DGS acusada de esconder dados da covid-19: “Eu como matemático chumbaria um aluno que me apresentasse um relatório destes”

19 mar 2022, 18:43

“Não percebo porque é que, de repente, números que são conhecidos das autoridades de saúde ficam secretos”, critica o matemático Henrique Oliveira, que fala de sonegação e diz que, numa altura em que se fala de uma sexta vaga, os novos relatórios semanais sobre a covid-19 são “pobres”.

“Divulguem os dados, não soneguem informação, não escondam informação dos cidadãos”, exorta o matemático Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico. “Não sei se é por laxismo ou se é por uma filosofia que é incompreensível num estado democrático, moderno, de informação”, mas os dados que a Direção-Geral da Saúde (DGS) passou a divulgar sobre a pandemia são escassos e atrasados, numa altura em que o crescimento de casos voltou e se fala de uma sexta vaga.

“Não percebo porque é que de repente números que são conhecidos das autoridades de saúde ficam secretos”, afirma.

As críticas de Henrique Oliveira foram explicitadas esta sexta-feira à noite na CNN Portugal. O matemático refere-se aos novos relatórios publicados pela DGS, que decidiu na semana passada pôr fim aos boletins diários e transformá-los em semanais. Só que os semanais não são apenas menos frequentes: têm menos informação.

Este relatório semanal é um relatório pobre. Eu, como matemático, não hesitaria em chumbar um aluno que me apresentasse um relatório destes. É um relatório com muito pouca qualidade, nebuloso mesmo”, acrescenta Henrique Oliveira. “Torna-se verdadeiramente impossível fazer previsões de médio e longo prazo”.

O matemático detalha que os relatórios semanais não incluem os dados diários, além de que reportam dados atrasados: saem à sexta com dados da segunda-feira anterior. “É completamente impossível monitorizar e prever. E é completamente impossível atuar.”

“Felizmente, parece que não estamos em situação de grande risco”, mas “a Organização Mundial de Saúde ainda não decretou o fim da pandemia, há novas variante no horizonte e há grande atividade [do vírus] na Europa”, ressalva.

“Por este relatório, até dá a impressão que o Rt já está abaixo de 1, embora ele diga que o Rt que está a 1,02. Como os casos de uma semana para a outra desceram, o Rt teria de ser abaixo de 1. Não se percebe sequer como as contas estão feitas”, critica. “O cálculo do Rt não é mal feito, mas é publicado com grande atraso. E isso não permite tomar as decisões no tempo certo.”

O matemático sublinha a importância de ter informação para se poder tomar decisões. E recorda que, em dezembro de 2020, “conseguimos prever que, se não houvesse o confinamento de natal, iríamos ter alguns milhares de mortos”, o que acabou por acontecer em janeiro e fevereiro seguintes. “Acertámos até na previsão que tínhamos para o dia 28 de fevereiro, que era de 16.500 mortos, falhámos por pouco mais de vinte”.

“Outro exemplo é o da letalidade”, diz, “a dos mais idosos, até à publicação dos dados semanais ter terminado, estava a subir, o que coincide com o facto conhecido de que o efeito da vacinação se reduz muito quando atingimos os quatro meses, sobretudo nos mais idosos e com o sistema imunitário mais debilitado. Se nós perdemos a monitorização disso, deixamos de perceber quando é que temos de dar as doses de reforço a esses escalões etários”.

“Não é bom o país esconder informação dos seus cidadãos e não deixar sequer os cientistas fazer projeções e trabalho com os números que tinham”, remata Henrique Oliveira. "É preciso haver alguma dose de monitorização, pelo menos até a pandemia estar declarada pela OMS. Sem essa linha de informação, não temos defesa nenhuma. Numa pandemia é preciso atuar muito depressa, porque em fase de um crescimento exponencial, se não atuarmos logo o início, esse crescimento torna-se impossível de controlar".

“Perdemos a capacidade de monitorização que já tivemos”

O pneumologista Filipe Froes concorda. “O que estamos a viver agora é uma situação de maior incerteza, estamos com uma monitorização mais atrasada e menos fina. É evidente que não estamos a viver como já vivemos, mas precisávamos de manter os mesmos dados. Até porque, de acordo com o Centro Europeu para o Controlo de Doenças, está-se a assistir na Europa a aumento da atividade. Sobretudo na população com mais 65 anos”.

“Perante esta incerteza, faria sentido manter o que já tivemos, sem a divulgação extraordinária, que não é necessária, mas de maneira a permitir que outras entidades, nomeadamente a Ordem dos Médicos e o Instituto Superior Técnico, através do seu indicador, pudessem monitorizar diariamente a atividade”.

Filipe Froes conclui: “Se estamos a tomar decisões com base em indicadores que não estão corretos, que não são tão precisos, e atrasados, podemos não estar a tomar as melhores decisões. E podemos fazer o diagnóstico tardio”.

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