Até a covid-19 mais ligeira provoca mudanças no cérebro, mostra estudo

CNN , Nadia Kounang
9 mar 2022, 14:25
As regiões amarelas e vermelhas são partes do cérebro que encolheram mais nos participantes infetados deste estudo quando compados com os participantes não infetados. Imagem: G. Douaud, em colaboração com Anderson Winkler e Saad Jbabdi, da Universidade de Oxford e do NIH.

Até as pessoas que tiveram apenas casos ligeiros de covid-19 podem ter acelerado o envelhecimento e sofrido outras mudanças no cérebro, de acordo com um novo estudo.

Acredita-se que a pesquisa, publicada na segunda-feira, no jornal Nature, é a maior dentro do género. E descobriu que os cérebros daqueles que tiveram covid-19 tiveram uma maior perda de massa cinzenta e registaram anormalidades no tecido cerebral, em comparação com os que não tiveram a doença. Muitas dessas alterações foram na zona do cérebro relacionada com o sentido do olfato.

“Ficámos bastante surpreendidos ao ver diferenças claras no cérebro, mesmo em infeções ligeiras”, disse a autora principal à CNN, Gwenaëlle Douaud, professora associada de neurociência na Universidade de Oxford, através de e-mail.

Douaud e os seus colegas avaliaram a imagiologia cerebral de 401 pessoas que tiveram covid-19 entre março de 2020 e abril de 2021, antes da infeção e, em média, quatro meses e meio depois da mesma. Compararam os resultados com a imagiologia cerebral de 384 pessoas que não foram infetadas, com a mesma idade, mesmo nível socioeconómico e mesmos fatores de risco, como tensão arterial e obesidade. Das 401 pessoas infetadas, 15 tinham sido hospitalizadas.

Os 785 participantes tinham entre 51 e 81 anos e faziam todos parte do UK Biobank, uma base de dados de saúde do governo britânico com 500 mil pessoas, que foi criada em 2012.

Douaud explicou que é normal as pessoas perderem entre 0,2 e 0,3% de massa cinzenta todos os anos, em zonas relacionadas com a memória, à medida que envelhecem mas, na avaliação do estudo, as pessoas que tinham sido infetadas com o coronavírus perderam mais 0,2 a 2% de tecido em comparação com as que não foram infetadas.

Além da imagiologia, foram testadas as funções executivas e cognitivas dos participantes, utilizando o Trail Making Test, uma ferramenta utilizada para ajudar a detetar deficiências cognitivas associadas a demência e testar a velocidade de processamento e funcionamento do cérebro. Os investigadores descobriram que aqueles que tiveram uma maior perda de tecido cerebral também se saíram pior nos exames.

Apesar de as zonas do cérebro mais afetadas parecerem estar relacionadas com o sistema olfativo, Douaud disse que não era claro o motivo.

“Uma vez que as alterações anormais que vemos nos cérebros dos participantes infetados podem estar parcialmente relacionadas com a perda de olfato, é possível que a sua recuperação possa fazer com que estas anormalidades no cérebro se tornem menos evidentes ao longo do tempo. Da mesma forma, é provável que os efeitos nocivos do vírus (tanto diretos como indiretos, através de reações inflamatórias ou imunes) diminuam ao longo do tempo, depois da infeção. A melhor forma de o descobrir seria fazendo novos exames aos participantes dentro de um ou dois anos”, disse ela.

Douaud acrescentou que os investigadores tencionam fazer novos exames de imagiologia e outros aos participantes, dentro de um ou dois anos.

Apesar de o estudo ter feito uma associação entre a infeção e o funcionamento do cérebro, ainda não é claro o motivo desta ligação. Estudos anteriores mostraram que pessoas com uma perda de olfato significativa e recorrente têm uma perda associada de massa cinzenta. Contudo, este estudo não avalia se as pessoas chegaram mesmo a perder o olfato.

Os autores avisaram que as descobertas eram apenas naquele espaço de tempo específico, mas reconheceram que “aumenta a possibilidade das consequências a longo prazo da infeção do SARS-CoV-2 poderem, a seu tempo, contribuir para a doença de Alzheimer ou outras formas de demência”.

As descobertas foram notáveis, mas não foram significativas para causar alarme, disse Richard Isaacson, neurologista e diretor do Instituto para Saúde Cerebral, na Universidade Atlântica da Flórida. Isaacson não esteve envolvido no estudo.

Este disse que as descobertas eram notáveis para médicos, mas acrescentou que o impacto geral, a nível individual, era difícil de determinar e que poderia ser pequeno. “É muito difícil saber o impacto clínico a longo prazo e o impacto na qualidade de vida numa situação destas”, disse ele.

“O cérebro pode ser afetado por outros mecanismos, como mudanças imunitárias, inflamatórias, vasculares ou psicológicas/comportamentais, mas não uma infeção direta”, disse Alan Carson, professor de neuropsiquiatria, no Instituo para Ciências Clínicas Cerebrais, na Universidade de Edimburgo, que não esteve envolvido no estudo.

“O que este estudo quase certamente demonstra é o impacto a nível de alterações neurológicas”, disse. “Mas não me parece que ajude a compreender os mecanismos subjacentes à alteração cognitiva depois de se estar infetado com covid”.

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