Explicador: anticorpos e células T, como responde o nosso sistema imunitário à covid-19

28 mai 2022, 08:30
As primeiras imagens do Covid-19

Para fazer frente a uma infeção viral, o nosso sistema imunitário convoca anticorpos e células T. Saiba como funcionam e porque é que uma infeção prévia por covid-19 não garante imunidade natural mas pode ajudar a combater formas graves da doença

O infecciologista Fernando Maltez dizia, no início do ano, que a imunidade de grupo ao SARS-CoV-2 não passava de uma "uma miragem". No momento em que o país atravessa a sexta vaga de contágios com covid-19, com níveis de infeção nunca antes vistos, importa saber como se processa a resposta do sistema imunitário a um vírus como a covid-19 - e também recordar o que ainda não sabemos, nomeadamente o papel do SARS-CoV-2 na desregulaçao das nossas defesas, uma hipótese que tem vindo a ser estudada pelos cientistas.

Antes de mais, e num resumo simples, convém lembrar o que é um vírus e como se replica: os vírus são ácidos nucleicos protegidos por camadas de proteínas que têm a função de evitar que o material genético -  DNA ou RNA - se degrade por ação exterior. Essa cápsula de proteína tem, por outro lado, a função de promover a entrada do vírus dentro das células para produzir novas proteínas virais usando a maquinaria da própria célula. 

Os vírus têm uma multiplicação rápida e atacam-nos quando conseguem entrar no organismo das mais variadas formas, nomeadamente através da corrente sanguínea, saliva ou inalação. O vírus do SARS-CoV-2 vai diretamente para as células do sistema respiratório porque a proteína que faz parte da estrutura do vírus procura a célula à qual se consegue ligar. 

Para fazer frente ao vírus, o nosso sistema imunitário tem "dois componentes, os anticorpos de um lado e as células T do outro", explica Miguel Prudêncio, investigador do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes.

"Os anticorpos são fundamentais para bloquear a infeção e as células T são fundamentais para destruir as células infetadas e, dessa forma, impedir que o vírus se propague e se desenvolva nas suas formas mais graves." 

De forma simplista, pode dizer-se que os anticorpos bloqueiam a infeção, as células ou linfócitos T bloqueiam a doença grave. Mas, com o SARS-CoV-2 a disseminar-se e a mutar para novas variantes com maior capacidade de se evadirem ao nosso sistema imunitário, o que acontece é que "os anticorpos não são tão eficazes a bloquear a infeção como eram a bloquear a variante que os gerou", explica Miguel Prudêncio. "Se fui infetado com a variante Delta, esses anticorpos não são tão eficazes a bloquear a variante Ómicron. As variantes fazem com que a imunidade baseada nos anticorpos não seja tão eficaz a impedir que a infeção aconteça e isto é válido para as vacinas e para exposições a variantes diferentes", sintetiza o investigador. 

O papel das células T

A vacina contra a covid-19 foi feita para a variante ancestral da doença, pelo que os anticorpos gerados pela vacinação podem efetivamente ser menos eficazes a bloquear a propagação de uma variante nova. Mas não esqueçamos o papel das células ou linfócitos T, que são "muito mais resilientes a pequenas variações na composição dos vírus do que os anticorpos", explica Miguel Prudêncio, razão pela qual a vacina "continua a ser eficaz para impedir o desenvolvimento da doença grave", defende o especialista.

"As células T continuam a ser eficazes independentemente da variante", diz Miguel Prudêncio, fazendo porém a ressalva de que, se isto é verdade para a generalidade da população saudável, pode não o ser para os grupos de risco, idosos e imunodeprimidos, que devem assim ter cuidados redobrados para evitar contágios e receber a as doses de reforço da vacina contra a covid-19 nos prazos indicados.

Por definição, o sistema imunitário sai sempre robustecido após o contacto - e eliminação - de um vírus. Mas, no SARS-CoV-2, o risco de apostar nesta imunidade natural pode sair caro, já que as pessoas mais débeis podem não sobreviver a este contacto que lhes reforçaria a imunidade. E mesmo as mais saudáveis não podem afastar com segurança o risco de contraírem formas mais graves da doença em sucessivos contactos com este vírus.

O vírus da covid-19 coloca ainda outros problemas relacionados com a memória imunitária e a forma como este vírus pode descontrolar as nossas defesas. "Aquilo que aparentemente está a acontecer é que as reinfeções não estão a dar vantagem às pessoas", admite Bernardo Gomes, médico especialista de saúde pública. "Ainda que exista alguma retenção de memória imunitária útil, nomeadamente na proteção de doença mais grave, isso não é garantido", refere.

A desregulação do sistema imunitário

As infeções por SARS-CoV-2 têm ainda outro problema, "que é uma provável desregulação dos linfócitos T, e, nesta circunstância, não se vê com bons olhos a questão da reinfeção sucessiva que garanta imunidade". "Não é só por não deixar memória perene ou pela incapacidade de reter uma resposta perene para este vírus, mas também pelos danos provocados pela própria infeção. Há um universo de consequências da presença deste vírus que não estão apreendidas", reforça Bernardo Gomes.

O médico de saúde pública lembra mesmo o trabalho do imunologista Anthony Leonardi, investigador na Universidade Johns Hopkins, que tem desenvolvido pesquisas precisamente na área das células T e da sua resposta à covid-19: Leonardi defende que o vírus da covid-19 tem a capacidade de causar desregulação celular grave, nomeadamente na forma como comunicam as células B (de memória imunitária) e as células T e como estas adequam a sua resposta em termos de defesa do organismo.

Leonardi diz ainda que esta desregulação faz com que as células T, que não atacam o próprio organismo de forma rotineira, passem a fazê-lo, criando espaço para o desenvolvimento de doenças autoimunes em pessoas que foram infetadas pelo SARS-CoV-2.

Recorde-se ainda que foram documentados, desde o início da pandemia, vários casos de Síndrome Inflamatória Multissistémica em Crianças (em inglês: Multisystem Inflammatory Syndrome in Children - MIS-C), que passa pela inflamação generalizada dos órgãos e que, de acordo com a informação mais recente, pode ser o resultado de uma resposta desregulada do sistema imunitário da criança após infeção aguda pelo vírus.

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