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Master em Relações Internacionais pelas Universidades de Groningen e Universidade de Estrasburgo

Explosão dos Pagers: opiniões apressadas podem sabotar o debate - mas porquê?

21 set, 22:16

Não há dúvidas de que o terrorismo deve sempre ser implacavelmente condenado e combatido. Usar a violência para fins políticos é uma afronta direta aos pilares de qualquer democracia liberal, onde o respeito pelas liberdades individuais e o diálogo são essenciais. A violência, por sua vez, não apenas destrói essas fundações, como também sabota a confiança nas instituições que protegem os direitos de todos.

Nos últimos dias, o Médio Oriente aqueceu de uma maneira que não víamos desde o reinício do conflito em outubro de 2023, após os ataques do grupo terrorista Hamas contra Israel. Desde 7 de outubro, as Forças de Defesa de Israel nunca estiveram tão próximas de um confronto generalizado com o Hezbollah, a milícia mais perigosa do planeta. Agora, o que antes parecia uma possibilidade distante está cada vez mais iminente.

A possibilidade de guerra aumentou à medida que Israel intensificou as suas operações. Na terça e quarta-feira, ataques dignos de filmes de Hollywood destruíram pagers e walkie-talkies do Hezbollah, matando pelo menos 30 pessoas e deixando quase 3.000 feridos. Entre os mortos e feridos, como era de se esperar, estavam mulheres e crianças.

Embora grande parte dos atingidos fossem membros do grupo terrorista, que também possui atuação política, muitos inocentes acabaram por morrer. Isto ocorre porque, ao contrário de um ataque direcionado, onde os organizadores sabem exatamente quem é o alvo, onde ele está e qual a força necessária, os ataques no início da semana não permitiram essa distinção. O princípio da distinção é um dos pilares do Direito Internacional Humanitário e determina que, em conflitos armados, é essencial diferenciar entre combatentes e civis, bem como entre alvos militares e bens civis.

Proíbe ataques indiscriminados e exige que as partes envolvidas direcionem as suas ações exclusivamente contra alvos militares legítimos. Apenas este argumento já seria suficiente para que qualquer defensor das democracias liberais, dos direitos humanos e do respeito às convenções internacionais ponderasse mais antes de emitir opiniões simplistas. No entanto, ao longo da semana, o que vimos foi uma enxurrada de discursos precipitados, que ignoram completamente as nuances e complexidades do que está a acontecer no Médio Oriente.

Nos últimos dias, após as recentes ações de Israel, as redes sociais foram inundadas por opiniões de pessoas que, em teoria, se consideram defensoras dos valores democráticos e liberais contra regimes tirânicos, mas que rapidamente adotaram um alinhamento automático, comemorando e defendendo incondicionalmente os ataques indiscriminados de Israel. Não há dúvida de que Israel tem o direito de se defender e combater grupos terroristas que ameaçam a sua existência – isso é indiscutível. No entanto, o Estado tem a obrigação de agir com a cautela que a sua responsabilidade impõe, sem jamais se rebaixar moralmente ao nível de um grupo terrorista.

O que estamos a ver é uma corrida desenfreada por validação, com pessoas a emitir opiniões a todo o momento, na esperança de serem aplaudidas por estarem 'do lado certo da história' – mesmo quando ninguém está a exigir um posicionamento de todos, o tempo todo. A verdade é incómoda, mas precisa de ser dita: esse alinhamento automático e a celebração incondicional das ações de Israel, ignorando as consequências humanitárias, representam uma traição gritante aos valores da democracia liberal, que essas mesmas pessoas gostam de ostentar como bandeira, mas que na prática se tornam apenas uma demonstração forçada de virtude.

Além de trair os valores que essas mesmas pessoas dizem defender, esse alinhamento automático gera consequências ainda mais graves. Talvez a mais evidente seja a desumanização e a perda total de empatia. Quando civis, incluindo crianças, que são mortos ou feridos, passam a ser tratados como meros danos colaterais – ou pior, são implicitamente culpabilizados por estarem do “lado errado”, começa um processo de “desumanização do outro”. Isto cria uma perceção grotesca de que a vida de algumas pessoas vale menos, corroendo os princípios básicos de empatia e solidariedade que qualquer sociedade decente deveria ter.

A desumanização do outro não apenas destrói a empatia, mas também implode a própria sociedade onde ela ocorre. Alinhamentos automáticos aprofundam as divisões sociais e políticas, alimentando ainda mais a polarização. Quando se escolhe um lado sem refletir, o debate público transforma-se numa caricatura — as nuances e o diálogo dão lugar a uma mentalidade binária, permitindo a ascensão de figuras e partidos autoritários, como tem ocorrido tanto na Europa como nos EUA e na América Latina. A sociedade divide-se entre “nós” e “eles”, e qualquer espaço para construir soluções coletivas esvai-se.

O clima torna-se tóxico, e discordar passa a ser quase um crime de lesa-pátria. Quem tenta trazer uma visão mais equilibrada é rapidamente visto como traidor. Isto ficou evidente na Guerra ao Terror pós-11 de setembro, quando qualquer um que questionasse os abusos de direitos humanos ou as mortes de civis era logo rotulado de “anti-patriota” ou, pior, de “aliado do terrorismo”. Estes rótulos sufocaram qualquer debate sério sobre os custos reais das intervenções, transformando o debate público numa troca de acusações rasas, onde a verdade e a razão foram as maiores perdedoras.

O facto de, 23 anos após os atentados, a retirada das tropas americanas do Afeganistão durante o governo Biden ter sido um dos temas centrais no debate recente entre Donald Trump e Kamala Harris, só comprova o ponto: esses alinhamentos automáticos continuam a gerar efeitos duradouros, perpetuando divisões e influenciando a política dos países, mesmo décadas depois dos eventos que os originaram.

Diante de crises delicadas como o conflito no Médio Oriente, é vital que as pessoas, especialmente os formadores de opinião, tenham a responsabilidade intelectual de avaliar as nuances antes de abraçar alinhamentos automáticos. Aderir a esses posicionamentos superficiais só aprofunda divisões e alimenta a polarização que corrói exatamente as democracias liberais que esses mesmos indivíduos juram proteger. Não há problema em se posicionar, mas a ânsia de estar “do lado certo” não pode ser maior do que o compromisso com os princípios que tantos gostam de exibir — como os direitos humanos e a integridade das democracias. Se não formos capazes de encarar os factos com a devida cautela e sentido crítico, estaremos apenas a alimentar os ciclos de violência e polarização que dizemos combater. Este tipo de comportamento não é só imprudente — é uma traição descarada aos valores que deveriam guiar-nos.

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