Médicos vão ter um novo bastonário. Das urgências à eutanásia, dos médicos de família à incapacidade do SNS: eis o que cada um dos candidatos defende

18 jan 2023, 22:00
Candidatos à Ordem dos Médicos (DR)

Com estratégias distintas para a forma de atuação, os candidatos à Ordem dos Médicos estão de acordo com a necessidade de “abanar” o Serviço Nacional de Saúde. Defendem a reestruturação, novas medidas e mais atratividade. A eutanásia é o ponto de rutura.

Seis anos depois da eleição de Miguel Guimarães, médico urologista do Centro Hospitalar São João (CHSJ), para bastonário da Ordem dos Médicos, que venceu na primeira volta com 70% dos votos - deixando para trás nomes como Álvaro Beleza, Miguel Torgal e João França Gouveia -, os médicos estão a eleger quem os representará no mandato de 2023/2026.

As votações para a eleição do novo bastonário terminam esta quinta-feira e os resultados deverão ser conhecidos nos próximos cinco dias. Caso não haja um eleito na primeira volta, segue-se uma nova ronda de votações, com data a anunciar nos dez dias seguintes ao apuramento dos resultados da primeira volta. A posse do eleito acontecerá 30 dias após o ato eleitoral.

A CNN Portugal conversou com quatro dos seis candidatos - o médico Rui Nunes não se mostrou disponível até ao fecho de edição deste artigo - sobre os seis temas mais fraturantes da saúde em Portugal, com foco para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). As propostas dos candidatos serão apresentadas por ordem alfabética.

Sete temas fraturantes da saúde em Portugal - o que cada candidato defende

  • Caos nas urgências

O cenário não é novo, mas 2022 mostrou-se caótico: urgências fechadas, fragilidades nos atendimentos emergentes (com destaque para ginecologia e obstetrícia, tendo morrido dois bebés e uma mulher grávida no verão), tempos de espera que ultrapassam as 12 horas, equipas que se demitem, escalas por completar, escusas de responsabilidade, rotação entre hospitais. As urgências hospitalares assumem-se como o atual calcanhar de Aquiles do setor público da saúde e a solução parece ser consensual.

Alexandre Valentim Lourenço, Bruno da Cruz Maia, Carlos Cortes e Jaime da Cunha Branco estão de acordo no que toca ao impacto causado pelo facto de 1,4 milhões de utentes não terem um médico de família atribuído, uma porta de acesso aos cuidados de saúde que está constantemente fechada e que leva a que muitos recorram aos serviços de urgência.

A criação da especialidade de Medicina de Urgência e a especialização dos profissionais que estão neste serviço, assim como a devida remuneração (algo que o próprio Ministério da Saúde já anunciou), são medidas também apontadas pelos candidatos especialistas em ginecologia-obstetrícia e neurologia.

Alexandre Valentim Lourenço defende ainda que as taxas visam “moderar o acesso indevido aos serviços de saúde”, defendendo o não pagamento quando os “utentes são bem encaminhados, mas que impeçam o recurso à urgência por doentes que vão à urgência sem contactar o SNS 24 ou o INEM ou o centro de saúde”. Já Bruno da Cruz Maia alerta ainda para a importância da resolução da “sobrelotação de internamento nos hospitais, sendo que o que está na origem disso é a saída do hospital e as pessoas que depois da alta não têm para onde ir”. Este problema é também destacado por Carlos Cortes: “Um dos grandes problemas das urgências tem a ver com doentes dependentes, doentes que vêm de lares, do domicílio que estavam ao cuidado de familiares, que vão para as urgências e depois da alta clínica acabam por não ter um lugar no lar ou domicílio. É necessária uma reorganização das urgências, uma reorganização pré urgência e pós urgência”.

A par do reforço dos cuidados de saúde primários, Jaime da Cunha Branco defende uma “campanha de literacia em saúde”, que ajude o utente “a saber quando ir ao centro de saúde, ao hospital, quando ir a urgência”. O médico destaca ainda a importância de apostar na “organização dos próprios hospitais”, sendo que, diz, “em certas situações, algumas urgências serem concentradas numa unidade”, desde que isso não prejudique os utentes.

Fausto J. Pinto, por seu turno, considera que “o problema das urgências é mais complicado, desde a acessibilidade às redes de cuidados primários e continuados, como a forma como as urgências são organizadas, que têm implicações no funcionamento dos hospitais”, mas defende que “estamos numa fase de grande oportunidade para modificar o sistema, temos um governo maioritário, um ministro que é médico, um CEO com grande conhecimento, e a própria eleição para bastonário da Ordem dos Médicos”. Mas não adiantou nenhuma proposta concreta de resolução.

  • ​​​​Eutanásia

É dos temas que tem dividido políticos, sociólogos e até médicos. Dos quatro candidatos à OM que a CNN Portugal conseguiu entrevistar, apenas um é favorável à despenalização da morte medicamente assistida, tendo até contribuído para o início da discussão sobre o assunto. Bruno da Cruz Maia ajudou “na construção de alguns projetos-lei”.

“A minha posição pessoal é esta [a favor], enquanto bastonário respeitarei a posição dos médicos, pretendo consultar os médicos, e de acordo com a posição da maioria dos médicos, que acredito que é a minha, iremos participar nos processos necessários para que os processos de antecipação de morte sejam de parte a parte”, diz o especialista em Neurologia.

Alexandre Valentim Lourenço, Carlos Cortes e Fausto J. Pinto não são favoráveis à eutanásia, mas, em caso de eleição, farão por defender os médicos, sejam a favor ou contra a prática desta medida.

Alexandre Valentim Lourenço assume uma postura mais rígida sobre o tema. “Não é um ato médico, não se pode obrigar os médicos a participar neste procedimento contra a sua vontade”. “Serei contra a eutanásia e um fiel depositário do Código Deontológico [dos médicos]. Como médico e pessoa terei a minha opinião pessoal, como bastonário terei o código deontológico. E não é uma imposição política que altera o código deontológico”, refere Alexandre Valentim Lourenço.

Carlos Cortes defende que “todos os médicos têm o direito de ter a sua posição pessoal”, mas garante que “a lei contempla algo” que defenderá “sempre”: a objeção de consciência. “Sou contra a eutanásia e quero que os médicos contra não sejam obrigados a praticar um ato que não queiram praticar. Esta questão da liberdade de consciência deve ser respeitada pela lei”, adianta.

Com uma “posição pública há muito tempo”, Fausto J. Pinto não hesita: “Sou contra. É um princípio que vai contra o Código Deontológico. Os médicos defendem a vida e não a morte, sou a favor dos cuidados paliativos, há formas de dar apoio a pessoas que necessitam”.

Para o especialista em Cardiologia, “a eutanásia é abrir um precedente dos princípios éticos e deontológicos que a OM defende. Havendo leis, as leis são para cumprir, mas há mecanismos que permitem a atuação dos médicos, como a objeção de consciência. Logicamente, esse será um princípio que terá de ser respeitado sem limites se for eleito”, assegura. O médico diz que, caso seja eleito, irá “nomear uma pessoa de competência nesta área para uma comissão de avaliação”. Mas atira: “Espero que a lei não seja aprovada, é um descalabro, abrir a possibilidade de haver abusos que podem ser fatais”.

Jaime da Cunha Branco defende que a “Ordem dos Médicos não tem responsabilidade não legislação, tem de cumprir a lei e respeitar a vontade dos médicos”, no entanto, é crítico quanto à forma como a questão está a ser tratada. “Um país que oferece como alternativa ao extremo sofrimento a morte, tem de oferecer também a vida”, defendendo a especialidade de medicina paliativa como opção. “Os doentes devem ter as duas alternativas, não estamos estamos a ser justos”.

O médico Rui Nunes, que foi o criador do testamento vital em Portugal, também se focou na importância da especialidade de Medicina Paliativa. O médico é defendor do debate sobre a eutanásia, como noticiou o Diário de Notícias, e foi, em 2008, relator de um parecer para a discussão pública e a consulta popular sobre a eutanásia após as eleições de 2009, como escreveu o Expresso.

  • Vagas de especialidade por preencher

O cenário tem-se repetido ano após ano: são abertos concursos para especialidades médicas, como aconteceu nos últimos dias, que ficam aquém do esperado, com dezenas de vagas por preencher - e nas mais variadas especialidades. No final do ano passado, 161 vagas ficaram por ocupar na escolha de especialidades médicas, 71 de Medicina Geral e Familiar (MGF) e 67 de Medicina Interna (MI), por exemplo. No verão, e em pleno caos nos serviços de ginecologia e obstetrícia, mais de metade das vagas abertas para médicos recém-especialistas ficaram por preencher. Em junho, apenas 63% das vagas abertas para recém-especialistas em Medicina Geral e Familiar foram preenchidas, a mais baixa ocupação de lugares disponíveis desde a criação dessa especialidade.

Os quatro candidatos entrevistados pela CNN Portugal dizem em uníssono que isto é o resultado da falta de atratividade das condições dadas, que leva a que jovens médicos ponderem mais rapidamente em optar pelo setor privado da saúde ou até por oportunidades no estrangeiro.

“É essencial investir, melhorar condições de exercício nas especialidades. É preciso ainda perceber que em algumas, por exemplo na especialidade cirúrgica, a capacidade de formar está limitada pelas doenças e pelos cirurgiões disponíveis para ensinar. É preciso reforçar estes serviços com especialistas para que a capacidade formativa não se perca, compete ao Ministério da Saúde”, defende Alexandre Valentim Lourenço.

Tomando como exemplo as vagas que ficaram por preencher no final do ano passado, Bruno da Cruz Maia diz que “Medicina Interna é a especialidade que passa horas e horas no serviço de urgência e a Medicina Geral e Familiar tem um trabalho burocrático e listas de utentes infindáveis”, sendo estes dois motivos para o falhanço nas escolhas e que espelham a falta de atratividade. “Os jovens percebem que a formação está a ser comprometida com a falta de especialistas e formadores de SNS”, destaca.

Carlos Cortes não hesita em dizer que estamos perante um “sintoma” do estado atual do SNS. “Hoje há dificuldades no SNS, a vários níveis, em termos de condições de trabalho, muitos têm condições muito deficitárias, o médico gosta de trabalhar bem e ter condições para poder tratar adequadamente os utentes, quando o serviço não oferece essas condições deixa de ser atrativo. O SNS para ser mais competitivo, para atrair médicos e fixá-los, tem de criar novas condições e fazer entender aos médicos que têm intenção de dar condições”, atira.

Em concordância com os restantes candidatos, Fausto J. Pinto considera que “o acontece é que muitos médicos não estão disponíveis para aceitar as condições que atualmente o SNS está a dar”, sendo que, defende, “a única forma de poder ultrapassar isso é uma regra simples de gestão empresarial: o sistema público tem de ser competitivo com o privado e o estrangeiro”.

“Há vários motivos para as vagas ficaram por preencher. alguns tem a ver com problemas estruturais, um interno que ocupa uma vaga de especialidade na grande Lisboa, no Algarve ou no Porto, onde a vida está caríssima, tem um o vencimento que não comporta uma casa ou parte de casa, é normal que as pessoas fujam dessas vagas”, diz ainda Jaime da Cunha Branco. Além da remuneração, o médico destaca ainda que alguns internos identificam determinados hospitais e especialidades como locais onde terão “uma menor qualidade ou onde o seu trabalho é mais explorado, são mais escalados para urgência, descurando a sua formação”.

  • Criação de novas especialidades médicas

A criação da especialidade de Medicina de Urgência esteve recentemente em cima da mesa - com os especialistas em Medicina Interna a considerar o momento inoportuno - e apesar de a Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos ter chumbado a sua criação, o tema continua na ordem do dia, até porque o próprio Ministério da Saúde já veio dizer que pretende criar equipas próprias para as urgências, ecoando a necessidade da especialização. 

Os quatro candidatos defendem que a evolução traz novas necessidades e que a criação de novas especialidades pode ser uma consequência direta disso, embora reconheçam que é uma questão que pode levar tempo até se concretizar e que, no caso da urgência, por exemplo, não resolverá os problemas no imediato.

Para o candidato especialista em ginecologia e obstetrícia, Alexandre Valentim Lourenço, o facto de a Medicina ser “cada vez mais multidisciplinar”, leva a que seja necessário “ter de criar diferenças em múltiplas subespecialidades”, dando como exemplo a Medicina Desportiva e a Medicina Paliativa. No entanto, diz que o assunto tem de ser ponderado: “A criação deve ser feita de forma proporcional e equilibrada, ao criarmos uma especialidade não podemos criar desequilíbrios nas outras que existem”. Já o candidato especialista em neurologia, Bruno da Cruz Maia, defende que a criação de novas especialidades deve começar por "aquelas que são prioritárias”, classificando a Medicina de Urgência como “prioritária”, apesar de reconhecer que “não vai resolver todos os problemas da urgência, mas vai torná-la mais eficiente, dar mais capacidade para a própria urgência ser um serviço próprio e com autonomia, para ter a capacidade para atender melhor os utentes”.

O especialista em Patologia Clínica Carlos Cortes está também de acordo com a importância de avaliar as necessidades e criar especialidades ou subespecialidades ou até competências. “Há muitas a ser estudadas, como a Medicina Estética, que é merecedora de um enquadramento muito rigoroso”. “Estou aberto a novas especialidades”, diz.

Fausto J. Pinto, especialista em Cardiologia, também usa a Medicina Paliativa como exemplo de uma especialidade que faz sentido criar. “É uma realidade que hoje em dia tem evoluído, a Medicina Paliativa é mais ou menos consensual que é necessária. A Medicina de Urgência precisa de mais consenso, mas acho que mais tarde ou mais cedo vai acontecer. Se [a criação] for feita à bruta acaba por não resultar, tem de ser preparada”.

Jaime da Cunha Branco não fecha portas à entrada de novas especialidades, sendo defensor da Medicina Paliativa, mas alerta para o facto de haver o risco de haver “uma especialidade individual” que pode não ir ao encontro da “necessidade de integração no quadro do doente”.

  • Contratação direta de médicos

Foi a 11 de janeiro que o ministro Manuel Pizarro anunciou que o próximo concurso para médicos especialistas seguirá o modelo institucional, em que cada instituição contrata os médicos de que precisa, dando mais autonomia não apenas aos hospitais, como também às unidades de cuidados de saúde primários

Alexandre Valentim Lourenço considera que “a abertura de vagas dentro de necessidades dos hospitais e centros de saúde pode ser mais adaptada para resolver problemas de contratação em zonas com dificuldade em criar vagas”. O especialista em ginecologia-obstetrícia crê que “serão concursos autónomos mais rápidos e adequados, resolvendo problemas dos hospitais e centros de saúde”.

Também Bruno da Cruz Maia defende que “os hospitais devem ter autonomia para definir os quadros de pessoal, definir quem contrata e quais os critérios, tem de haver um processo transparente, para permitir que médicos que queiram mudar de hospital possam fazê-los”.

“Concordo totalmente. Faz todo o sentido, cada instituição tem de definir a sua necessidade, faz muito mais sentido haver uma abertura face às necessidades de cada instituição. Mais: deve-se criar mecanismos que permitissem às instituições definir pacotes para atrair profissionais, incentivos para fixar os médicos nas mais variadas localizações do nosso país”, defende Fausto J. Pinto. 

Para Jaime da Cunha Branco, esta medida anunciada pelo Governo “não é penso rápido, é estruturante, a ser verdade é uma medida muito importante, como em algumas regiões do país os internos terem ordenados maiores e condições de habitação com vantagens”. Para o especialista em reumatologia, esta medida “pode resolver” os problemas das urgências e das vagas por preencher.

Dos cinco candidatos entrevistados, apenas Carlos Cortes se mostra reticente quanto à medida: “Não me parece que seja prioridade, o que quero para o país e para o SNS é que seja atrativo, o Ministro da Saúde e direção executiva do SNS deveriam estar focados em criar condições para SNS voltar a ser competitivo, volte a conseguir ficar com os médicos”.

  • Portugueses sem médico de família

Esta situação foi apontada pelos quatro entrevistados como uma das mais críticas e crónicas do SNS e a base de alguns dos problemas atuais mais sérios, como a forte adesão ao serviço de urgência. Só em 2022 o SNS perdeu mais de 2.600 médicos de família, mais de um milhão de portugueses não tem um médico de família atribuído e há unidades de saúde locais à beira da rutura.

A generalização das unidades de modelo B é a aposta dos candidatos, defendo que esta é a forma de fixar, de forma mais atrativa, os especialistas em Medicina Geral e Familiar.

Alexandre Valentim Lourenço diz que este modelo de unidade de saúde permite “fixar médicos em zonas mais carenciadas”, uma visão partilhada por Bruno da Cruz Maia, que diz que “é importante que generalizemos as USF de modelo B”. “Não estamos a conseguir criar condições de carreira para atrair estas pessoas, é preciso renegociar uma carreira para os médicos, que passa por questões salariais, mas também passa por projetos de carreira, de formação”, continua o médico especialista em neurologia.

Também Carlos Cortes diz que “o caminho é a evolução para USF de modelo B”, mas assegura que a solução está no Governo. “O que o Ministério da Saúde tem de fazer é saber aplicar um sistema de discriminaçao positiva: as áreas com maior dificuldade têm de ter mais atenção do Ministério da Saúde, tem de ser mais ajudadas, melhor cuidadas. Lisboa, Alentejo, Algarve e Açores, por exemplo. Só a enorme boa vontade e altruísmo dos médicos permite dar resposta, às vezes quase desumana”, frisa.

A ideia de discriminação positiva é igualmente defendida por Fausto J. Pinto, mas focado em médicos. “A igualdade [de condição tida como base] cria desigualdade”, diz. O médico defende “mecanismos para incentivos em função de características de cada zona, condições de trabalho, condições financeiras, apoio à formação”.

Para Jaime da Cunha Branco, “os médicos não podem continuar a ter metade do tempo de consulta dedicado à tarefas que não são relacionadas com doentes, que são burocráticas e que podem e devem ser feitas por outros funcionários”. Mas além da necessidade de melhorar as condições salariais e de carreira dos médicos e de defender os modelos tipo B, o médico volta a destacar a literacia em saúde. “A filosofia tem de ser modificada, até agora foram mais centros de doença, tem de ser promovida a saúde e prevenir a doença”, diz, dando sugestões de como deveria ser feito, seja com a inclusão de “uma pequena biblioteca os livros”, de um “pequeno espaço de ginásio onde possam fazer exercício”, mesmo quem não está doente, de um espaço onde haja nutricionista “a ensinar para fazer pratos saudáveis”. O médico defende a criação de “espaços de saúde e bem-estar, onde as pessoas gostem de ir”.

  • Dificuldade de fixação de médicos no SNS

Só entre 1 de maio e novembro de 2021, mais de 400 médicos saíram do Serviço Nacional de Saúde. A juntar a reformas, multiplicam-se os médicos que optam pelo setor privado da saúde, uma questão que os candidatos à OM dizem ser importante avaliar, pois é consequência direta da dificuldade em reter os profissionais de saúde no Estado.

“O que falhou foi uma falta de investimentos em recursos humanos, nos últimos anos, quer por carência financeira, por falta de atualização de remunerações, pela inexistente estratégia de recursos humanos, os profissionais não ficaram nos sistemas [de saúde]. Qualquer empresa que queira reter profissionais tem um departamento de recursos humanos muito cuidadoso. Neste momento não existe e se não se alterar esta estratégia vamos continuar a ter uma sangria”, avisa Alexandre Valentim Lourenço. Bruno da Cruz Maia é igualmente defensor de uma melhor estratégia: “Temos de repensar a carreira médica, do ponto de vista salarial, da formação, da participação dos médicos na gestão nas unidades de saúde, e da investigação”.

Carlos Cortes fala da falta de atratividade, focando-se na formação, que acaba por ser um fator que, para algumas especialidades, é capaz de atrair, mas noutras, pela escassez de formadores, não. “Para haver um bom SNS é preciso uma boa formação, tecnologia e investigação que possa atrair médicos e profissionais de saúde”, atira, defendendo que “independente da questão remuneratória, se um médico não tiver capacidade para tratar dos doentes, não vai querer ficar, e isto é tão válido para público, privado e social”.

“Embora a Ordem [dos Médicos] não tenha intervenção sindicais, o SNS tem de ser competitivo ao nível das remunerações, não há volta a dar. E tem de ser competitivo ao nível de tecnologia”, adianta Jaime da Cunha Branco, destacando que, a este nível, “hoje no privado encontra-se igual o melhor”.

Para Fausto J. Pinto, a solução está em “criar pacotes” atrativos, sobretudo a nível salarial. “Fala-se muito da remuneração, até porque os médicos são das classes profissionais especializadas com piores salários. Um interno da especialidade, ao fim de vários anos, ganha 1.300 euros, não é incentivante. Quando tem opção de trocar com outros conjuntos, como condições de trabalho que são completamente diferentes, troca”.

Quem são os candidatos?

São todos homens, têm entre 40 e 68 anos e representam especialidades distintas: Cardiologia, Ginecologia e Obstetrícia, Neurologia, Patologia Clínica, Otorrinolaringologia e Reumatologia.

Alexandre Valentim Lourenço tem 59 anos, é natural de Lisboa e médico especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Foi presidente da Secção Regional Sul da Ordem dos Médicos e entre 2017 e 2022 foi membro da Comissão permanente do Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos. Está no Hospital de Santa Maria desde 1997, tendo, em 2022, obtido a categoria de Assistente Graduado Sénior. Foi diretor da revista Acta Médica Portuguesa entre 2017 e 2022. O seu nome consta em diversos artigos científicos internacionais.

Bruno da Cruz Maia é o candidato mais novo: tem 40 anos. Natural do Porto e especialista em Neurologia e Medicina Intensiva. É atualmente intensivista na Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos, Coordenador Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos e membro do Laboratório de Neurossonologia, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central. É ativista e foi um dos organizadores da primeira Marcha do Orgulho LGBTI+ no Porto, em 2006, e fundador do Observatório Português de Canábis Medicinal. Faz ainda parte do movimento “Direito a Morrer com Dignidade”.

Carlos Diogo Cortes é natural de Lisboa e residente em Coimbra. Tem 53 anos e é especialista em Patologia Clínica e tem ainda a subespecialidade em Microbiologia Médica desde 2020. É diretor do serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar do Médio Tejo e, desde 2014, assume a função de presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos e presidente do Colégio da Subespecialidade de Microbiologia Médica. Durante a pandemia, fez parte da Comissão de Avaliação e Acompanhamento do Plano de Expansão da Capacidade Laboratorial Nacional para diagnóstico de SARS-CoV-2.

Fausto J. Pinto tem 63 anos, é natural de Santarém e especialista em Cardiologia. É assistente graduado sénior de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e diretor do serviço de Cardiologia (desde 2014) e do departamento de Coração e Vasos (desde 2016) da mesma unidade. Foi diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa entre 2015 e 2022, instituição onde é professor catedrático desde 2010. Foi ainda fundador da Associação Europeia de Ecocardiografia, tendo assumido a presidência do organismo entre 2002 e 2004. Entre 2021 e 2022 foi presidente da World Heart Federation, sendo o primeiro português de sempre a assumir funções no cargo.

Jaime da Cunha Branco tem 68 anos, é o candidato mais velho a concorrer às eleições deste ano. É especialista em Reumatologia e, em 1992, fundou o Serviço de Reumatologia do Hospital Egas Moniz, que dirige desde então. É assistente graduado sénior, tendo obtido o grau de chefe de serviço em 1998. É, desde 1976, docente na NOVA Medical School - Faculdade de Ciências Médicas, antes Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Entre 2000 e 2002 foi presidente da Sociedade Portuguesa de Osteoporose e Doenças Ósseas Metabólicas - SPODOM e de 2002 a 2004 presidiu a Sociedade Portuguesa de Reumatologia.

Rui Nunes tem 62 anos, é natural do Porto e especialista em Otorrinolaringologia. É professor catedrático na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e foi o primeiro doutorado em Bioética em Portugal. Em 2002 obteve o título de agregado em Sociologia Médica e, sete anos depois, o título de agregado em Bioética. Em 2022 foi eleito Presidente da Associação Portuguesa de Bioética. Foi ainda o pioneiro em Portugal na colocação cirúrgica do implante de ouvido médio e o foi o primeiro presidente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS). É membro da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço. Publicou 29 livros sobre temas relacionados com a bioética, a saúde, a cultura e a sociedade.

 

atualizado às 11:33 com declarações do médico Jaime da Cunha Branco.

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