Habitualmente uma cerimónia com grandes discursos políticos e pela igualdade, os Óscares foram particularmente tépidos na sua 95.ª edição
“O mundo não esqueceu a mensagem de Alexei Navalny”. Quem o diz é o realizador do documentário com o nome da maior figura da oposição na Rússia, detido desde o início de 2017. Mas se Daniel Roher, que recebeu o Óscar naquela categoria, garante que o mundo não esqueceu, nos Óscares foram poucas (ou nenhumas) as lembranças daquilo que se passa na guerra da Ucrânia, deixando um silêncio ensurdecedor que se segue a uma segunda recusa por parte da Academia para ter um discurso do presidente da Ucrânia durante a cerimónia.
Com efeito, e para lá das palavras do realizador e de Yulia Navalny, a mulher do opositor russo, mais nenhuma menção foi feita àquilo que acontece na Europa desde 24 de fevereiro de 2022.
“O líder da oposição russa permanece em solitária pelo que diz ser uma guerra injusta de Putin na Ucrânia”, afirmou Daniel Roher, que destacou uma personagem ausente do palco onde foi entregue a estatueta: o próprio Alexei Navalny.
Mais emotiva, também Yulia deixou algumas palavras ao marido, deixando uma mensagem para ele, mas também para toda a Rússia: “Sonho com o dia em que serás livre, em que o nosso país será livre”.
Uma estranhamente rara mensagem política na cerimónia número 95 dos Óscares, que ficou marcada pela leveza de discursos, mesmo dos vencedores que podem ser considerados minorias, como as várias mulheres ou artistas de etnias menos representadas que subiram a palco.
Jamie Lee Curtis foge à regra (e dá o exemplo)
A atriz Jamie Lee Curtis, que esta noite venceu o seu primeiro Óscar, aos 64 anos, pelo seu papel em “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”, pediu mais paridade de género em Hollywood e mais mulheres nomeadas em todas as categorias.
“Obviamente gostaria de ver muito mais mulheres a serem nomeadas, para que haja paridade de género em todas as áreas, em todas as categorias”, disse a atriz, na sala de entrevistas dos bastidores dos Óscares. “Ainda não estamos perto disso”, considerou.
Jamie Lee Curtis considerou ser “surreal” estar entre as nomeadas e ter vencido o Óscar de Melhor Atriz Secundária, com o papel de Deirdre Beaubeirdra que já lhe tinha rendido um prémio do Sindicato dos Atores.
A atriz disse que a questão da diversidade e inclusão envolve um debate maior: “Como se inclui toda a gente quando temos escolhas binárias”, referiu, lembrando que tem uma filha transexual.
“Mas ao retirar o género da categoria, receio que vá diminuir as oportunidades para mais mulheres, o que é algo que também tenho estado a trabalhar para promover”, disse.
“É uma questão complicada, mas penso que a coisa mais importante é inclusão e mais mulheres”, continuou. “Basicamente mais mulheres em qualquer lado, a qualquer hora, ao mesmo tempo”, disse, fazendo uma alusão ao título do filme que lhe deu o Óscar esta noite em Los Angeles e que fez história na cerimónia.
O tema da diversidade foi revisitado várias vezes ao longo da noite nos bastidores, por onde passaram os vencedores para responder às perguntas dos jornalistas. As vencedoras do Óscar de Melhor Documentário em Curta-Metragem “The Elephant Whisperers”, Kartiki Gonsalves e Guneet Monga, também abordaram a questão.
“São duas mulheres de um país de 1,4 mil milhões [de habitantes] e é a primeira produção da Índia a vencer”, sublinhou a produtora Guneet Monga. “Não esperem por ninguém” afirmou. “Vocês não precisam de um lugar à mesa. Criem a vossa própria mesa e sentem-se nela”.
Foi o que fez Sarah Palley, que venceu o Óscar de Melhor Argumento Adaptado por “A Voz das Mulheres”. A cineasta mostrou-se muito contente pelo reconhecimento da Academia de um filme sobre mulheres que se elevam acima do medo e da discórdia e fazem valer a sua voz.
Um laço pelos refugiados
Na outra mensagem política da noite, ainda que muito menos ruidosa, vários convidados apresentaram-se com laços azuis, naquilo que foi uma iniciativa em representação dos refugiados, e que teve a colaboração do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
O laço representava a solidariedade para com aqueles que são forçados a deixar as suas casas, como é o caso de milhões de ucranianos, mas também de outras pessoas por esse mundo fora. Também em países como a Síria ou Myanmar continuam a existir milhões de refugiados que fogem para outros locais à procura de segurança.
"O melhor desta noite de Óscares? As estrelas que usam os nossos laços azuis", escreveu o ACNUR no Twitter.
Best thing about the #Oscars tonight? The stars rocking our blue ribbons on the red carpet 💙
— UNHCR, the UN Refugee Agency (@Refugees) March 12, 2023
RT if you stand #WithRefugees too, no matter who they are, or where they come from. pic.twitter.com/mA6qTuCTyL
Ainda que notório, o tal laço azul esteve longe da mais famosas lapelas e vestidos da noite. Dos vencedores que subiram ao palco do Dolby Theatre apenas cinco pessoas decidiram apresentar-se com o símbolo. Entre elas estiveram Jamie Lee Curtis e Guillermo del Toro, respetivamente vencedores dos Óscares de Melhor Atriz Secundária e Melhor Filme de Animação.
Os números do ACNUR apontam para a existência de mais de 32 milhões de refugiados em todo o mundo, 72% originários de apenas cinco países: Síria (6,8 milhões), Venezuela (5,6 milhões), Ucrânia (5,4 milhões), Afeganistão (2,8 milhões) e Sudão do Sul (2,4 milhões).