Ortopedia: urgências de Lisboa em dificuldade, mas há mais problemas. Estão 53 mil à espera de consulta e 20 mil de cirurgia

28 mar 2023, 07:00
Ortopedia (Pexels)

Os hospitais de Santa Maria, em Lisboa, e de Santarém fizeram soar o alerta com constrangimentos nos serviços de urgência de Ortopedia, uma especialidade em risco de entrar em rutura. As listas de espera para consulta e cirurgia não param de engrossar, três em cada dez ortopedistas estão próximos da idade da reforma e os especialistas garantem que é preciso uma ação célere para evitar o caos

M. tem 65 anos e está há dois à espera de uma cirurgia ortopédica. “Tenho uma rotura muscular quase na totalidade no braço direito”, conta, sem querer dar o seu nome com receio de ser prejudicada: “Estou de baixa médica, que é o meu sustento e não me quero prejudicar. Já fui a juntas médicas e dizem sempre que o problema não é meu, mas do sistema”.

A residir no Funchal, M. diz que lhe resta esperar: “A última consulta foi com o ortopedista que disse que nem vale a pena fazer fisioterapia porque preciso é da cirurgia”. Mas até conseguir uma consulta, feita a pedido do médico de família, teve de aguardar.

Para consulta estive à espera um bom par de meses e só quando fui lá [ao hospital] é que consegui marcar a consulta”, conta, revelando que teve de se deslocar à unidade hospitalar porque não recebia qualquer chamada para a consulta externa. Agora fica a aguardar que a carta chegue a casa ou que telefone toque. “Vou lendo as notícias e sei que têm quatro mil cirurgias por fazer, vou para lá fazer o quê?”, questiona.

Em Portugal  há mais de 53 mil pessoas à espera da sua vez para uma consulta de Ortopedia, um prazo que ultrapassa o tempo estipulado pela lei. Ao mesmo tempo, há mais de 20 mil portugueses a aguardar há largos meses por uma cirurgia ortopédica, um cenário que não é de agora e que, apesar dos esforços das unidades hospitalares, parece não ter fim à vista. Dos Açores e da Madeira não há dados publicados online.

Porém, os tempos de espera não são o único problema da Ortopedia: hospitais como o de Santa Maria (Lisboa) e o de Santarém acusam dificuldades e dão sinais de rutura nos serviços de urgência desta especialidade, sobretudo noturna, tal como o Hospital Garcia de Orta (Almada) e o São José (Lisboa), sabe a CNN Portugal. No final de 2022, esse cenário foi vivido no Hospital de São Bernardo (Setúbal).

O Hospital Garcia de Orta, numa resposta enviada por escrito à CNN Portugal, confirma as dificuldades, garantindo que tudo se deve à falta de equipa médica. Fonte oficial do hospital assegura porém, que “nos últimos dias a escala tem sido garantida", o que, sublinha, se deve "manter nos próximos dias, salvo a ocorrência de algum imprevisto”. A unidade hospitalar alega que  “tem feito todos os esforços para assegurar o serviço de urgência de Ortotraumatologia, sendo que, esporadicamente, por falta de elementos na equipa médica de Ortopedia /Traumatologia, pode ser necessário o encaminhamento de doentes urgentes”.

“Temos urgências cheias, muitos doentes em lista de espera. É a imagem do serviço”, lamenta João Gaspar, enfermeiro de reabilitação há 28 anos, a exercer no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, e membro da Associação dos Enfermeiros Portugueses de Ortopedia e Traumatologia.

Já Jorge Roque da Cunha, dirigente do Sindicato Independente dos Médicos, avisa mesmo que a Ortopedia pode em breve ter um cenário idêntico àquele que recentemente se verificou em Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria. “A Ortopedia tem sido uma das especialidades onde mais problemas têm ocorrido, não só nas escalas, mas também na própria constituição dos serviços", diz, avançando com situações concretas: "O Hospital de Faro há mais de dois anos que não consegue garantir essas escalas e o Hospital de Leiria só muito raramente consegue garantir essas escalas e com recurso a prestadores de serviços”, diz.

A juntar a estas questões, de acordo com dados recentes da Ordem dos Médicos (OM) e referentes a dezembro do ano passado, 57,3% dos ortopedistas no ativo têm mais de 55 anos, fator que compromete as escalas de urgência em ambiente hospitalar e que mostra que é uma especialidade que está envelhecida. Do total de ortopedistas inscritos na OM, 1.373, um em cada três (34%) tem mais de 65 anos.

“É um grande problema haver uma percentagem significativa da população médica de Ortopedia que está nos hospitais ter já uma idade avançada”, reconhece João Gamelas, presidente da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia.

Depois de Ginecologia e Obstetrícia e mais recentemente de Pediatria, Ortopedia mostra agora fragilidades. Mas Ortopedia acaba por sofrer de todos os males que são comuns a qualquer outra especialidade no Serviço Nacional de Saúde: os salários não são apelativos, há sobrecarga de trabalho e os mais novos procuram cada vez cedo um plano de fuga.

Temos alertado que soluções que não passem pela contratação de médicos resultam em encerramentos provisórios que rapidamente passaram a definitivos, o que acontece com Obstetrícia e que está a acontecer com Pediatria vai acontecer com outras especialidades, nomeadamente com Ortopedia, já que nao se estão a ser tomadas medidas”, alerta Jorge Roque da Cunha.

 

Lisboa fez soar o alerta das urgências

Os problemas sentidos nas urgências de Ortopedia em hospitais da zona de Lisboa são motivo de preocupação para os especialistas.  O médico João Gamelas, diretor do serviço de Ortopedia no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, garante que a ação tem de ser célere. 

“É preciso olhar para os mapas de pessoa e ver o que cada serviço precisa e acabar com os cortes cegos", afirma, explicando que se fica muito tempo à espera de luz verde para se contratar: "Não é uma boa solução pedir [a contratação] ao Ministério da Saúde e ao Ministério das Finanças, onde [a decisão] fica longos meses”. A solução, avisa, tem de ser encontrada de outra forma. “Tem de haver uma forma de nos sentarmos e de ver o que os serviços de Ortopedia precisam em Lisboa. Temos de ter um plano que ultrapasse esta dificuldade”.

Para João Gamelas, a Ortopedia é apenas o espelho do SNS, onde as dificuldades nas urgências são sentidas de forma transversal a outras especialidades, como já tinha alertado também o diretor do centro de traumatologia integrado do Hospital S. José . João Varandas Fernandes, em declarações à Lusa, avisou no verão o Serviço Nacional de Saúde (SNS) enfrenta “sérios riscos de colapso”, se não houver soluções para as urgências.

No verão de 2022, o primeiro-ministro  disse existir carência de profissionais em Ortopedia, uma das especialidades que admitiu estar em situação crítica. “Não há falta de médicos, há uma assimetria na distribuição de recursos”, atira José Mesquita Montes, presidente do Colégio de Ortopedia da Ordem dos Médicos e diretor de Ortopedia do Centro Hospitalar Póvoa do Varzim/Vila do Conde

Segundo o especialista, é preciso prestar atenção ao que está a acontecer em Lisboa, o que, alega, se deve à incapacidade de o SNS reter especialistas nesta zona do país, onde a subida do custo de vida se faz mais sentir. “Toda a região de Lisboa e Vale do Tejo está com dificuldades”, lamenta, notando que o problema é mais grave nesta região.

Para Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE), estes casos de dificuldades nas urgências de Ortopedia são apenas uma ponta do iceberg de um problema geral nas urgências hospitalares e que se espalhou por todo o SNS. “O problema do serviço de urgência é que temos um sistema de saúde centrado nesse mesmo serviço de urgência. Outros países europeus apostam em cuidados de proximidade, nos cuidados de saúde primária, aqui, o serviço de urgência é já usado como sistema de saúde”, diz. 

“Estando mal ou bem, as pessoas esperam oito, doze ou 16 horas porque alguém os vai ver. As pessoas aparecem com coisas estapafúrdias, como piolhos, unhas encravadas. Vão porque sabem que há resposta”, adianta a enfermeira, apontando ainda o dedo à “falta de alteração de organização de trabalho” e à “iliteracia” da população portuguesa.

“Temos urgências cheias, muitos doentes em lista de espera. É a imagem do serviço”, lamenta João Gaspar, enfermeiro de reabilitação há 28 anos

Especialidade envelhecida

No final de 2022, estavam no ativo 1.373 médicos ortopedistas, 13,5% mulheres e 86,5% homens. Mais de metade (57,3%) tinha mais de 55 anos, idade a partir da qual um clínico pode rejeitar, por lei, entrar nas escalas de urgência, seja diurna ou noturna, caso esteja a trabalhar em ambiente hospitalar. Um cenário que o próprio Ministro da Saúde Manuel Pizarro diz que não irá mudar, depois de se ter levantado a questão do alargamento da idade permitida para um médico ser escalado para o serviço de urgência.

Do total de ortopedistas no ativo,  só 20% tinham menos de 40 anos. Já 34% estavam na faixa etária de mais de 65 anos.

Ao contrário de João Gamelas, que vê a o fator idade como um aspeto negativo na classe, José Mesquita Montes desvaloriza a situação. Segundo o responsável da Ordem, o facto de haver uma lei que permite que a partir de certa idade peçam escusa para fazer urgências, não quer dizer que não haja médicos mais velhos a fazê-las. “Um ortopedista só o é, como qualquer outro especialista, e começa trabalhar como tal com 30 e tal anos de idade, é natural que a idade [dos médicos ortopedistas] seja avançada”, diz. 

“A partir de uma certa idade, fazer 24h de urgência não é fácil"

No entanto, o envelhecimento da classe tem sido um problema transversal a outras especialidades no Serviço Nacional de Saúde (SNS), como é o caso da pediatria. Na prática, revela o relatório Recursos Humanos em Saúde, um em cada quatro médicos no ativo tem mais de 65 anos e até 2030 irão reformar-se perto de cinco mil, com destaque para Lisboa, zona com médicos mais velhos.

“A partir de uma certa idade, fazer 24h de urgência não é fácil, são 24h em que é necessário operar, fazer atendimento, fazer uma série de coisas. Sou especialista em reabilitação, como é que aos 65 anos vou conseguir reabilitar [o paciente]? A reabilitação vai ser em conjunto para mim e para o doente”, ironiza o enfermeiro João Gaspar. E continua: “A sobrecarga física e o desgaste, a partir de uma certa idade, não nos abonam em nada, são horas muito desgastantes as que temos nos hospitais, não temos a mesma capacidade de recuperação física e mentalmente e as taxas de absentismo mostram isso”.

Os enfermeiros são também papel fundamental nos serviços de urgência e de cada especialidade, mas a Ordem dos Enfermeiros não tem o número dos profissionais da classe a trabalhar nos serviços de Ortopedia e traumatologia. No entanto, olhando para a classe como um todo dá para perceber que é, sobretudo, jovem, mas não especializada. 

De acordo com os dados presentes no site da OE, em 2022 estavam inscritos 81.799 enfermeiros, sendo que apenas 16,4% tinham mais de 56 anos. A maioria (66%) dos inscritos tinha entre 21 e 40 anos de idade. Do total, apenas 24.353 eram especialistas, 5.164 em Enfermagem de Reabilitação, vertente relacionada com a especialidade de Ortopedia e traumatologia.

 

"O Hospital Beatriz Ângelo está a marcar consulta para daqui a dois anos"

Segundo o site Tempos, do Serviço Nacional de Saúde, no final de 2022, não havendo disponíveis dados mais recentes, eram 53.786 as pessoas a aguardar uma consulta de Ortopedia com prioridade normal para lá do tempo estipulado por lei, que são 150 dias para estes casos. 

Entre as situações mais dramáticas estão o Hospital de Braga, onde há 6.198 pessoas à espera de consulta, o Hospital Padre Américo - Vale do Sousa (Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, EPE), onde estão 5.503 pessoas a aguardar e o Hospital São Teotónio (Centro Hospitalar Tondela - Viseu, Epe), com uma lista de 4.516. No Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ) e no Hospital Eduardo Santos Silva (Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE) são 4.132 e 4.029, respetivamente, os utentes que esperam para lá do tempo máximo de resposta garantido (TMRG) para uma consulta.

Mas há outros casos que merecem atenção, diz o sindicalista Jorge Roque da Cunha, que se apressa a dar exemplos. “A situação nesta especialidade é particularmente complicada, não só na urgência, mas naquilo que são as cirurgias programadas. A nível de lista de espera, o Hospital Beatriz Ângelo está a marcar consultas para daqui dois anos, o que é inaceitável e resulta da incapacidade que o Ministério da Saúde tem demonstrado nos últimos anos em investir no SNS”.

 

A nível de cirurgia nesta especialidade, segundo o site Tempos, há pelo menos 20.433 pessoas à espera para lá dos tempos estipulados pela lei, que são 180 dias nestes casos.  E apesar de os casos graves 

“Mesmo não sendo [casos] graves, provocam sofrimento, devem ser resolvidos. Temos um problema de insuficiência crónica de produção, o SNS tem perdido capacidade de tratar e as listas de espera têm vindo a engrossar. Os recursos são menores e a pandemia não ajudou”, adianta João Gamelas.

Numa grande parte dos hospitais, o tempo de espera para cirurgia de Ortopedia é próximo de um ano ou passa mesmo disso, como acontece com o Hospital Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE), em que o tempo de espera para cirurgia com prioridade normal é de 416 dias e há 1.368 pessoas a aguardar. Neste hospital, a especialidade de Ortopedia tem também enfrentando dificuldades a nível das urgências, sendo que, em março, há um dia sem qualquer elemento de urgência escalado.

Também o Hospital da Universidade de Coimbra (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE) entra na lista dos que têm maior tempo de espera: são 3.385 na lista e podem ter de aguardar 331 dias pela cirurgia ortopédica. Ainda na lista dos hospitais que apresentam tempos de espera acima dos 300 dias está o São Bernardo (Centro Hospitalar de Setúbal): são 321 dias, com 2.506 pessoas na lista; e o Hospital São Francisco Xavier (Lisboa), com 921 pessoas numa lista com 316 dias de espera.

No Hospital Distrital de Santarém, que recentemente teve de encaminhar utentes da urgência de Ortopedia para outras unidades hospitalares, há 1.057 pessoas a aguardar para serem operadas, com um tempo de espera de 213 dias. Segundo o Mirante, este hospital contratualizou 102 cirurgias ortopédicas ao Hospital da Cruz Vermelha, de modo a reduzir as listas e os tempos de espera, num investimento de 142 mil euros.

Não podemos ter um SNS que funciona apenas de segunda a sexta, a consulta externa tem de funcionar de segunda a domingo, tal como as salas de bloco operatório. Os enfermeiros estão lá e a equipa não está completa [por falta de médicos]”, critica a bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco.

Também nos hospitais Garcia de Orta, (Almada), Pedro Hispano (Porto ), Santa Maria Maior (Barcelos), Senhora da Oliveira (Guimarães), Curry Cabral (Lisboa) e Braga o tempo de espera é superior a 200 dias, quando o máximo permitido por lei para os casos de “prioridade normal” é de 180 dias. E só no Hospital de  Braga há 3.075 em lista para cirurgia.

Pegando no exemplo desta unidade hospitalar, José Mesquita Montes destaca o esforço feito. “O Hospital de Braga adotou medidas para combater essa situação, subcontratou entidades externas, mas isto não é um problema que se resolve de um dia para o outro”, atira, destacando que a região norte tem-se mostrado mais capaz de fazer frente a estas questões.

João Gaspar,  membro da Associação dos Enfermeiros Portugueses de Ortopedia e Traumatologia, nota que, no caso da Ortopedia, a tipologia de doentes pode também condicionar a produção cirúrgica e o próprio serviço de urgência.

Devido à idade e à presença de outras comorbilidades, “muitos [pacientes] entram na urgência e não podem ser operados, têm patologia cardíaca, com imensas complicações” e isso “vai atrasando, é um efeito bola de neve”, explica.

O enfermeiro revela ainda que há um "problema social" que tem impacto direto no número de camas disponíveis e que, em alguns casos, contribui para o caos: o facto de muitos pacientes de Ortopedia serem idosos e mesmo depois terem alta da especialidade continuarem a ocupar camas porque nenhum familiar os vai buscar.

Há abandono de utentes por parte das famílias. São camas que poderiam ser usadas para urgência e estão a ser ocupadas por doentes que já não necessitam de estar em internamento”, reconhece João Gaspar, sublinhando que um pouco por todos os hospitais em fases críticas, “é habitual haver pacientes no corredor, em urgências cheias". "Não há capacidade de resposta”.

Carreira cada vez menos atrativa: jovens estão sobrecarregados piscam o olho ao setor privado

João Gamelas e José Mesquita Montes partilham da opinião de que o SNS já não é tão apelativo, e garantem que até os mais jovens piscam mais cedo o olho ao setor privado, fator que pode comprometer ainda mais a especialidade nos hospitais públicos, desfalcando equipas e tornando os serviços de urgência ainda mais trabalhosos.

Além da idade dos ortopedistas e de muitos estarem perto da reforma, o que retira recursos humanos aos hospitais, a “perda de carreiras médicas para fazer contratos individuais de trabalho” é um dos aspetos que o presidente da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia aponta como fator que “fez perder alguma segurança e regalias” e que “facilitou a mobilidade e o desapego aos serviços”, sobretudo ao de Ortopedia. 

“Agora, a pessoa trabalha num serviço e pode trabalhar noutro, perdeu-se o sentido de pertença”, afirma, dizendo que são muitos os ortopedistas que trabalham atualmente no setor público e no setor privado em simultâneo. Para João Gamelas, há ainda, atualmente, uma “degradação das condições de trabalho” que resultam num “aumento do nível de exigência”. “Começou a ser trabalho mais rotineiro e com maior sobrecarga e com falta progressão e evolução”, lamenta. E tudo isto, assegura, resulta num“fenómeno preocupante”.

Nestes serviços em particular, nos últimos 10-15 anos, assistimos a um fenómeno preocupante: o SNS era onde todos os médicos queriam estar, agora pouca gente quer ficar, é uma coisa multifatorial e na Ortopedia e isso é manifesto”, diz João Gamelas.

Além disso, acrescenta o diretor do serviço de Ortopedia no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, também os mais novos olham para o SNS sem entusiasmo. “Com as contratações bloqueadas e a falta de atratividade, muitos médicos abandonam e isso faz com que quem fique tenha uma maior carga de trabalho e se comece com um trabalho menos interessante e penoso, sobretudo na urgência. Isso faz com que [os mais jovens] queiram também sair”, explica.

O enfermeiro João Gaspar concorda. “A desmotivação é transversal, a não valorização de carreiras, os baixos salários. É raro o enfermeiro que não tenha um duplo emprego, tudo isto faz com que as equipas estejam desmotivadas”.

José Mesquita Montes aponta defeitos à forma como o serviço de urgência trabalha, olhando para isso como um entrave para os especialistas querem continuar no setor público hospitalar.

“A maneira como a Ortopedia em urgência funciona é muito díspar [entre hospitais], algumas funções num serviço de urgência podem ser diferentes de hospital em hospital e isso pode ser um problema”, diz, afirmando que alguns especialistas “fogem do serviço de urgência porque têm outras funções que não Ortopedia”.

O presidente do Colégio de Ortopedia da OM diz que, por isso, o setor privado da saúde torna-se ainda mais atrativo, sobretudo para os mais jovens, quando o especialista está na região de Lisboa, zona do país que tem tido dificuldade em reter profissionais de saúde, sobretudo médicos de família

A questão tem a ver com a remuneração, pois o que o SNS oferece não é competitivo. O custo de vida também tem variações regionais e isso explica as dificuldades. No interior norte ou centro, aquilo que um especialista ganha é suficiente para ter uma qualidade de vida razoável, mas em Lisboa não é e isso explica a fuga dos médicos do SNS e dos médicos em formação no SNS. Há vagas que não são ocupadas em determinadas zonas do país”, explica o responsável da OM.

Jorge Roque da Cunha defende que se "tem de passar desta retórica do amor ao SNS, para investir em salários”, uma vez que, explica, um especialista com contrato de “40 horas aufere 1.800 euros”.

E João Gamelas remata: “Com isso o SNS vai colapsar: não há falta de médicos, o que há é falta de médicos no SNS por dificuldades de recrutamento”.

 

Saúde

Mais Saúde

Patrocinados