Para os crentes em OVNIs, este novo relatório pode dar algum consolo

CNN , Erik Alemão e Peter Bergen
19 jan 2023, 09:00

OPINIÃO. Governo dos EUA recebeu mais de 350 novos relatórios de “fenómenos aéreos não identificados desde março de 2021, cerca de metade dos quais ainda estão por explicar, revelou o gabinete do Diretor de Inteligência Nacional na semana passada.

Nota do editor: Erik German é produtor e escritor, com trabalho publicado pelo The New York Times, Time, Frontline e outras publicações. Peter Bergen é o analista de segurança nacional da CNN, vice-presidente da New America e professor de prática na Universidade do Estado do Arizona. Os pontos de vista expressos neste comentário são os seus.

 

A longa caçada do Pentágono aos OVNI

Na última quinta-feira, o Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional dos EUA divulgou um relatório mandatado pelo Congresso sobre “Fenómenos Aéreos Não Identificados”, nomenclatura preferida pelo Pentágono para aquilo a que a maioria das pessoas chama de OVNIs.

Este relatório faz parte de um impulso relativamente recente da comunidade de inteligência dos EUA e do Pentágono para tentar dar sentido a mais de 500 avistamentos de OVNIs ao longo das últimas décadas, que foram feitos na sua maioria por funcionários dos EUA.

Como parte desse impulso, em julho o Pentágono criou um novo gabinete com o maravilhosamente opaco nome de All-Domain Anomaly Resolution Office – à letra, Gabinete de Resolução de Anomalias de Todos os Domínios.

Em inglês simples, este gabinete tenta descobrir o que está por detrás dos avistamentos de OVNIs feitos por funcionários do Departamento de Defesa ou por membros da comunidade de inteligência dos EUA.

Há uma boa razão de segurança nacional para este gabinete que nada tem a ver com alienígenas ou homenzinhos verdes. Se há objetos não identificados a voar no espaço aéreo dos EUA, poderão eles ser provas de que adversários dos americanos, como a Rússia ou a China, estão a utilizar novos tipos de armas exóticas? Além disso, o que quer que sejam estes OVNIs, eles podem representar um risco para aviões, tanto comerciais como da Força Aérea dos EUA.

A criação deste gabinete faz também parte de um padrão desde o final dos anos 40, quando o Departamento de Defesa dos EUA reforçou o dossier dos OVNIs - em alguns casos para disfarçar o lançamento de novos aviões ultrassecretos que a Força Aérea estava a desenvolver -, ao mesmo tempo que assegurava ao público em geral que o que alguns poderiam acreditar serem equipamentos extraterrestres pode ser explicado por fenómenos bem mais prosaicos, tais como acontecimentos meteorológicos, balões, detritos aéreos ou o bom e velho erro humano.

O novo relatório de OVNIs, de quinta-feira, trouxe algumas descobertas impressionantes: o número de avistamentos de OVNIs aumentou drasticamente entre março de 2021 e agosto de 2022, período durante o qual foram reportados 247 novos avistamentos. A maioria desses reportes proveio de pilotos ou de outras pessoas que trabalham para a Marinha e para a Força Aérea dos EUA.

O relatório sugere que este crescimento de avistamentos pode ser resultado de existir agora um menor estigma associado à comunicação de tais avistamentos, e também de mais orientação do Pentágono para relatar “anomalias” no céu. Por outras palavras, se você for instruído a procurar algo estranho, provavelmente irá encontrá-lo.

Para os crentes em OVNIs, um novo relatório pode dar algum consolo

De acordo com uma sondagem da Gallup de 2021, cerca de 40% dos americanos acreditam que objetos voadores não identificados, que são por vezes vistos no céu, são, na verdade, naves espaciais alienígenas.

O novo relatório não fornece informações que possam reforçar as crenças dos verdadeiros crentes em OVNIs, mas deixa em aberto uma série de avistamentos inexplicáveis a que os crentes em OVNIs certamente se agarrarão.

Em alguns dos casos que o Pentágono investigou, um número não especificado de avistamentos de OVNIs foi “atribuível a irregularidades ou variações dos sensores, tais como erro do operador ou do equipamento”.

O Pentágono também apurou que um número muito grande dos avistamentos, 163, eram na realidade balões ou "entidades semelhantes a balões", enquanto 26 eram sistemas de aeronaves não tripuladas, também conhecidos como drones, e seis eram atribuíveis a “desordens” aéreas, tais como sacos de plástico ou aves.

Ainda assim, houve 171 avistamentos de objetos não identificados que o Pentágono ainda não atribuiu a nada, e alguns desses objetos “demonstraram características de voo invulgares”.

A longa e complexa história do Pentágono com OVNI

Esta não é a primeira vez que o Pentágono investiga OVNIs e divulga informação que, em alguns casos, tem ajudado a alimentar o movimento de crentes.

Em julho de 1952, após meses de avistamentos nos EUA, pilotos e pessoal de terra na Base Aérea de Andrews disseram ter avistado objetos estranhamente rápidos e manobráveis a sobrevoar Washington. Várias testemunhas militares disseram que tinham apanhado os objetos no radar e pelo menos um piloto relatou tê-los visto a olho nu.

Como resultado, o oficial encarregado dos serviços secretos da Força Aérea dos EUA, o major general John Samford, realizou uma conferência de imprensa televisiva. Um capitão da Força Aérea dos EUA, investigando o incidente, chamou à conferência de imprensa de Samford “a maior e mais longa que a Força Aérea realizou desde a Segunda Guerra Mundial”.

Sóbrio atrás de vários microfones, Samford disse aos repórteres que “a grande maioria” dos avistamentos de OVNIs poderia ser descartada como embuste, como aviões amigáveis ou aberrações da meteorologia e da luz. No entanto, disse ele, permaneceu uma certa percentagem de relatórios que foram feitos por “observadores credíveis de coisas relativamente incredíveis”.

Estas possibilidades relativamente incredíveis inflamaram naturalmente os entusiastas dos OVNIs.

Jornais de todo o país traziam manchetes como “Enxame de discos voadores sobre o Capitólio” e “jatos perseguem fantasmas do céu em Washington”. Um investigador da Força Aérea em 1952 contou mais de 16 mil notícias de jornais sobre OVNIs nesse ano.

Mas menos de um ano após a conferência de imprensa de Samford, um painel governamental de cientistas, militares e funcionários dos serviços secretos reuniu-se para estudar provas e testemunhos de mais de 20 supostos avistamentos de OVNIs. E concluiu que os OVNIs representavam de facto uma ameaça estratégica para os EUA - mas não por causa de alienígenas, antes porque a defesa aérea civil americana poderia ser posta em causa por relatos de OVNIs.

Esta preocupação, escreve o historiador aeroespacial Curtis Peebles, “não era realmente por causa de discos voadores, mas sim por causa de Pearl Harbor” [base naval norte-americana que foi atacada de surpresa pela força aérea do Japão em 1941]. No auge da Guerra Fria, “os EUA foram assombrados pelo espectro de um ataque nuclear soviético surpresa”.

O painel sugeriu uma política de “desmascaramento” de relatos e recomendou às autoridades que tomassem “medidas imediatas para retirar aos Objectos Voadores Não Identificados o estatuto especial que lhes foi atribuído e a aura de mistério que infelizmente adquiriram".

A Força Aérea dos EUA encarregou um pequeno gabinete chamado Projeto Blue Book [à letra, Projeto Livro Azul] de fazer exatamente isso. Até à década de 1970, os responsáveis do Blue Book seguiram desenvolvimentos dos relatos de OVNIs, entrevistaram testemunhas, recolheram provas e colocaram consistentemente uma narrativa na imprensa salientando que a maioria dos avistamentos poderia ser atribuível a aviões normais, fraudes ou fenómenos meteorológicos.

Depois, como agora, a grande maioria dos relatos de OVNIs submeteu-se a explicações convencionais.

Mas permaneceu um pequeno grupo de observadores de OVNIs que não puderam ser dissuadidos. E continuaram a observar os céus, reportando naves que pareciam capazes de voar mais alto e mais rápido do que qualquer avião conhecido.

Em alguns casos, eles estavam a detetar ativos reais e muito secretos dos EUA. O historiador da CIA Gerald Haines estimou que metade dos relatos investigados pelo Projeto Blue Book eram na realidade avistamentos dos aviões espiões U-2 da CIA e SR-71 da Força Aérea.

A necessidade de proteger estes e outros projetos furtivos deu origem a uma nova abordagem de alguns cantos da comunidade de contraespionagem dos EUA.

“A Força Aérea dos EUA e a CIA tinham os seus próprios OVNIs operativos para esconder”, escreve Mark Pilkington no seu livro “Mirage Men”, uma extensa história de supostos avistamentos de OVNIs. “Os detalhes mais finos, mais carnudos tinham sido preenchidos pela imaginação das pessoas em terra, encorajados e embelezados pela...CIA e outros da sopa de letras das organizações de inteligência”.

Pilkington documentou casos no início da década de 1980 de agentes de contraespionagem da Força Aérea que entraram em contacto com investigadores de OVNIs e os enviaram para o terreno - chegando mesmo a fazer fugas de informação de provas falsas de contacto secreto entre o governo dos EUA e visitantes extraterrestres. Histórias como estas espalham-se inevitavelmente. E qualquer informação útil sobre aviões ultrassecretos da vida real perdeu-se entre ruídos cada vez mais estranhos sobre OVNIs.

Pilkington descreveu a estratégia de comunicação do Pentágono como “um sistema de dois canais” - um para desmascarar e acalmar o público em geral quando se tratava de relatos de OVNIs, o outro para esconder potenciais fugas de informação sobre tecnologia ultrassecreta dos EUA.

Então, onde é que isso nos deixa hoje? Talvez, com a Guerra Fria para trás, o novo gabinete de OVNIs do Pentágono sinalize um novo capítulo de sensata transparência em torno das incógnitas aéreas que podem constituir uma ameaça à nossa segurança. Mas com a longa história do Pentágono de oscilar entre o atiçar e suprimir o fascínio do público, não parece provável que os verdadeiros crentes em OVNIs desistam do mistério em breve.

E.U.A.

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