Previsões do Governo entregues na Assembleia da República no Quadro Plurianual das Despesas Públicas levaram muitos a entender que a carga fiscal no próximo ano iria trazer mais 51 mil milhões em receitas. O Ministério liderado por Miranda Sarmento teve de fazer um esclarecimento no fim-de-semana, e ainda há quem duvide dos números (re)apresentados e mesmo da promessa de descida nos impostos. Por vezes, “pensamos fazer uma coisa e acabamos a fazer de maneira diferente”
O Partido Socialista (PS) insistiu e, na passada sexta-feira, o Governo apresentou no parlamento o Quadro Plurianual das Despesas Públicas (QPDP) 2025-2028, com a respetiva previsão de receitas para o mesmo período. E foram estes últimos dados que acabaram por dominar a atualidade. Nas contas do Governo estimava-se arrecadar 293,8 mil milhões de euros em impostos em 2025, o que representa um aumento de 51 mil milhões de euros face à previsão para 2024, ou seja, um crescimento superior a 21%. O limite total da despesa para 2025 definido pelo Governo aumentaria, por sua vez, 19,3%, para 425,9 mil milhões de euros.
Acabou, no entanto, por ser a primeira percentagem a causar críticas, pois grande parte dos analisas, políticos e especialistas económicos, considerava irrealista o crescimento com a receita de impostos. Ainda por cima tendo em conta que uma das bandeiras eleitorais do executivo liderado por Luís Montenegro passa por um alívio da carga fiscal, através de uma descida do IRC, o imposto que recai sobre os lucros das empresas, e pela implementação do IRS Jovem.
O PS reagiu na sexta-feira, no parlamento, através do deputado António Mendonça Mendes, declarando serem “insuficientes” — e aquém do solicitado pelo secretário-geral Pedro Nuno Santos para viabilizar um Orçamento do Estado — as informações disponibilizadas no QPDP, desde logo porque não incluem detalhes sobre o saldo estrutural e margem orçamental.
Quanto às previsões da receita fiscal, Mendonça Mendes garantiu que incluía “a receita fiscal propriamente dita e a dívida”. E concluiria: “Das duas uma, ou o Governo está a contar com um aumento estratosférico da receita fiscal — e tem de explicar os pressupostos que o leva a ter uma visão tão otimista. Ou está a contar com um aumento muito substancial da dívida e está a contar com o desequilíbrio orçamental no próximo ano”.
Face às críticas e dúvidas levantadas, o Ministério da Finanças liderado por Joaquim Miranda Sarmento enviaria às redações, no sábado à noite, um “esclarecimento” onde se garantia que o aumento da despesa pública e da receita fiscal rondará os 4%. Não 19,3%, não mais que 21%. Somente 4%.
O crescimento na receita fiscal do próximo ano “será mitigado pelas propostas de redução de IRS do Governo”, lê-se no comunicado. E esclareceu igualmente o Governo, a propósito da discrepância de valores entre 21% e 4%, que os dados entregues no parlamento, e ao contrário do Orçamento do Estado, "é construído com base na despesa efetiva, mas também na despesa não efetiva (ativos e passivos financeiros) e não é consolidado (não elimina as transferências orçamentais entre entidades e sectores)".
Ouvida pela CNN, fonte do Ministério das Finanças insiste que “não se tratou de qualquer erro”, e que “a receita ali apresentada é não consolidada”, justificando que “a metodologia de um Quadro Plurianual é assim que se faz — e sempre fez assim”.
Não adiantando valores, o Ministério das Finanças reafirma que “a nossa expectativa [de aumento de receita de impostos] é de 4% e é clara”.
À CNN, o deputado socialista António Mendonça Mendes diz que sempre se percebeu que “aquela não é nem podia ser uma subida de receita fiscal”. “Essa subida, se fosse de receita fiscal, seria demasiado acentuada — e caberia ao Governo explicar de onde é que decorre. Com a inflação a desacelerar, com o ritmo de crescimento mais ou menos o mesmo, não era possível”, aponta.
Mendonça Mendes insiste, apesar do esclarecimento do Governo, no envio da informação, detalhada solicitada pelo PS. “A informação que o PS solicitou foi a da evolução do cenário orçamental para 2025. É importante sabermos qual é a despesa relevante para efeitos de negociação com a Comissão Europeia — e que exclui juros e prestações sociais, por exemplo. Os dados que foram apresentados [na sexta-feira] não nos permitem perceber qual é o ritmo de crescimento de despesa relevante, nem qual pode ser o ritmo de crescimento da receita. É preciso o cenário orçamental para 2025, que nos permite avaliar o equilíbrio orçamental. E claro que temos dúvidas de que o governo consiga, que tenha capacidade para cumprir o equilíbrio orçamental do próximo ano”, diz Mendonça Mendes E avisa já: “Sem ter estes dados é muito difícil o PS negociar qualquer orçamento”.
Também ouvido a este respeito pela CNN, o bastonário da Ordem dos Economistas alerta que a divulgação de previsões, e apesar do esclarecimento governamental, “não pode ser apenas chutar, dizer que é de 20% [o aumento de receitas com impostos], que é de 4 %”. “Há técnicos que fazem estas projeções e aquele número estava naturalmente errado ou podia ser enganador. Há objetivos, políticas do governo, e há modelos que permitem fazer esses cálculos corretos”, garante.
Para António Mendonça, “mesmo falar em 4 % de aumento de receita de impostos é possível, mas é talvez otimista demais”. E explica o bastonário: “Um orçamento é naturalmente uma previsão de receitas e despesas, que se poderão concretizar ou não concretizar, depende de como a economia nacional e internacional evoluir, há muita imprevisibilidade. O que eu antevejo é que em matéria orçamental o cenário é complicado entre 2024 e o próximo ano. Este ano haverá um ligeiro excedente, e isso é possível, mas para o ano há incerteza, a economia vai desacelerar — o que tem reflexos na economia portuguesa”.
Apesar das muitas promessas, quase garantias, de alívio da carga fiscal, o bastonário admite que até possa haver um aumento de impostos. “Isso está sempre presente, porque a situação económica pode agravar-se, pode vir a ser necessário [aumentar impostos] em face da desaceleração económica. Pensamos fazer uma coisa e acabamos a fazer de maneira diferente. Seja como for, é importante haver [entre Governo e oposição] vontade de chegar a um consenso, porque num contexto de incerteza os orçamentos não passam e o país fica estruturalmente paralisado”, alerta.