jardim da Silva, com consultório em nome próprio em Lisboa, explicando que faz parte da sobrevivência e da capacidade de resposta e proteção.

“O medo permite dar respostas adaptadas, é uma emoção positiva, necessária e adaptativa”, esclarece, frisando que “o ser humano só sobrevive enquanto experienciar o medo” e “o pior que podemos fazer é fingir que não sentimos medo”, algo que poderá não só camuflar como condicionar a perceção de emoções.

 

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