A obesidade também é uma doença. E como tal, merece o acesso aos medicamentos que possam ajudar ao seu combate. O Ozempic? As opiniões dividem-se: há quem defenda o alargamento do seu uso; há quem diga que é preciso antes apostar nas alternativas que estão a caminho. Há 18 novos fármacos em investigação para o combate ao excesso de peso
O medicamento Ozempic tornou-se uma espécie de religião. Procurado até por aqueles que não precisam dele. Destinado ao tratamento da diabetes tipo dois, ficou mais conhecido por outro motivo: os seus efeitos na perda de peso. E é para esse fim que muitos o têm usado.
Há, porém, um problema: a escassez. Os endocrinologistas ouvidos pela CNN Portugal admitem que a falta de Ozempic está a prejudicar o tratamento regular de diabéticos tipo dois e insistem na necessidade de uma pressão dos países da União Europeia para um reforço na produção do semaglutido 1,0 mg [miligrama] – por exemplo, com uma proposta de compra em bloco, como aconteceu com as vacinas da covid-19, o que permitiu baixar preços.
Apesar da escassez, os especialistas consideram que o caminho não passa por uma limitação no acesso às prescrições de Ozempic - até porque ela já existe formalmente. A solução, dizem, passa antes pela entrada de novas terapêuticas similares ao Ozempic, mas já focadas na obesidade.
Neste momento, existem pelo menos 18 fármacos em investigação para a obesidade. Em Portugal, as esperanças estão depositadas em dois deles. Um é o Wegovy, uma espécie de primo do Ozempic, mas com 2,4 mg, a dose recomendada para a obesidade. E o outro o Mounjaro, que consiste em tirzepatida administrada por via intravenosa, com efeitos tanto na diabetes tipo dois como na obesidade.
É uma expectativa a médio prazo, porque a entrada em Portugal de ambos, antecipam os especialistas, só deverá acontecer depois de 2025.
Alternativas a caminho de Portugal
Apesar de reconhecerem os efeitos do Ozempic no combate à obesidade, há especialistas a defender que, nesta fase, este medicamento só deve ser usado para o tratamento da diabetes tipo dois - mesmo admitindo que, na maioria dos casos, as duas realidades coexistem: a diabetes tipo dois e a obesidade.
“O fármaco para o tratamento da obesidade será o Wegovy, semaglutido 2,4 mg. Para tratar a diabetes, são doses interiores, de 1 mg [do Ozempic]”, refere Paula Freitas, presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM).
Também Liliana Fonseca, endocrinologista do grupo Trofa Saúde, a quem chegam vários pacientes a mostrar interesse no uso de Ozempic para a perda de peso, insiste que “o fármaco para a obesidade é o Wegovy, com uma dose recomendada de 2,4 mg”.
“Os decisores políticos têm de entender que a obesidade é uma doença, com um custo direto de 0,6% do PIB. Se não proporcionarmos tratamento a estas pessoas, no futuro vão custar muito mais dinheiro [ao SNS]”, justifica Paula Freitas.
E daí a necessidade de aprovar e de comparticipar os novos medicamentos pensados para combater a obesidade. Liliana Fonseca faz uma comparação: com o Wegovy ou com o Mounjaro é possível alcançar “perdas ponderais que se aproximam das cirurgias bariátricas”.
Impacto da escassez já se faz sentir no tratamento de diabéticos
José Manuel Boavida, presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), admite que a falta de Ozempic no mercado “está a prejudicar o tratamento, mas não é só de pessoas com diabetes”.
O endocrinologista defende que esta terapêutica deve ser estendida para outras realidades clínicas onde se comprovem os seus benefícios. E dá mesmo o exemplo de doentes com esquizofrenia, onde o Ozempic pode ajudar a contrabalançar os efeitos da medicação para a doença mental no aumento de peso.
“Cerca de 80% das pessoas com diabetes são-no por causa da obesidade. Esta história de se dizer que são as pessoas obesas que roubam [o Ozempic] aos diabéticos é uma forma de o laboratório criar pressão”, argumenta.
Também Liliana Fonseca reconhece que “neste momento, não há fármaco para os doentes". E "a diabetes piorou", diz, avisando que "são estes doentes que precisam de ser preservados”.
Sistema já restringe acesso. Especialistas pedem negociação como aconteceu na covid-19
Uma das ideias mais comuns quando há falha de determinado medicamento é esta: se não há para todos, é preciso restringir àqueles que realmente precisam dele.
Quando questionados sobre a possibilidade de restringir o acesso ao Ozempic, os especialistas explicam à CNN Portugal que esse bloqueio já existe: na hora da prescrição, o sistema questiona se o doente tem diabetes tipo dois e um índice de massa corporal superior a 35.
Questionados sobre planos para limitar ainda mais o acesso ao Ozempic, nem o Ministério da Saúde nem o Infarmed prestaram esclarecimentos adicionais à CNN Portugal.
Ainda assim, sem cumprir os dois critérios acima referidos, não deixa de ser possível o acesso ao Ozempic. Nos casos em que os médicos consideram que os efeitos do Ozempic podem ser benéficos para o seu doente, podem passar a receita. O paciente terá é de pagar o valor total, acima dos 100 euros. Quando comparticipado, esse medicamento custa 10,69 euros ao utente.
José Manuel Boavida defende que a comparticipação também se deveria estender a casos de obesidade. E reitera que a escassez de Ozempic não se deve à procura paralela para a perda de peso. O problema, diz, está na origem: na produção. É fabricado pela Novo Nordisk, farmacêutica de origem dinamarquesa, que já prometeu reforçar a oferta desta medicamento.
“Isto não é um problema nacional. Há uma componente nacional, de aumentar o número de pessoas que podem ter acesso. Porque a obesidade não é uma questão estética, é uma doença. Como tal, deve ser negociado entre o Estado e a indústria um pacote maior de vinda de medicamentos para Portugal”.
O presidente da APDP sugere mesmo que “exista uma negociação forte ao nível da União Europeia”, tal como se passou com as vacinas para a covid-19, em bloco, para permitir preços mais acessíveis.