"A cada murro que Cláudio Coimbra mandava havia uma pessoa que caía ao chão": o que aconteceu na noite em que Fábio Guerra morreu

12 abr 2023, 18:58

Ao segundo dia do julgamento de Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko foram ouvidos os agentes da PSP que estavam com Fábio Guerra e outras pessoas que viram o que aconteceu à porta do Mome no dia 19 de março de 2022

Sentados no banco dos réus, Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko, que já falaram em tribunal, ouviram esta quarta-feira a versão dos agentes da PSP que acompanhavam Fábio Guerra naquela saída noturna que terminou na morte do jovem oriundo da Covilhã. Todos garantem que se identificaram como polícias, sem que tal informação tenha provocado alguma reação nos arguidos. 

Imagens de videovigilância do que aconteceu naquela noite foram mostradas durante a sessão, ficando claras as agressões de que foi vítima o agente Fábio Guerra. A identificação da vítima por parte de um dos seus colegas, a pedido dos juízes, emocionou (mais uma vez) a mãe do jovem, assistente no processo. 

Este foi também o dia em que Vadym Hrynko decidiu alterar parte da sua declaração. Depois de ver as imagens das câmaras de videovigilância, o ex-fuzileiro admitiu ter dado  “um soco e um pontapé a Fábio Guerra”. Na primeira sessão, recorde-se, disse que tinha atirado pontapés que não teriam atingido ninguém. 

As testemunhas ouvidas estão de acordo num ponto: a violência foi muita. Afonso, que estava na discoteca com três amigos e presenciou as altercações fora da discoteca, contou: "Na rua, virei-me e já estava uma pessoa no chão, inconsciente. Vi que um dos arguidos tinha treino em artes marciais ou em boxe pela maneira como ele se mexia”, explicou, identificando Cláudio Coimbra. “Não me lembro do que tinha vestido e notava-se que treinava, era composto.” Explicou ainda: “Esse arguido [Cláudio Coimbra] era o centro da pancadaria. A cada murro que ele mandava havia uma pessoa que caía ao chão”.

As versões dos agentes que estavam com Fábio Guerra

Rafael Filipe Lopes, 28 anos, agente da PSP e um dos amigos com quem Fábio Guerra saiu naquela noite, foi a primeira testemunha do dia e contou que estava a ser “uma noite normal" até saírem do Mome. “Quando cheguei ao local, o Fábio Guerra estava encostado a uma árvore, sem se mexer. Eu não consegui ajudar mais.”

O polícia da Esquadra de investigação criminal da Amadora foi o primeiro a deixar a discoteca Mome, cerca das 06:15. “Na rua estávamos eu, Fábio Guerra, Moreira e o Lobo.” Ficaram entre a Avenida 24 de Julho e o Mome, à espera de Débora, João Gonçalves e Hugo. Precipitam-se, então, os eventos: “Ouço um barulho forte que me chamou a atenção e percebo que tinha caído uma pessoa, apercebi-me de que foi empurrado por alguém. Dois homens começaram a ir para cima do mesmo. O som dos pontapés que davam na cabeça do indivíduo eram impressionantes. A pessoa no chão não conseguia mexer-se".

O procurador do Ministério Público pediu a Rafael Lopes para descrever quem eram as pessoas que agrediram a que estava no chão. O agente disse terem sido Cláudio Coimbra e Clóvis Abreu, que está desparecido. 

A vítima no chão é Cláudio Pereira, ouvido esta terça-feira. Tinha-se desentendido com Cláudio Coimbra dentro da discoteca, a briga continuou na rua. 

“Quando vi os ferimentos na cabeça da vítima, nem tive reação. Corremos para o local onde ele estava a ser alvo de agressões. Levantei os braços e gritei várias vezes 'polícia, polícia, parem parem'. Com os braços, tentávamos afastar as pessoas. O Leonel Moreira apanha um murro na cara e por nos termos identificados não acataram a nossa ordem. As agressões continuaram a outras pessoas e eu liguei ao 112. O Leonel Moreira também gritou ‘polícia, polícia’ de forma bastante clara e audível.”

A explicação de Rafael Lopes continua. “Não me lembro de levar pancada seja onde fosse. Peguei no meu telemóvel, identifiquei-me como agente da PSP e pedi auxílio de meios de socorro e polícias para junto do Mome.” Explicou que foi enquanto fazia esta chamada que percebeu que as agressões continuavam. “Vi o meu colega João Gonçalves deitado no chão a tentar levantar-se mas a levar bastantes pontapés na cabeça, nas costas, e foi quando consegui, com alguma dificuldade, levantá-lo do chão e tirá-lo da situação.” 

"Vi o Cláudio em posição de boxe"

Rafael Lopes diz que foi pelas imagens de videovigilância que conseguiu identificar que os autores das agressões eram as mesmas pessoas que tinham agredido o outro que estava no chão. Depois, contou, “o Cláudio e o Vadym avançaram na direção do Lobo e do Moreira - o Cláudio em posição de boxe”. 

Leonel Moreira foi novamente agredido por Cláudio Coimbra, afastou-se com a cara bastante ensanguentada e continuou ali afastado no chão. 

“Depois eu já estava à espera dos bombeiros e aquilo foi uma fração de minutos. Estava à espera dos meus colegas. Quando levei o soco na face é quando olho para o lado e vejo duas carrinhas da PSP junto à discoteca. E o Vadym e o Cláudio fogem nessa altura”, contou Rafael Lopes. 

Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko, disse Rafael Lopes, acabariam por abandonar o local em direção ao hospital CUF Tejo (sentido Lisboa-Cascais). “Andaram cerca de 50 metros e fui atrás dele no sentido de verificar mais alguma coisa por causa das agressões ao Lobo e ao Moreira porque não vi as agressões ao Fábio Guerra.” Foi justamente Lobo quem o chamou para se irem embora. 

Outra pessoa continuava no chão. Era Fábio Guerra. “Quando cheguei ao local estava o Fábio Guerra encostado a uma árvore, sem se mexer”. E prossegue: “Eu não consegui ajudar mais, não consegui fazer mais nada. Esperei que chegasse o INEM”. 

Na primeira sessão, esta terça-feira, Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko defenderam que nunca tinham ouvido os agentes identificarem-se como polícias. Esta quarta-feira, o procurador quis saber mais e perguntou se tinha sido audível essa identificação. “Foi bastante claro e audível”, afirmou Rafael Lopes. 

A altercação à porta da discoteca Mome, envolvendo cerca de 20 pessoas, é visível nas imagens de videovigilância. Rafael Lopes diz que só se lembra de empurrões, embora nessas imagens se perceba que também foi agredido. “Era muita adrenalina, muitas pessoas”, contou. O agressor era Vadym Hrynko, identificou Rafael (admitindo que tinha bebido nessa noite mas que estava sóbrio). 

Nesse noite, Rafael Lopes foi ao hospital e ao Instituto de Medicina Legal. 

Perante as informações trazidas para julgamento por Rafael Lopes e pelas imagens exibidas, o juiz deu oportunidade aos arguidos para se pronunciarem. Só Vadym quis falar e para alterar a versão contada na primeira sessão. 

Em lugar de pontapés para o ar, sem destino, Vadym Hrynko admitiu esta quarta-feira que deu “um soco e um pontapé a Fábio Guerra”. 

A sessão desta manhã ficou marcada pelos vários pedidos dos juízes ao advogado do arguido Cláudio Coimbra para que se acalmasse. Miguel Santos Pereira diz que os juízes têm a cabeça feita.

No seu momento de interrogar o agente da PSP Rafael Lopes, Santos Pereira pediu que fossem mostradas imagens do agente a urinar contra uma parede seguido de uma pergunta: “Lembra-se disto?”. A resposta foi interrompida pela juíza: “Senhor doutor, quer com estas imagens dizer-me que os agentes também urinam?”. 

Várias outras testemunhas que presenciaram os eventos na noite de 19 de março foram chamadas a depor. Um deles foi Gonçalo Dias, que estava com amigos e que se quis afastar da confusão à porta da discoteca - recorda que havia muito barulho, “pessoas aos gritos”.

“Vejo um grupo de pessoas à bulha, mas não vi nada de diferente. Era luta. A minha perceção é de que estavam todos à bulha uns com os outros.” Ao pedido do juiz-presidente para explicar o filme daquela noite, Gonçalo Dias garantiu ter visto pontapés - “mas não sei quem atingiram, vi pernas a darem pontapés mas não vi o alvo”.

Recorda outro momento: “Lembro-me de olhar e ver uma pessoa deitada no chão. Não dei muita importância. A pessoa deitada no chão estava junto à discoteca Mome. Vejo uma ambulância e apercebo-me de que os socorristas levavam um desfibrilador e foi aí que percebi a gravidade da situação”. 

“Várias pessoas desferiram murros e pontapés umas às outras”

Os acontecimentos daquela madrugada de sábado envolveram pessoas que nem sequer tinham estado no Mome - como Vasco Azevedo, outra testemunha ouvida esta quarta-feira. “À medida que o desacato se foi desenrolando foi-se aproximando da zona onde estávamos. Várias pessoas desferiram murros e pontapés umas às outras. Umas a caírem ao chão. A ideia que eu tinha é que eram várias pessoas, mas à medida que me aproximei não eram tantas as pessoas que estavam envolvidas em desacatos. Eram quatro ou cinco pessoas”, descreveu. “Não me recordo de ter ouvido ninguém identificar-se como agente da PSP.  Não ouvi ninguém a dizer especificamente que  era da polícia”, responde a um dos advogados. “Quando só vi troca de palavras não havia ninguém no chão, mas vi uma pessoa depois a cair ao chão.” 

A sexta testemunha do dia foi João Gonçalves, PSP, que estava com Fábio Guerra e foi, juntamente com Débora (também no grupo), o último a sair da discoteca. Recorda ter visto Cláudio Coimbra dar um pontapé na nuca de Leonel Moreira. “Levei uma pancada na cabeça e comecei a ser agredido com vários pontapés e murros, pelo menos do Cláudio sim. Do resto dos indivíduos não sei porque eu estava encolhido para me proteger.” Detalhou que se lembra que Cláudio o agrediu porque foi o primeiro.

“A Débora ajudou-me a levantar. Vejo o Rafael e o Leonel a ir em direção à estrada. Olhei para trás e vi o Fábio caído. Liguei para o 112. Chegaram os colegas das equipas de intervenção rápida. Tentámos localizar os arguidos mas não foi possível. A Débora foi com o Rafael na ambulância”, relatou. 

Na sequência da luta, ficou com um dedo fraturado e vários hematomas na cabeça. Esteve de baixa por mais de 60 dias. 

Assegura que se fez anunciar como polícia. “Tinha a minha carteira com o cartão policial no bolso. Numa situação destas não consigo tirar a minha carteira para mostrar que sou polícia. Tinha era de acalmar.” 

A sétima testemunha ouvida também fazia parte do grupo de amigos com quem Fábio Guerra saiu - é Leonel Moreira, também agente da PSP, também testemunha das agressões de Cláudio Coimbra a Cláudio Pereira, a contenda à porta do Mome que, segundo os polícias, tentaram apaziguar.  

“Vi o Cláudio a dar um soco num jovem que caiu inanimado no solo. Deu pontapés violentos. Estavam o Cláudio, o Clóvis e o Vadym. O Cláudio agarrei-o para longe da vítima. E gritei alto e disse que era polícia. O Cláudio disse-me que eu não tinha nada que ver com aquilo”, disse, lembrando que levou um soco que lhe abriu o sobrolho. Ficou com vários hematomas na cabeça e dores no corpo. 

Leonel Moreira recordou outro detalhe. "Tentei limpar o sangue do corte no sobrolho, o arguido Cláudio Coimbra dirigiu-se a mim 'estás a esfregar as mãos, queres um mano a mano?' e voltei a ser agredido". 

Henrique Lobo, também no grupo de agentes da PSP, descreve o sucedido como “uma sessão de pancadaria” com Leonel Moreira a sangrar do sobrolho, Rafael Lopes a tentar perceber se os agora arguidos iam fugir (e a levar um soco) e, garante, com toda a identificação que a situação requeria, disse. “Quando gritou que era da polícia disse-o de forma  audível”.

Débora Pinheiro foi a última testemunha ouvida esta quarta-feira. Quando saiu do Mome viu os colegas “dirigirem-se à confusão”. Não teve de receber tratamento hospitalar, diz só ter ficado com nódoas negras “na troca de movimentações, não agressão”. 

Na sequência do que aconteceu na madrugada de 19 de março, Fábio Guerra foi transportado inanimado para o Hospital de São José com vários traumatismos na cabeça. Foi sujeito a uma cirurgia mas não sobreviveu. O óbito foi declarado no dia 21 de março. Tinha 26 anos.  

A segunda sessão terminou pouco depois das 17.00. O julgamento é retomado esta quinta-feira, às 09:00. 

Relacionados

País

Mais País

Patrocinados