Morte de Fábio Guerra. A versão dos arguidos: agente não se identificou e agrediu um deles

11 abr 2023, 20:27

O agente da PSP morreu em março de 2022, vítima de um golpe na cabeça à porta de uma discoteca lisboeta. A investigação chegou a três nomes. Esta terça-feira, dois arguidos falaram em tribunal: Vadym Hrynko e Cláudio Coimbra. Começou o julgamento

Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko, ex-fuzileiros, sentaram-se esta terça-feira, pela primeira vez, no banco do réus, acusados da morte do agente da PSP Fábio Guerra, 26 anos, espancado à porta da discoteca Mome, em Lisboa. Um golpe fatal na cabeça ditou a sua morte na madrugada de 21 de março

Os pais do jovem, que se constituíram assistentes no processo, marcaram presença na sala de audiências do Campus de Justiça, em Lisboa, onde decorre o julgamento. 

A mãe do jovem não escondeu as lágrimas durante toda a sessão, sobretudo no momento em que uma testemunha contou como viu o seu filho no chão e as pessoas a tentarem ajudá-lo. Disse ao juiz que recebeu 176 mil euros do Estado português (o valor que Fábio Guerra receberia até à reforma) e ouviu as versões dos arguidos. 

Não foi Cláudio Coimbra que iniciou a briga que terá levado ao trágico desfecho, defendeu o seu advogado. Tudo terá começado ainda dentro da discoteca Mome e a forma como os polícias se identificaram, isto é, o grupo em que se incluía Fábio Guerra, não foi correta, segundo a versão da defesa.

“Um homem identificado posteriormente desentendeu-se com os arguidos dentro do estabelecimento. Foi colocado na rua pelos seguranças. Esteve muito tempo a fazer uma espera ao Cláudio Coimbra. Quando o Cláudio Coimbra sai, aparece por trás e dá um soco ao Cláudio Coimbra. O Cláudio Coimbra ainda tenta acertar no indivíduo enquanto está no chão, mas não conseguiu. As confusões continuam. Estava mais um indivíduo com eles que acaba caído. O Cláudio Coimbra tenta defendê-lo. Entretanto, já alguns agentes da PSP estavam envolvidos em toda a altercação”, alegou o advogado.  

Prossegue: “A maior tragédia de todo o processo é a morte de Fábio Guerra. Estamos aqui para apurar responsabilidades. O agente Fábio Guerra desfere um soco no Cláudio Coimbra. Não era polícia naquele momento. Deu um murro na cara e faz uma trajetória  para a esquerda. Vadym dá-lhe um soco”. O advogado pede que atente no resultado da autópsia: “De tudo o que vamos ver o mais importante será a autópsia. O que levou à morte foi a pancada junto à cabeça, que foi o Clóvis Abreu que deu”. 

Clóvis Abreu é peça fundamental da história. É suspeito da morte de Fábio Guerra e está desaparecido. Esta terça-feira, o seu representante legal, o advogado Aníbal Pinto disse que o seu cliente não está acusado e que se encontra disponível para se apresentar perante o Ministério Público. Afirma ainda que, “pelas imagens, Clóvis não parece ter nada que ver com a morte trágica de Fábio Guerra”. Ainda não se apresentou, “porque não foi chamado”, acrescentou. 

Vadym Hrynko, arguido, o primeiro a falar

Vadym Hrynko, 22 anos, foi o primeiro a falar. Era fuzileiro à data dos factos. Admitiu ter uma preparação física acima da média, mas garantiu não ter “conhecimentos de defesa pessoal”. 

Vadym, Cláudio Coimbra e Clóvis Abreu estavam juntos no Mome. Eram 06.00 da manhã. “O Cláudio envolveu-se com o Cláudio Pereira. Assisti à discussão. Eu estava afastado, mas pelo que percebi houve um empurrão”. Cláudio Coimbra empurrou Cláudio Pereira, na versão de Vadym. Em resposta à atitude de Cláudio Pereira, sustenta. 

“Estavam a tentar passar pelo mesmo espaço e o Cláudio Pereira numa postura mais arrogante partiu para cima do Coimbra. Aproximou-se da cara dele e aí o Coimbra empurrou o Pereira”. “Eu não intervim nesta situação, nem desferi um murro na cara de ninguém.”, assegurou.

“Vi um segurança a intervir e a expulsar o Cláudio Pereira. Vi, mas não fiz nada. Depois do Coimbra empurrar o Pereira ficamos estáticos. Ficaram a olhar um para o outro e o segurança  interveio. O segurança agarrou o Pereira e levou-o para fora da discoteca. Ele não levou os dois porque o segurança viu que o senhor Pereira provocou aquilo tudo”, diz Vadym Hrynko. 

Continua: “O Cláudio Pereira foi expulso uma hora antes de nós termos saído. Saímos por volta das seis e pouco. Quando saímos estava o segurança a conversar com outro segurança a dizer que era de Sesimbra. Quando saímos estava um segurança, de Sesimbra, na porta, e estivemos a falar. Vi o senhor Pereira a vir a correr e a desferir um soco no Cláudio Coimbra. Tentei defender o Coimbra. Na altura, o Pereira estava com amigos e pensei logo que estavam a fazer uma espera. Estava muita gente. Umas 20 pessoas. O Pereira estava no meio de grande parte dessas pessoas."

Vadym garante que desferiu um soco na cara de Cláudio Pereira para defender Cláudio Coimbra. “Ele caiu e não sei se ficou consciente ou não, não sei se o meu soco dava para o pôr inconsciente”. Relata ainda que Coimbra e Clóvis tentaram, sem sucesso, pontapear Cláudio Pereira. “Não me lembro se eles estavam embriagados. Beberam, mas não sei se estavam bêbados. O Pereira continuava no chão e o Coimbra e o Clóvis começaram a mandar pontapés para o ar. Havia pessoas no meio”.

“Olhei para a frente e vi pessoas à volta do Cláudio Coimbra e do Clóvis. Eram umas seis ou sete. Agarraram o Coimbra por trás e deram-lhe socos e pontapés. Quando o vi ser atacado fui novamente tentar defendê-lo e dei um soco num rapaz que agrediu o Cláudio Coimbra. O Cláudio Coimbra foi agredido por três ou quatro pessoas, se calhar. Não conseguiu defender-se de ninguém. Pelo menos não o vi dar socos”. 

Vadym Hrynko assegurou ainda não saber da presença de elementos da PSP. "Não ouvi ninguém dizer que era agente da PSP. Nem agentes da PSP. Lembro-me de uma rapariga a tentar separar”. 

“Eu desferi um soco naquele que vi agredir o Coimbra. Depois daí não agredi mais ninguém. Tentei afastar com pontapés as pessoas que estavam em pé. Quando eu dei o soco no rapaz ele tentou levantar-se e atingir-me e afastei-o com um pontapé”, relatou. 

O relato prosseguiu. “Depois houve uma situação quando estávamos a fugir para o carro, veio um rapaz atrás de nós”. Confrontado pelos juiz sobre o uso do verbo fugir, Vadym corrigiu e disse que queriam afastar se da situação.  Estávamos a fugir da situação. A pergunta foi reforçada: “Mas fugir de quê? Vadym diz que não sabiam o que podia vir a seguir. E garantiu: “Pontapé na cabeça não dei em ninguém”. Nem tão-pouco viu Cláudio Coimbra agredir alguém. 

Foram para casa, contou. Durante a viagem, souberam pelo segurança Bernardo Graça que as pessoas envolvidas na contenda eram agentes da PSP. Na tarde de sábado, receberam chamadas para se apresentarem no Alfeite. 

Às 12.19, terminou a audição de Vadym Hrynko. 

A versão de Cláudio Coimbra

Cláudio Coimbra, 24 anos, também fuzileiro em março de 2022, esteve no início de toda a altercação, ainda dentro do Mome. Sim, tinha conhecimento de defesa pessoal e era campeão amador de boxe, contou em tribunal.

Garantiu que às seis e pouco, quando saíram do Mome, estavam sóbrios - ele, Vadym e Clóvis. 

“Quando saímos cumprimentámos um segurança que era de Sesimbra, que trabalhava numa discoteca perto do Mome. Despedimo-nos. O Pereira desferiu-me um soco na cara. O Vadym deu um soco ao Pereira. Um rapaz foi em direção ao Clóvis e deu-lhe um murro e o Clóvis caiu no chão. Dei um soco porque esse homem empurrou o Clóvis. Levei um soco por trás e penso que foi o Fábio Guerra”, contou. “Havia murros e pontapés. Fui agarrado com um mata leão por um rapaz careca de barba”, acrescentou. 

Cláudio Pereira, a testemunha

Durante a sessão desta terça-feira, Cláudio Pereira, elemento muito presente nos relatos de Vadym Hrynko e Cláudio Coimbra, e envolvido no início da contenda. também testemunhou.

Pereira pediu para não aparecer e ter a voz distorcida. O tribunal não permitiu. O jovem em causa diz ter sido agredido pelos arguidos no interior da discoteca. Contou, em tribunal, que estava no 1.º piso da discoteca Mome quando, “do nada”, foi agredido por dois indivíduos. 

Segundo o relato desta testemunha, estava a dançar quando foi agredido com uma cabeçada por um suspeito e por outro com um murro na cabeça. Cláudio Coimbra será um dos autores das agressões. O outro, que identificou, é Vadym. Claudio Pereira garantiu ainda, questionado pelo advogado de um dos arguidos, que nunca os tinha visto.

Um segurança acompanhou-o à porta, mas a altercação entre a testemunha e os arguidos continuou à porta da discoteca. Foi ter com a pessoa que lhe deu a cabeçada e lhe desferiu um murro. Foi, então, agredido com pontapés na cabeça e murros. Ficou inconsciente. Garante que o autor dessa agressão foi Cláudio Coimbra, que estava acompanhado de outra pessoa - Vadim Hrynko. 

Terá sido essa agressão que Fábio Guerra e os colegas tentaram separar. O jovem, porém, disse não ter visto este momento por estar desmaiado. Foram os amigos que lhe relataram o que aconteceu.

Após o desmaio, foram estes amigos que o socorreram. Não recorda mais agressões, ficou com hematomas na cabeça e sangue na testa, mas não recebeu tratamento hospitalar. E não voltou a ter contacto com os arguidos. 

Questionado pelo advogado Ricardo Vieira, o jovem contou não saber que aqueles que tentaram separar a discussão eram polícias. Soube-o no dia seguinte pelas notícias. 

O advogado de defesa dos dois arguidos, Santos Pereira, perguntou à testemunha por que razão foi ele a sair da discoteca e não os arguidos. Disse não saber explicar e também ter colocado essa questão ao segurança. 

O advogado de defesa questionou ainda como tinha sido possível que um homem de 1,77 tivesse dado uma cabeçada a outra com 1,87 e 78 Kg. “Não sei, mas aconteceu”, respondeu a testemunha. 

Em resposta às questões de Santos Pereira, a testemunha explicou por que razão decidiu esperar Cláudio Coimbra na rua. “Estava revoltado com a situação e queria pedir satisfações”. E, alegou, mesmo sem conhecer a sua cara, percebeu quem era. “Quando essa pessoa saiu da discoteca, olha para mim e começa a rir-se”.

“O pedido de satisfação era para quê?”, questionou o advogado Santos Pereira. “Para falar”, respondeu a testemunha. “E agride porquê?”, retorquiu o defensor de Cláudio Coimbra. “Estava a gozar com a situação que tinha acabado de acontecer.” 

A testemunha confirmou ainda que tinha consumido álcool. “Não estava nem sóbrio nem embriagado. Tinha álcool no sangue”, admitiu.

No exercício de reconstituir os eventos de março de 2022, que culminaram na morte de Fábio Guerra por espancamento, a testemunha disse acreditar que o segurança do Mome e os arguidos se conheciam. Disse que tirou essa conclusão pela forma como Vadim Hrynk cumprimentou os seguranças. 

Foram ainda exibidas imagens de videovigilância dessa noite. A testemunha reconheceu-se a sair do local. Cerca de 20 minutos depois, percebe-se que vai ter com o arguido Cláudio Coimbra e o agrediu. Foi agredido de volta, caiu no chão e, alegou, foi pontapeado na cabeça até à inconsciência.

A sessão de hoje terminou cerca das 17.45. Cinco elementos da PSP ficaram por ouvir devido a um atraso com as videoconferências. Deverão falar esta quarta-feira, às 09.00, quando o julgamento for retomado. 

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