"Ainda Estou Aqui" pode ganhar um Óscar (ou até dois), mas dificilmente será o Melhor Filme. Esta é a grande noite de Hollywood e isto é tudo o que precisa de saber sobre a cerimónia

2 mar, 11:00
A atriz Fernanda Torres no filme "Ainda Estou Aqui" (DR)

"O Brutalista", "Anora" e "Conclave" são os grandes favoritos. Entre os estrangeiros, depois de "Emilia Pérez" ter caído em desgraça, a passadeira ficou livre para o filme brasileiro. Mas Fernanda Torres tem pela frente duas candidatas de peso

Na noite em que, pela primeira vez, um filme em língua portuguesa poderá ganhar o Óscar de Melhor Filme, Hollywood vai lembrar as vítimas dos incêndios recentes na Califórnia e poderá querer deixar uma mensagem a Donald Trump. Estamos todos curiosos para ver o que dirá disto tudo o apresentador Conan O'Brien e para saber como vai a Academia lidar com uma atriz trans que começou por ser uma ativista celebrada e acabou por se tornar uma presença incómoda.

Um arquiteto judeu que sobrevive ao Holocausto e viaja para a América ("O Brutalista"). Um narcotraficante mexicano que muda de género ("Emilia Pérez"). Uma bailarina exótica que se mete em apuros com o filho de um mafioso russo ("Anora"). Dois rapazes negros institucionalizados na América dos anos 60 ("Nickel Boys"). Um bispo do Vaticano que, depois da morte do Papa, tem a responsabilidade de organizar o conclave ("Conclave"). Bob Dylan, titubeante, a tentar fazer carreira na música ("A Complete Unknown"). A amizade entre duas bruxas na Terra de Oz ("Wicked"). Uma resistente da ditadura militar, cujo marido é assassinado na prisão, fica sozinha com cinco filhos ("Ainda Estou Aqui"). Uma mulher que se recusa a envelhecer e entra numa espiral de destruição ("A Substância"). Um jovem disposto a tudo para salvar a sua família e o seu povo ("Dune II").

Os filmes nomeados aos Óscares são muito diferentes entre si. Há musicais e gore, filmes baseados em factos reais e filmes que nos levam para mundos fantásticos. E todos eles vão ser celebrados esta noite. Os Óscares, prémios da Academia de Artes Cinematográficas, vão ser entregues no Dolby Theatre em Los Angeles, como habitualmente.

A cerimónia tem início previsto para as 16:00 locais (meia-noite em Lisboa). Mas a animação começa duas horas antes, com as estrelas a chegarem à passadeira vermelha.

VEJA AQUI A LISTA COMPLETA DE NOMEADOS

Uma grande lista de favoritos

"Emilia Pérez", de Jacques Audiard, é o filme mais nomeado do ano, com um total de 13 nomeações. O filme de Brady Corbet, "O Brutalista", e o filme de Jon M. Chu, "Wicked", vêm logo a seguir com dez nomeações cada.

Mas quem é o favorito a ganhar o prémio mais cobiçado da noite, o de Melhor Filme? Mais do que noutros anos, esta parece ser uma questão difícil de responder. 

"Anora", de Sean Baker, tem vindo a ganhar destaque, depois de ter conquistado os principais prémios do Producers Guild, Diretors Guild e Independent Spirit Awards.

As esperanças de "Conclave", de Edward Berger, foram reforçadas pela vitória do elenco do Screen Actors Guild (SAG) - o filme parece ter ganhado uma atualidade inesperada e despertado a curiosidade do público num momento em que a saúde do Papa Francisco tem estado tão frágil. 

"O Brutalista", com as suas três horas e meia de duração, é também referido pelos críticos como forte candidato. 

Verdadeiras surpresas só haverá se o vencedor não for nenhum destes três nomeados.

Mark Eydelshteyn e Mikey Madison no filme "Anora" (DR)

Nas categorias de representação, Demi Moore ("A Substância") parece ser a melhor colocada, mas a vitória de Mikey Madison ("Anora) nos BAFTA e nos Independent Spirit veio tornar a corrida mais animada.

Adrien Brody ("O Brutalista") é o vencedor mais provável do Óscar de melhor ator, embora Timothée Chalamet (que interpreta Bob Dylan em "A Complete Unknown", de James Mangold) seja também um nome a ter em conta depois da vitória surpreendente nos prémios do SAG.

Zoe Saldaña ("Emilia Pérez") e Kieran Culkin ("A Verdadeira Dor") aparecem como os favoritos entre os atores secundários. 

Existe também a hipótese de todas as previsões estarem erradas e os vencedores serem aqueles que ninguém espera - é raro, mas já aconteceu na história dos Óscares. A Variety lembrava há dias as palavras do ator Christopher Walken: "No seu melhor, a vida é completamente imprevisível". Esta parece uma frase adequada à cerimónia deste ano.

O que aconteceu com "Emilia Pérez"?

"Emilia Pérez", de Jacques Audiard, um narco-musical sobre um barão da droga mexicano que se submete a uma cirurgia de afirmação do género, conseguiu 13 nomeações e, a determinada, altura, parecia ser a melhor hipótese da Netflix para conseguir a sua primeira vitória na categoria de melhor filme. A  protagonista, Karla Sofía Gascón, fez história ao tornar-se a primeira pessoa transgénero a ser nomeada para um Óscar de interpretação.

Mas, subitamente, tudo mudou. Depois de terem sido descobertos antigos tweets ofensivos de Gascón, a atriz emitiu um pedido de desculpas. No entanto, o backlash prejudicou gravemente um filme que já era um candidato polémico e levou a Netflix a reorientar radicalmente a sua campanha.

O foco passou de Karla Sofía Gascón para Zoe Saldaña, que está nomeada como atriz secundária, e para a canção "El Mal", candidata a melhor canção original. 

Zoe Saldaña no filme "Emilia Pérez" (DR)

"Emilia Pérez" arrisca-se a juntar-se a "A  Grande Decisão", de Herbert Ross (1977), e "A Cor Púrpura" (1985), de Steven Spielberg, como os filmes mais nomeados a saírem da noite dos Óscares de mãos vazias.

Quais são as hipóteses de "Ainda Estou Aqui"? 

Apesar de todo o "sururu" que os fãs brasileiros têm feito nas redes sociais, o filme de Walter Salles, "Ainda Estou Aqui" está no grupo de nomeados a Melhor Filme que parecem não ter qualquer hipótese. 

O filme - o primeiro falado em língua portuguesa nomeado para esta categoria - está também na corrida em mais duas categorias, Atriz e Filme Internacional, onde as chances de ganhar uma estatueta são bastante maiores.

O crítico da Variety Clayton Davis arrisca dizer que "Ainda Estou Aqui" "deveria" ganhar o Óscar de Melhor Filme, mas admite que não tem hipóteses perante concorrentes como "Anora" ou "Conclave". Assim como Fernanda Torres "deveria" ser eleita a melhor atriz mas provavelmente será ultrapassada por Demi Moore ou Mickey Madison.

David Rooney, no Hollywood Reporter, concorda: "O desempenho obstinado de Fernanda Torres destaca-se com uma resistência desafiadora", diz sobre a atriz que venceu já o Globo de Ouro com esta interpretação.

Já Kyle Buchanan, do The New York Times, acredita que Fernanda Torres ainda tem hipóteses de ganhar. O filme brasileiro foi o último a estrear nos EUA e tem feito uma grande campanha: "Ela está a receber muitos votos de membros da Academia que só agora estão a ver o seu filme. Com as coisas tão próximas entre Moore e Madison, pergunto-me se os eleitores não se sentirão tentados a escolher Torres como uma terceira alternativa. Ainda assim, qualquer uma dessas mulheres pode vencer", escreve.

Se vencer, Fernanda Torres será a primeira pessoa não nomeada para os SAG ou para os BAFTA a ganhar um Óscar de melhor atriz.

Os atores Selton Mello e Fernanda Torres no filme "Ainda Estou Aqui" (DR)

No entanto, há algo em que quase todos parecem concordar: depois do desaire de "Emilia Pérez", o filme brasileiro poderá muito bem levar para casa a estatueta de Melhor Filme Internacional. Enquanto o filme de Audiard está em trajetória descendente desde que as nomeações foram anunciadas, o filme de Walter Salles tem vindo a ser cada vez mais falado e acarinhado.

"No meio do caos da segunda administração Trump, a história de uma família brasileira que resiste ao autoritarismo pode parecer muito mais próxima para os votantes", escreve Nate Jones na Vulture.

"O facto de 'Ainda Estou Aqui' poder ultrapassar 'Emilia Pérez', um dos filmes mais nomeados de sempre para os Óscares na corrida para a Melhor Longa-Metragem Internacional é um feito surpreendente para um filme que estreou tardiamente, apesar de ter sido aclamado em festivais desde Veneza", admite Ryan Lattanzio, da IndieWire.

Para Conan O'Brien apresentar a cerimónia é como "conduzir um Ferrari"

Conan O'Brien vai ser o anfitrião da noite. "Nunca fui convidado para os Óscares", comentou em tom de brincadeira. “Eu só aceitei apresentar para poder ser convidado." E está muito entusiasmado. Disse que, comparado com todas as outras coisas que já fez, ser anfitrião dos Óscares é como "conduzir um Ferrari pela primeira vez". "Gostaria de ficar com o smoking. Fizeram-me um smoking absolutamente lindo. É a coisa mais bonita que já vesti na minha vida", brincou.

O'Brien garantiu que, durante a noite, não hesitaria em falar sobre a preocupante situação política do país. "Não posso ignorar o momento em que estamos", assumiu. "Mas também tenho de me lembrar do que estamos aqui a celebrar e de mostrar alguma positividade."

Adrien Brody no filme "O Brutalista" (DR)

"The show must go on": como os incêndios da Califórnia afetaram os Óscares

Os incêndios florestais que consumiram grande parte de Los Angeles no início de janeiro levaram algumas pessoas a pedir o cancelamento da cerimónia dos Óscares. A Academia adiou por duas vezes o anúncio das nomeações, mas nunca adiou a data da cerimónia. Os dirigentes da Academia argumentaram que o espetáculo deve continuar, pelo seu impacto económico em Los Angeles e como símbolo de resistência.

Certamente que os incêndios serão abordados durante o espetáculo, tanto na cerimónia como nos discursos. Também haverá uma recolha de donativos, aberta a todos espectadores.

“Houve tantas pessoas que foram tocadas por esta devastação”, disse na quarta-feira Raj Kapoor, produtor executivo do programa. O “tema geral” da noite será “muito ligado à comunidade e ao espírito de equipa e a todas as pessoas que trabalham nos bastidores", explicou, acrescentando: “Queremos criar no palco alguns momentos realmente bonitos e que celebrem esta cidade incrível em que vivemos."

Timothée Chalamet no filme "A Complete Unknown" (DR)

Para muitos dos envolvidos nos Óscares, os incêndios foram sentidos de forma direta. Por exemplo, a casa de Conan O'Brien em Pacific Palisades sobreviveu, mas a sua família não pôde voltar para lá. "Conheço tantas pessoas que perderam as suas casas. Eu tive imensa sorte", disse O'Brien à Associated Press. "Por isso, queremos ter a certeza que o programa reflete o que está a acontecer e que homenageamos as pessoas certas da forma certa."

A sombra de Donald Trump a pairar sobre os Óscares

Donald Trump vai estar presente na cerimónia, desde logo, através do filme "The Apprentice". Sebastian Stan e Jeremy Strong estão nomeados como ator e ator secundário. Escrito pelo jornalista Gabriel Sherman e realizado pelo cineasta Ali Abbasi, "The Apprentice" tenta contar a história da "fabricação” de Trump através da sua relação com o famoso advogado nova-iorquino Roy Cohn. Apesar de os críticos terem elogiado bastante as suas interpretações, as nomeações foram uma surpresa tendo em conta que o filme não estava a ser um sucesso entre o público americano e tinha sido bastante criticado por Donald Trump, entretanto eleito presidente. Trump chegou mesmo a ameaçar processar os produtores por difamação (mas não chegou a fazê-lo). 

Para além disto, O'Brien irá certamente falar de Donald Trump. E existe alguma curiosidade para ver quais os vencedores que irão mencionar o presidente ou a situação no país. Hollywood é um meio tradicionalmente democrata e muitas das estrelas gostam de aproveitar a visibilidade dos Óscares para se manifestarem. 

Quem vai anunciar os vencedores?

Whoopi Goldberg vai voltar ao palco dos Óscares, depois de dez anos de ausência, para anunciar um dos vencedores. O anúncio levantou logo rumores de que a atriz - que contracenou com Demi Moore em "Ghost - O Espírito do Amor" (1990) - poderia estar ali precisamente para entregar a estatueta de melhor atriz à protagonista de "A Substância".

Demi Moore no filme "A Substância" (DR)

A Academia, como é habitual, mantém o segredo e não diz quem vai anunciar o quê. Sabe-se apenas que Selena Gomez, Oprah Winfrey, Joe Alwyn, Ana de Armas, Halle Berry, Scarlett Johansson, Bowen Yang, Lily-Rose Depp, Elle Faning, John Lithgow, Amy Poehler, Ben Stiller, Willem Dafoe e Sterling K. Brown estão entre as presenças confirmadas no palco, para anunciar os vencedores dos Óscares. Dave Bautista, Harrison Ford, Gal Gadot, Andrew Garfield, Samuel L. Jackson, Margaret Qualley, Goldie Hawn, Alba Rohrwacher, Zoe Saldaña e Rachel Zegler também serão apresentadores.

Os atores vencedores do ano passado - Emma Stone, Robert Downey Jr., Cillian Murphy, Da'Vine Joy Randolph - também participarão na cerimónia. Embora a Academia tenha dito inicialmente que voltaria a utilizar o estilo “fab five” na entrega dos prémios de representação, com cinco vencedores anteriores por categoria, os organizadores terão abandonado esses planos.

Quem vai atuar na cerimónia? 

A Academia anunciou que, ao contrário dos anos anteriores, as canções originais nomeadas não serão apresentadas desta vez no palco do Dolby Theatre. Mas isso não significa que não haverá música.

Os produtores disseram que Queen Latifah fará parte de um tributo musical ao falecido Quincy Jones, que foi homenageado em novembro com um dos Governor’s Awards, poucas semanas após a sua morte.

Doja Cat, Lisa dos Blackpink e Raye também atuarão, assim como Cynthia Erivo e Ariana Grande de "Wicked" (as canções de "Wicked" não eram elegíveis para melhor canção, uma vez que, vinham do musical da Broadway, não são originais do filme). O Los Angeles Master Chorale também estará presente. Outros nomes serão surpresa.

Onde acompanhar os Óscares

Nos EUA, a cerimónia será transmitida em direto pelo canal americano ABC, na televisão e online. Pela primeira vez, os Óscares serão transmitidos em direto também no serviço de streaming Hulu (nos EUA) e no Disney + (no resto do mundo).

Em Portugal, a transmissão será assegurada pela RTP1, que acompanha a cerimónia com comentários em português.

Ralph Fiennes no filme "Conclave" (DR)

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