Orçamento maioritário, divórcio insanável. Os aliados do PS agora são outros: o PAN e o Livre, líderes nas aprovações

26 mai 2022, 20:18
Debate parlamentar sobre Orçamento do Estado 2022 (MANUEL DE ALMEIDA/LUSA)

As propostas de alteração foram escrutinadas ao detalhe. Agora só fala a votação final global, esta sexta-feira, para a luz verde necessária ao primeiro Orçamento do Estado de António Costa com maioria absoluta. Para provar que o diálogo é uma realidade, há novos aliados. Bloco de Esquerda e PCP têm agora outra versão para contar

Sempre que uma das 353 propostas de alteração comunista chegava ao plenário, a resposta foi sempre a mesma: “Rejeitada”, com o voto contra do PS. E houve apenas uma exceção: os municípios passam a ter direito de preferência na venda de habitações penhoradas pelo fisco. Mas, mesmo na única proposta do PCP aprovada, a cedência não foi total.

Para trás ficou a parte da proposta onde se lia que esses imóveis se deviam destinar a habitação com rendas acessíveis. Assim como para trás ficaram todas as outras lutas comunistas, das creches gratuitas às reduções de IVA na energia, passando pelo aumento extraordinário das pensões pelos aumentos salariais e de férias na Função Pública.

Se outrora o PCP foi o parceiro privilegiado do PS na negociação dos orçamentos, o divórcio parece agora insanável. E fez-se notar mesmo entre os deputados. Hugo Carneiro, que conduzia os trabalhos, chegou a sugerir a votação em conjunto de uma proposta do PCP e do PS. Mas logo reconheceu o lapso, ao perceber que o sentido de voto estava longe de ser o mesmo para ambas as propostas. “Noutros tempos daria”, ouviu-se das bancadas.

O novo líder das aprovações

Com a maioria absoluta, o PS não precisava de aceitar as propostas vindas dos outros partidos para garantir a aprovação do Orçamento do Estado para 2022. Mas os socialistas quiseram dar prova de que estão abertos ao diálogo. E o grande beneficiado foi o PAN.

O partido de Inês de Sousa Real avançou com 244 propostas de alteração. Dessas, 40 acabaram por receber luz verde dos socialistas – sem eles não seria possível a aprovação. Uma abertura que levou o PAN a manter a abstenção, embora longe das metas pretendidas.

Embora muitas das medidas tenham caráter simbólico, certo é que outras mexem diretamente com as contas de 2022. São disso exemplo o reforço no mecanismo de apoio à eficiência para agregados em situação de pobreza energética, no programa que densifica a rede de transportes públicos e no cheque-bicicleta. Nas conquistas do PAN estão a criação de uma rede de bancos de leite materno, o fim do chumbo na caça e na pesca ou a isenção de taxas para donos de cães com fragilidade económica ou para quem tenha adotado o animal em centros de recolha e associações legalizadas.

Mas “pelo caminho ficaram várias medidas”, lamentou a porta-voz do partido, como não ter havido uma renegociação da injeção de capital no Novo Banco, a descida do IVA para 6% nos serviços médico-veterinários ou a licença menstrual. Nada que demova de, num orçamento de maioria absoluta socialista, ver lá plasmado “o ADN do PAN”.

Sorte de estreante?

Se a relação do PS com o PAN tem já passado, mesmo que de forma informal, há um outro elemento que não quer ser deixado de fora: o Livre. O PS cria assim uma tríade ecologista, onde Rui Tavares aproveita para abanar as bandeiras das primeiras vitórias parlamentares.

O Livre viu serem aprovadas, com a ajuda socialista, mais de uma dezena de propostas de alteração das 84 que fez dar entrada no Parlamento - e alinha na abstenção. Uma das mais relevantes é o alargamento do subsídio de desemprego às vítimas de violência doméstica, que se junta o programa “3C – Casa, Conforto e Clima” para a melhoria da eficiência energética.

No início da semana, o acordo entre o Livre e o PS para reduzir para 6% o IVA nos produtos menstruais ainda havia de criar algum burburinho, precisamente porque essa taxa mínima já se aplicava em tampões, considerados produtos de gaze para “uso higiénico ou cirúrgico”. A proposta do Livre clarifica esse cenário, criando um espetro mais alargado, onde passa a estar integrado por exemplo os pensos laváveis.

As alianças sem impacto

A grande queixa que o Bloco de Esquerda – o parceiro que mais dores de cabeça deu ao Governo durante a geringonça – encontra na negociação deste Orçamento do Estado para 2022 pode resumir-se assim: o PS só cede em medidas sem impacto orçamental.

E é precisamente aí que os bloquistas, após 137 propostas de alteração entradas, conseguiram luz verde em apenas duas matérias: na promoção de ações de informação sobre o ciclo e produtos menstruais e na criação de um programa de promoção do estatuto dos profissionais da cultura.

Na vontade socialista esbarraram propostas bloquistas para reforços salariais na PSP e na GNR, para mais dias de férias na Função Pública, para penalizar os paraísos fiscais ou eliminar os vistos “gold”. E, por isso, a votação bloquista vai repetir-se: contra as contas de 2022.

A piscadela liberal

Melhor sorte do que os bloquistas tiveram os liberais, mesmo que o espetro política pareça deixá-los mais longe dos socialistas. O PS chegou mesmo a alterar o sentido de voto para garantir que uma proposta do Iniciativa Liberal – uma das 127 entregues – acabava aprovada. E em que consistia ela? Na garantia de que as bolsas de estudo no Ensino Superior são atribuídas antes de serem conhecidos os resultados das colocações, garantindo assim que as condições económicas não bloqueiam o acesso à universidade.

Já com um pendor mais simbólico, os liberais viram aprovada uma proposta para que o Portal “Mais Transparência” e outra para o reforço da formação dos magistrados para o combate a crimes como o de violência doméstica ou de violação.

Os blocos centrais (e o Chega sem “nada”)

Nesta legislatura, o Chega passou de um para 12 deputados. Doze pares de mãos que trabalharam nas 309 propostas de alteração do Orçamento do Estado para 2022. Um trabalho em vão, já que nenhuma das medidas conseguiu ser aprovada – confirmando a posição de António Costa de que o PS não precisa do Chega “para nada”.

Mas ao contrário do Chega, o maior partido da oposição não tem a porta fechada com os socialistas. O PSD, que entregou 178 propostas de alteração, viu os socialistas alinhar em diversas circunstâncias num bloco central parlamentar – e muito à custa do PSD Madeira, visto como hipotética ‘tábua de salvação’ noutros momentos.

Os sociais-democratas contaram com os socialistas para travar a retroatividade no agravamento do Imposto de Selo e na proposta para acelerar a contratação de trabalhadores fora da Europa, numa tentativa de solucionar a falta de mão-de-obra em diversos setores.

A isto somam-se as vitórias do PSD Madeira, que viu o PS juntar-se na ideia de prolongar por mais um ano o regime de incentivos fiscais na Zona Franca da Madeira e de reduzir o imposto aplicado sobre o rum e licores produzidos e consumidos no arquipélago.

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